The Film Handbook#132: Jean Vigo

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Jean Vigo
Nascimento: 26/04/1905, Paris, França
Morte: 05/10/1934, Paris, França
Carreira (como realizador): 1929-1934

Ainda que tenha morrido com a idade de 29 anos, deixando somente aproximadamente 3 horas de filme atrás de si, Jean Vigo permanece como um dos realizadores mais notáveis que já existiu. Nenhum de seus filmes foram financeiramente bem sucedidos nem, à época de seus lançamentos, receberam a atenção crítica que mereciam, mas ele tem sido fonte de inspiração para inúmeros diretores posteriores, assim como um exemplo soberbo da habilidade de um realizador em transformar a realidade mundana em pura poesia.

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Dita Parlo e Jean Dasté, profundamente apaixonados mas enredados nas demandas de um casamento, no terno e magistral L'Atalante


Filho de um anarco-socialista que ficou conhecido como Miguel Almeyreda, Vigo passou a maior parte dos anos iniciais da sua vida em internatos; quando seu pai, acusado de traição, morreu na prisão por circunstâncias misteriosas e sinistras, o adolescente Jean começou a limpar o seu nome. Aos vinte e poucos anos,  já afligido por uma saúde precária, havia sido assistente de câmera e encorajado por Claude Autant-Lara e Germaine Dulac a seguir com suas ambições cinematográficas, tornando-se finalmente hábil de com uma câmera e dinheiro emprestados por seu sogro, realizar A Propósito de Nice/A Propos de Nice>1. Filmado pelo irmão do realizador Dziga Vertov, Boris Kaufman, o filme é uma estreia surpreendentemente original e segura; aparentemente um documentário silencioso de 40 minutos ele é, na verdade, uma sátira engenhosamente selvagem de uma burguesia turística, cuja ociosa e fútil permanência nos cassinos à beira-mar é sutilmente justaposta com o espírito comunista da pobre classe trabalhadora nos becos dos bairros miseráveis. O método de Vigo é, ao mesmo tempo, lúcido e surreal, sua câmera zombando dos maníacos adoradores do sol, militares caducos e pratos da moda entre noivos.

Apesar de Taris, uma celebração de um campeão de natação francês ter somente 11 minutos de duração,  revela não somente o amor puro de Vigo pelo cinema - com planos de reversão de imagem, câmera lenta e imagens submarinas - propiciando a ele o motivo simbólico maior para sua posterior estreia no longa-metragem Zéro em Conduta/Zéro de Conduite>2, fábula poética e caracteristicamente surreal e anti-burguesa (baseada parcialmente em suas próprias experiências no internato) sobre pupilos que se rebelam contra seus mesquinhos, hipócritas e absurdamente disciplinadores professores. Uma caricatura grotesca  - o diretor é um anão, os mestres literalmente duendes - ridiculariza as hierarquias adultas (que nunca são, no entanto, apresentadas como deliberadamente cruéis) enquanto a espontaneidade dos rapazes, potencial imaginativo e companheirismo fácil são expressos em cenas de intenso lirismo, lirismo esse nunca sentimental, talvez mais notável  em uma cena de guerra de travesseiros em que a música é invertida e imagens em câmera lenta, em um processo ritual que empresta magia as plumas de travesseiros como flocos de neve. Apesar disso, e de toda a sua beleza, o filme de Vigo foi banido, tão vivamente sua sátira em ritmo de  fantasia onírica evocava uma situação reconhecível e lamentável.

Tendo realizado somente um longa, o diretor - agora seriamente enfermo  - criou uma das maiores obras-primas de todo o cinema. Sobre os primeiros meses problemáticos de um casamento de um capitão de barcaça do Sena com uma garota que ele encontra em uma vila ribeirinha, L'Atalante>3, é não somente uma história surpreendentemente honesta da necessidade de se realizar compromissos nos negócios do coração (o homem, ciumento e complacente, é avesso a satisfazer o desejo compreensível de sua esposa de conhecer Paris, enquanto ela talvez subestime o rigor da jornada de trabalho dele) quanto uma rapsódia verdadeiramente erótica de imagens cuja base na realidade cotidiana dá origem a um sensual surrealismo, o tom desse sendo notavelmente terno. Quando a esposa eventualmente visita Paris, seu marido, acreditando que ela o está abandonando, procura por sua imagem embaixo d'água, no rio - ele próprio um símbolo de vida, paixão e da busca contínua por mudança; e, à noite, Vigo une o casal, ela em um hotel, ele no barco, através de seus sonhos, alternando e, por fim, sobrepondo planos do homem e da mulher para criar uma cena que, talvez, mais astuciosamente que qualquer outra na história do cinema, revela a busca sexual enquanto tanto emocional, quanto mental e física. O efeito é eletrizante, sendo o filme inteiro uma afirmação íntima, engenhosa, perspicaz e profundamente comovente do amor humano.

Infelizmente a produtora Gaumont interferiu no filme, argumentando que era necessário "torna-lo popular" e reintulando-o; tragicamente, Vigo morreu de tuberculose três semanas após o seu lançamento, e anos antes que ele fosse restaurado a sua forma original. Um mártir de sua arte, sua grandeza deriva, em parte, de sua disposição e habilidade de investir tanto de si em seus filmes. Porém ele foi também um dos talentos mais inventivos, originais e profundamente humanos que jamais agraciaram o meio cinematográfico com sua visão inspirada e pessoal.

Cronologia
Enquanto A Propósito de Nice e a presença de Kaufman em todos os filmes de Vigo sugerem uma influência de Dziga Vertov, e Táris e Zéro em Conduta seu débito com Georges Méliès, é mais útil compará-lo a Renoir e Buñuel. Sua própria influência no cinema francês tem sido enorme (notavelmente em Clair, Cocteau, Carné, Franju, Truffaut, Godard, Rohmer, Malle e, posteriormente, Léos Carax), sendo visível também em figuras tais como Bertolucci (que prestou seu tributo em O Último Tango em Paris) e Anderson (que refez Zero em Conduta, ancestral de inúmeros filmes sobre internatos, como Se...).

Leituras Futuras
Jean Vigo (Londres, 1972), de Paulo Emílio Salles Gomes e Jean Vigo  (Londres, 1972), de John M. Smith

Destaques
1. A Propósito de Nice, França, 1929

2. Zéro em Conduta, França, 1931 c/Louis Lefevbre, Gilbert Pruchon, Jean Dasté

3. L'Atalante, França, 1934 c/Dita Parlo, Jean Dasté, Michel Simon

Texto: Andrew, Geoff. The Film Handbook. Londres: Longman, 1989, pp. 294-6.


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