Filme do Dia: As Aventuras de Stanley e Livingstone (1939), Henry King

 


As Aventuras de Stanley e Livingstone (Stanley and Livingstone, EUA, 1939). Direção Henry King. Rot. Original Philip Dunne & Julien Josephson. Fotografia George Barnes. Montagem Barbara McLean. Dir. de arte William S. Darling & George Dudley. Cenografia Thomas Little. Figurinos Royer. Com Spencer Tracy, Nancy Kelly, Richard Greene, Walter Brennan, Charles Coburn, Cedric Hardwick, Henry Hull, Henry Travers, Miles Mander, David Torrence.

Nos idos de 70 do século XIX, o ambicioso jornalista Henry M. Stanley (Tracy) recebe a proposta de seu editor, James Bennett Jr. (Hull), de viajar para a inóspita região do Oeste da África, em busca do missionário escocês, David Livingstone (Hardwick). Seu contato na África, em Zanzibar, é John Kingsley (Travers), amigo de Livingstone, cuja filha Eve (Kelly), torna-se imediatamente atraída por ele. O trajeto para chegar a Livingstone encontra vários obstáculos, entre humanos (nativos que atacam e matam alguns dos membros da expedição) e naturais, como a malária, contraída por Stanley. Ao finalmente encontrarem o missionário, Stanley descobre que ele não se encontra cativo ou perdido, mas bastante estabelecido em meio aos nativos, e fragilizado pela malária, sem a menor intenção de retornar ao Ocidente. Pede que Stanley o retrate de forma fiel. Quando esse retorna e apresenta sua conferência sobre a expedição é contradito por todos os líderes da sociedade geográfica, dentre eles o influente Lorde Tyce (Coburn), que considera a fala e os mapas trazidos por Stanley fraudulentos. Porém, uma carta do falecido Livingstone o faz reconhecer seu erro, quando Stanley ainda se encontra no prédio. Esse se despede de sua querida Eve, retornando à África como expedicionário.

Ao se assistir a primeira sequência do filme, pensa-se ter adentrado no filme errado, pois o cenário, mesmo nevado, está muito mais próximo do western, com a cavalaria e os índios, do que das savanas africanas. Ele apenas serve de pretexto para uma pátina biográfica da trajetória de nosso herói, assim como de sua integridade e bravura, demonstrando sua ética jornalística diante dos interesses militares, que ocorre ao final da mesma, quando também somos apresentados ao nosso herói. E quando confirmamos se tratar de Spencer Tracy, não há mais qualquer dúvida a pairar. Uma persona impoluta a ser herdada por Tom Hanks futuramente, o outro único ator a conquistar dois Oscars consecutivos.  Tracy protagonizou diversos perfis biográficos de homens célebres da história norte americana no período (como Com os Braços Abertos, Edison, o Mago da Luz). Com todos os clichês que eram dominantes à época, o filme consegue ir um pouco além de seus similares trazendo, por exemplo, nativos e estrangeiros falando no que seriam suas próprias línguas, e a língua árabe escrita em um cartaz, que somente após é traduzida para o inglês na própria imagem do cartaz, prática comum então. Há um primeiro plano inexplicavelmente longo de Stanley em situação de delírio por malária, que chega a soar esotérico para o perfil da época. Se há algo de positivo a ser dito deste aborrecido filme é seu investimento mais nas relações humanas e diálogos que nos efeitos e sensações da expedição. E o ápice disso é o encontro com e a própria figura de Livingstone. Aliás, o título brasileiro está longe de ser um fiel termômetro do que nos oferece a narrativa. Primeiro, sugere uma empreitada conjunta, o que de modo algum ocorre em nenhum momento. Depois, o que foi aventura para um, para o outro já é a própria rotina – seu período de aventura ficou, de forma mais intensa, no passado e não vem a ser evocado em nenhum momento por ele. E a empatia demonstrada por Livingstone em relação aos nativos, ao público de nove décadas após rescenderá apenas a paternalismo e aculturação – empreendida por um único homem, com relação a tribos inteiras vivendo em seu próprio habitat, trazendo “civilização à barbárie”. O leque de coadjuvantes é fabuloso (com destaque para Travers, Brennan e Coburn), mas sem nenhuma atuação memorável, e o único papel feminino de destaque não só demasiado convencional como antecipado já desde o primeiro momento em que os personagens contracenam. Com relação aos coadjuvantes, Brennan tenta fazer uma figura a la Sancho Pança, embora fisionomicamente o seu inverso, de um caipira faroleiro, sem o menor sucesso. Otto Brower, realizador de filmes B, dirigiu as sequencias na África buscando seguir os passos de Livingstone – há um bom trato no que parecem ser cenas que combinam as imagens captadas  na África e o elenco em um mesmo plano. Twentieth Century Fox. 101 minutos.

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