O Dicionário Biográfico de Cinema#253: Frank Capra
FRANK CAPRA (1897-1991), n. Bisacquino, Sicília
1926: The Strong Man [O Homem Forte]. 1927: For the Love of Mike [Filhos da Fortuna]; Long Pants [Pinto Calçudo]. 1928: The Power of the Press [Mocidade Audaciosa]; Say It with Sables [O Que a Lei Não Castiga]; So This is Love [Defende o Teu Amor]; That Certain Thing; The Way of the Strong [Os Predestinados]; The Matinee Idol [Esta Vida é uma Comédia]; Submarine [O Submarino]. 1929: The Donovan Affair; Flight [Asas do Coração]; The Younger Generation [Duas Gerações]. 1930: Ladies of Leisure [A Flor dos Meus Sonhos]; Rain or Shine. 1931: Dirigible [Dirígivel]; The Miracle Woman [A Mulher Miraculosa]; Platinum Blonde [Loura e Sedutora]. 1932: Forbidden [A Mulher Proibida]; American Madness [Loucura Americana]; The Bitter Tea of General Yen [O Último Chá do General Yen]. 1933: Lady for a Day [Dama por um Dia]. 1934: It Happened One Night [Aconteceu Naquela Noite]; Broadway Bill [A Vitória Será Tua]. 1935: Opera Hat (*). 1936: Mr. Deeds Goes to Town [O Galante Mr. Deeds]. 1937: Lost Horizon [Horizonte Perdido]. 1938: You Can't Take It with You [Do Mundo Nada Se Leva]. 1939: Mr. Smith Goes to Washington [A Mulher Faz o Homem]. 1941: Meet John Doe [Adorável Vagabundo]. 1942: Prelude to War [Prelúdio de uma Guerra] (d); The Nazis Strike (co-dirigido com Anatole Litvak) (d). 1943: The Battle of Britain (d); Divide and Conquer (co-dirigido com Litvak) (d); The Battle of China (co-dirigido com Litvak) (d). 1944: Arsenic and Old Lace [Este Mundo é um Hospício]. 1945: Know Your Name: Japan (co-dirigido com Joris Ivens) (d)|; Tunisian Victory [A Conquista da Tunísia] (co-dirigido com Roy Boulting) (d); Two Down and One to Go (d). 1947: It's a Wonderful Life [A Felicidade Não se Compra]. 1948: The State of the Union [Sua Esposa e o Mundo]. 1950: Riding High [Nada Além de um Desejo]. 1951: Here Comes the Groom [Órfãos da Tempestade]. 1959: A Hole in the Head [Os Viúvos Também Sonham]
(*) N. do E: Não encontrei este título no IMDB.
Quando escrevi a primeira edição deste livro, eu não escondi o meu desgosto pela maior parte da obra de Capra. O ensaio resultante provocou surpresa e desgosto, os inícios de um acordo, mas um sentimento de que havia sido tão "persecutório" que recusava ver o enorme talento ou facilidades de Capra. Em 1975 a reputação do realizador raramente era atacada. A única suspeita adveio de sua auto-glorificada autobiografia, The Name Above the Title, publicada em 1972. E eu sabia que estava mudando a ortodoxia (ainda que estivesse seguindo os excelentes passos de Andrew Sarris) ao dizer: "O aspecto mais odioso destes filmes [aqueles do final dos anos 30 e idos dos 40] suavizam a política ao sugerir que a maré da corrupção pode ser revertida por um herói. Deeds e Smith advertem assembleias governamentais indolentes ou cínicas com uma lista sincera de clichês que Capra se convence ser poesia libertária, em vez de um apelo à conformidade desprovida de aventura."
Desde então, tive tempo e razão para reconsiderar, mas penso que gosto de Capra ainda menos, mesmo me tornando mais interessado em sua confusão emocional. Antes de tudo eu vivo na América, e as tentativas e fracassos de Capra são mais dolorosas se alguém é, ou está tentando ser, americano (e o próprio Capra foi um imigrante que demorou a ser aceito).
Na América, "descobri" as profundezas inquietantes de A Felicidade Não se Compra. Havia visto este filme na Inglaterra, mas não o havia abraçado, nem ele a mim. No entanto, nos Estados Unidos, o filme era uma instituição, transmitido em todos os canais de TV durante o natal, trazendo alegria sem nos deixar esquecer de uma visão do temor. Pois a felicidade aqui era perseguida pelos cães de caça do inferno em vida; o Sonho Americano era tão próximo do inferno. O filme que havia fracassado em 1947, tornar-se-ia um símbolo da fraternidade edificante mas era, na verdade, um noir repleto de arrependimento, autopiedade e tentação suicida. Como tantas pessoas se convenceram ser alegre? O filme se apoderou da minha mente e escrevi uma espécie de romance (Suspects) que foi inspirado por meus sentimentos misturados.
Isto não teria sido possível sem a habilidade, a astúcia e a magia de A Felicidade Não se Compra. Porque o filme é tão lindamente realizado, tão rico em textura e nuances, pondo-me em uma linha de pensamento que me fez cogitar se alguns dos filmes americanos mais centrais não oferecem uma conjuração inexplicável de "genialidade"e do insalubre - colocaria The Godfather [O Poderoso Chefão], Citizen Kane [Cidadão Kane], The Searchers [Rastros de Ódio] e Taxi Driver, ao menos, nesta categoria: filmes espetaculares, com suas próprias quedas nos abismos. Os denominemos filmes-problemas, os chamemos de filmes reveladores do meio. Eles me evocam O Triunfo da Vontade.
Então houve a cuidadosa e assustadora biografia de Capra escrita por Joseph McBride. Digo "assustadora" porque McBride havia sido um fã de primeira ordem do diretor. No entanto, na pesquisa nos arquivos de Capra encontrou todo tipo de falhas no homem: um hipócrita, carreirista e apropriador de créditos, um rearticulador dos fatos, um mentiroso, um reacionário, falso liberal, anti-semita, um fabulador de si próprio, e um informante. E um grande admirador de Mussolini.
Estas acusações caberiam em outros em Hollywood? Talvez. Há toda uma probabilidade que uma carreira em Hollywood deixe seu dono exausto, entristecido e profundamente comprometido. Não há garantias que pessoas más ou comprometidas não possam realizar bons filmes. Mas, no caso de Capra, as deficiências humanas são particularmente sugestivas e importantes, por conta dele parecer tão determinado em parecer correto. Comprometimento é aquela trama malevóla odiada e condenada por Jefferson Smith - e então sua horrenda e histérica redução do Senado a um grotesco melodrama, programa de competição, e um comício de Ross Perot (*).
Capra chegou na América com seis anos, proveniente da Sicília. A família vivia bastante remediada em Los Angeles (haviam sido capazes de pagar um barco para Nova York e seis passagens de trem para o Oeste). Foi para o Throop College of Technology (que viria a se tornar Cal Tech) e graduou-se. Nos idos dos anos 20, a tendência inventiva de Capra o levou a se tornar um criador de gags para Hal Roach e Mack Sennett. Depois substituiria Harry Edwards como diretor de Harry Langdon. O Homem Forte é o filme mais divertido de Langdon, e se Pinto Calçudo não é tão bom, dificilmente explica a súbita ruptura entre os dois homens. Capra foi demitido, e respondeu com um ataque feroz que parece ter feito Langdon vacilar.
O ponto de virada para Capra, e na ocasião para a Columbia, veio quando Harry Cohn o contratou. Os primeiros filmes no estúdio são entretenimentos variados, cheios de vida, velocidade e talento cinematográfico. Que o diretor deles foi pessoalmente ambicioso não o sobrepunha ao material. Com Robert Riskin como seu roteirista e Joseph MacDonald como cinegrafista na maior parte do tempo, desovou A Mulher Miraculosa, com Barbara Stanwyck como evangelizadora - Stanwyck e Capra tiveram um caso; A Flor dos Meus Sonhos, com Stanwyck como uma arrivista; Loura e Sedutora, um dos melhores filmes de Jean Harlow; Loucura Americana, com Walter Huston como presidente do banco durante a quebra da bolsa; O Último Chá do General Yen, incomumente erótico, e com Stanwyck como missionária e Nils Ashter como senhor de guerra chinês; e Dama por um Dia, de Donald Runyon, sobre uma velha vendedora de maçãs (May Robson), que se faz passar por senhora da sociedade.
Nesse momento, Capra fezAconteceu Naquela Noite, uma comédia romântica pioneira; ganhou os Oscars de melhor filme, ator, atriz, diretor e roteiro adaptado (Riskin); também impulsionou a Columbia no cenário corporativo de Hollywood. Para Capra, era como se transformasse em um homem que se poscionara em algo como o Prêmio Nobel do Cinema. Começou a pregar humanidade, numa época que era obviamente bastante problemática.
O que se segiu demonstrou um talento incansável: Riskin, e depois Sidney Buchnan (Mr. Smith] foram soberbos na construção e diálogos - os filmes de Capra se moviam como cães caçadores. O tino para pessoas excêntricas e extras era infalível, e Capra adorava incidentes inusitados; a atuação era frequentemente ousada e inesperada; extraiu muito de Jean Arthur, digamos, mas transformou o nobre Gary Cooper em alguém crescentemente auto-duvidoso e mórbido. E os filmes, parece-me, são uma espécie de inspiracionismo fascista, em que a verdadeira dificuldade diária e tediosa de ser americano é implodida na proposta de uma redescoberta da simples bondade. Ross Perot pode parecer e soar como o Weeny King (em The Palm Beach Story/Mulher de Verdade, de Preston Sturges), mas é uma figura de e para Capra.
Os filmes desta época são O Galante Mr. Deeds, o patético Horizonte Perdido, Do Mundo Nada Se Leva, A Mulher Faz o Homem, Adorável Vagabundo e até mesmo Sua Esposa e o Mundo, já no pós-guerra. Os mesmos anos viram diversos documentários de guerra e o discordante Este Mundo é um Hospício. Os "filmes políticos", geralmente, foram os piores. Sua Esposa e o Mundo é incômodo e acima da meia-idade. Adorável Vagabundo é provavelmente o mais desonesto. O mais bem realizado é A Mulher Faz o Homem, e pelo mesmo motivo acho o mais perturbador. Desprezo a recorrência ao patriotismo, à estatuária e às citações em desafio ao impasse, aos acordos de bastidores e o compromisso. A democracia na América é uma nobre esperança que precisa ser preservada contra a corrupção, mas o compromisso é o modo essencial americano - sem ele, corremos o risco da ditadura. Jefferson Smith é um tirano. Um tolo malicioso e simplório, que se apodera da alarmante doçura de James Stewart. Ele é a verdadeira ameaça neste filme. O Senador Payne, de Claude Rains, é a figura mais interessante, melhor escrita e atuada no filme, mas está encerrado em tamanha ignomínia, que pode oscilar loucamente da bondade à malícia, à tentativa de suicídio e o arrependimento, para que esta história frenética possa seguir adiante.
Ninguém se indaga sobre o declínio de Capra após 1947 - até mesmo a habilidade se perde. Não se precisa contestar a vitalidade de tudo, até mesmo Aconteceu Naquela Noite. No meio estão os filmes-problemas, feitos na glória de Capra - ganhou o Oscar de direção três vezes. É muito melhor que debatamos sobre eles do que nos deixarmos levar por suas lamentáveis mensagens.
Texto: Thomson, David. The New Biographical Dictionary of Film. N. York: Alfred A. Knopf, 2014, pp. 395-99.
(*) N. do E: Ross Perot foi um político, empresário, filantropo e bilionário estadunidense, que concorreu como candidato independente à presidência norte-americana em 1992, beneficiando-se do populismo anti-establisment político. Cf. https://en.wikipedia.org/wiki/Ross_Perot
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