Dicionário Histórico de Cinema Sul-Americano#22: Martín Rejtman
REJTMAN, MARTÍN (Argentina, 1961-). Considerado como um dos mais importantes diretores do nuevo cine argentino que ganhou vida no final dos anos 90, o primeior longa de Martín Rejtman como diretor, Rapado (1992), prefigura esse movimento jovem e serve como inspiração para os novos realizadores, muitos deles graduados nas escolas de cinema argentinas. Nascido em Buenos Aires, Rejtman, estudou no prestigiado programa de produção da escola de cinema da New York University e, no seu retorno, dirigiu seu primeiro curta, Doli Vuelve a Casa (1986). Trabalhou como assistente de direção na Itália e nos Estados Unidos e, em 1988, tentou realizar um longa, Sistema Español, co-produzido por Otto Grokenberger (que havia trabalhado com Jim Jarmusch em seus primeiros filmes independentes). Porém com apoio do Hubert Bals Fund na Holanda e o realizador argentino auto-exilado Alejandro Agresti, trabalhando como produtor de seu novo projeto, Rejtman foi capaz de filmar Rapado com orçamento minúsculo em 1991. Notoriamente, não recebeu nenhum apoio do estado para Rapado, e apesar do filme ter sido exibido nos festivais de Roterdã e Locarno, assim como no Festival Internacional del Nuevo Cine Latinoamericano (Havana) em 1992, não seria lançado na Argentina antes de 1996, após o que ganharia o Condor de Prata de Melhor Primeiro Filme da Associação dos Críticos de Cinema Argentinos.
De forma incomum dentre os realizadores contemporâneos argentinos, Rejtman é também um bem sucedido escritor, e Rapado foi baseado em um conto que foi escrito com um roteiro de cinema em mente. Incomodado com a artificialidade dos diálogos da maioria dos filmes argentinos, Rejtman queria usar o mínimo de diálogos possíveis em Rapado, e também buscava não criar um senso visual de profundidade demasiado amplo, acreditando que "cinema é superfície". Frequentemente a câmera rastreará um personagem lateralmente, dirigindo sua motocicleta, andando ou correndo na calçada, onde o ângulo de 90 graus da câmera tende a achatar a perspectiva. Muito pouco acontece no filme: após dar uma carona a um homem em sua motocicleta, o passageiro de Lucio o agride e rouba sua motocicleta, dinheiro e os tênis. O lâconico Lucio (Ezequiel Cavia), e seu melhor amigo Damián (Dreizik), passam o resto do filme tentando roubar uma moto para substituir a sua. Lucio consegue, mas após repintar a lambreta roubada em seu quarto, descobre que precisa de reparos. Ele a abandona em meio a uma estrada no campo. Sem dúvida alguma influenciado por Ladri di Bicicletti (Ladrões de Bicicleta, Itália, 1948), de Vittorio De Sica, o filme de Rejtman possui um tom cômico, no qual o humor é direcionado aos jovens protagonistas masculinos, que são descritos como preguiçosos alienados, não os necessitados filhos de batalhadoras familias proletárias urbanas.
O tom cômico foi continuado no filme seguinte de Rejtman, Silvia Prieto (1999), baseado em um romance inacabado de uma amiga, Valeria Paván, no qual uma mulher nada excepcional de 27 anos, Silvia Prieto (Rosario Blefari), decide que precisa mudar sua vida, descobrindo que há uma outra mulher em Buenos Aires com seu mesmo nome (Mirta Busnelli) e, por fim, após perder todos os seus documentos de identificação (talvez deliberadamente), conta à Polícia que seu nome é Luisa Ciccone, o nome real da mulher mais famosa do mundo, Madonna! Rejtman obteve fundos da França para este filme e também conseguiu obter um empréstimo do Instituto Nacional de Cine y Artes Audiovisuales (INCAA) para pós-produção. Foi exibido nos festivais de cinema de Sundance e Berlim e foi o filme de encerramento do Buenos Aires Festival Internacional de Cine Independiente (BAFICI), em 1999.
No primeiro livro publicado em inglês sobre o nuevo cine argentino, em 2002, Rejtman foi incluído ao lado de Adrián Caetano, Pablo Trapero e Lucrecia Martel como os "Quatro Autores", e sua crescente reputação proporcionou que recebesse empréstimos do Hubert Bals Fund, Fonds Sud e Arte (França) e da rede de televisão alemã ZDF para seu terceiro longa, Los Guantes Mágicos (2003), que estreou no Festival Internacional de Locarno (Bernardes, Lerer e Wolfe, 2002). Ao contrário de Rapado, tanto Silvia Prieto quanto Los Guantes Mágicos são repletos de diálogos. Ambos os filmes possuem narração em voz over pelos protagonistas Prieto e Alejandro (Gabriel Fernández Capello, vulgo Vicentico), respectivamente, e ambos enredos destacam trocas de parceiros nos relacionamentos. O ex-marido de Silvia, Marcelo (Marcelo Zanelli), vive um romance com Brite (Valeria Bertuccelli), que promove o sabão em pó "Brite" junto a Silvia, que se une ao ex-marido de Brite, Gabriel (Vicentico), ex-professor escolar de Marcelo. Em As Luvas Mágicas, Alejandro, que possui um nada atrativo Renault, torna-se motorista regular do produtor de rock Piranha (Fabián), enquanto sua namorada, Cecilia (Cecilia Biagnini) larga ele e fica deprimida.
A mulher de Piranha, Susana (Susana Pampín) é uma agente de viagens e persuade Cecília a voar para um spa no Brasil, mas ao final do filme, após se tornado próxima de um emocionalmente depressivo passeador de cachorros e ter ido adiante, agora curada com um caso com uma estrela pornô baseada no Canada, que trabalha para Piranha, Susana se torna a deprimida! Muitos absurdos encantam os dois filmes, incluindo o esquema de Piranha de vender "luvas mágicas" durante o inverno mais frio registrado em Buenos Aires. Muitos objetos passam de um personagem para outro em Silvia Prieto, incluindo uma jaqueta Armani e um figurino de porcelana trazido de volta de Los Angeles por Marcelo e dado de presente a Brite, que presenteia Silvia, que o joga fora em um acesso de fúria, somente para ser salvo por um jovem, que o leva para casa e então visita um clube de rock, onde a cantora vem a ser a filha da segunda Silvia Prieto. Reijtman ama as "comédias malucas" hollywoodianas dos anos 30 e 40, e nesses dois filmes modelou uma variação argentina do gênero, atualizados para uma época mais permissiva, enquanto estilisticamente parodiam sitcoms televisivas, nas quais as câmeras retornam às mesmas locações, com exatamente as mesmas angulações. Repetidamente, em Luvas, a câmera obsereva Alejandro pelo para-brisa de seu Renault, enquanto o arranjo dos personagens como passageiros muda de cena a cena em sintonia de com as variações desses relacionamentos.
Após desenvolver uma marca única de comédia de absurdos burguesa, Rejtman dá uma guinada de 180 graus em seu filme seguinte, Copacabana (2006), um documentário socialmente engajado em uma comunidade de bolivianos pobres vivendo nos arredores de Buenos Aires. Como Robert Koehler observa na página da internet do FIPRESCI, é notável que um diretor de cinema que é um "talentoso maníaco por controle, ceda alguma autoridade sobre o que irá apresentar diante de sua câmera", e é particularmente surpreendente que tenha se movido da descrição das tentativas das pessoas de viverem juntas em seus filmes de ficção para mostrar não somente uma bem sucedida adaptação de pessoas marginalizadas em um país estrangeiro, mas oferecendo esperança para a comunidade no futuro. Copacabana venceu o prêmio FIPRESCI na mostra Documentário Internacional do Festival Internacional de Cinema Contemporâneo da Cidade do México, fevereiro de 2007. Em 2008, Rejtman co-dirigiu Entrenamiento Elemental para Actores, comédia de uma hora realizada para a televisão, com Féderico Leon. Continuando a trabalhar com um grupo favorito de atores, Rejtman escalou Arenillas como um idiossincrático professor de interpretação dramática de crianças de oito a doze anos. O filme foi exibido no BAFICI (2009) e em Roterdã (2010).
Texto: Rist, Peter H. The Historical Dictionary of South American Cinema. Plymouth: Rowman & Littlefield, 2014, p. 475-8.
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