Filme do Dia: Desencanto (1945), David Lean



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Desencanto (Brief Encounter, Reino Unido, 1945). Direção: David Lean. Rot. Adaptado: Anthony Havelock-Allan, David Lean & Ronald Neame, a partir da peça Still Life, de Noël Coward. Fotografia: Robert Krasker. Montagem: Jack Harris. Dir. de arte: Lawrence P. Williams. Com: Celia Johnson, Trevor Howard, Stanley Holloway, Joyce Carey, Cyril Raymond, Everley Gregg, Marjorie Mars, Margaret Barton.
Laura Jesson (Johnson) vive uma vida aparentemente dos sonhos com o marido Fred (Raymond), mas um cisco no olho retirado por um médico, Dr. Alec Harvey (Howard), demonstra que não. Os dois passam a se encontrar todas as quintas e Alec expressará o que os dois já sabem: que se encontram apaixonados. Dividida entre a paixão e a culpa pela traição ao marido, Laura chega a se encontrar furtivamente com Alec em um apartamento, mas tem que sair pela porta dos fundos à chegada inesperada de um amigo desse. Sentindo-se ultrajada, em meio à chuva, promete a si mesmo e ao próprio Alec não mais se encontrarem. Porém, mesmo rapidamente cedendo a uma posição contrária dele, deve encarar uma ruptura maior que ocorrerá em duas semanas, a partida dele para a África do Sul.
Lean, distante ainda do universo de seus épicos mais célebres, apresenta com patente sofisticação para a época, a imersão na subjetividade de uma personagem – a voz over é um instrumento fundamental da narrativa – não para os habituais efeitos de suspense como quase sempre apresentados em um gênero contemporâneo como o noir, mas antes como marcação de raízes intensamente bovarianas entre o mundo elaborado pelas convenções/construções sociais e o desejo, assim como flertes com a comicidade que sobram dos momentos em que escutamos o pensamento de Laura em completa oposição ao que fala ou parece expressar ao conversar com outras pessoas, muitas vezes as detratando intensamente. Como contraponto ao drama central, acentuado sobretudo em seu final pela separação permanente iminente, ressaltado pela utilização mais intensa de trechos do concerto para piano de Rachmaninoff existe a tradicional comicidade com que é encarado o flerte entre o guarda ferroviário (vivido por Holloway, figura recorrentes nas comédias da Ealing contemporâneas) e a senhora que atende no café, que não apenas apresentam um pouco mais de idade que o par central como evidentemente pertencem a uma classe economicamente inferior. O uso do flashback, outro recurso compartilhado com o noir, também trai aqui interesses bastante diversos, servindo, sobretudo, como redimensionamento da cena inicial posta, que ao ser novamente observada ao final, ganha uma dimensão que consegue explicitar plenamente o que apenas fica sugerido pela situação – a despedida do casal ocorre numa situação adversa, em que uma conhecida de Laura, falante compulsiva, mete-se entre o casal. São situações como essa ou o que é plenamente elidido da sua vida doméstica, apenas observada de forma algo sorrateira que demonstram o abismo entre a intensidade do sentimento gestado na aproximação que se deu com o “breve encontro” que faz referência o título original e a continuidade da vida algo asséptica com o bom e compreensivo marido, cuja fala final parece entrever até alguma noção de que ela tenha vivido algo como uma paixão extraconjugal e que se encontra feliz por seu “retorno” a ele. Ao contrário de suas produções crescentemente espetaculizadas, investe-se aqui mais no interesse pelos personagens que propriamente por tramas demasiado aventurescas. Filme que lançaria luzes ao par central, sobretudo Howard, ainda em início de carreira. Dentre algumas pérolas, provavelmente provenientes do texto de Coward, a de que é fácil mentir para alguém que possui absoluta confiança em você, dita por Laura a respeito de seu marido. Destaque para o fato que o trio principal, assim como o “casal” coadjuvante se encontra longe das convenções típicas de beleza e idade associadas aos filmes românticos. Cineguild para Eagle-Lion Distributors Lmtd. 86 minutos.


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