Filme do Dia: A Besta Humana (1938), Jean Renoir
A Besta Humana
(La Bête humaine, França, 1938)
Direção: Jean Renoir. Rot. Adaptado: Jean Renoir, baseado no romance de Émile
Zola. Fotografia: Curt Courant. Música: Joseph Kosma. Montagem: Marguerite
Renoir & Suzanne de Troeye. Dir. de arte: Eugène Lourié. Com: Jean Gabin,
Simone Simon, Fernand Ledoux, Blanchette Brunoy, Gérard Landry, Jenny Hélia,
Colette Régis, Germaine Clasis, Jacques Berlioz, Jean Renoir.
Jacques Lantier (Gabin) é maquinista e trabalha com
o amigo Pecqueux (Carette). Como o motor de sua querida locomotiva pifou, ele
aproveita a ocasião para visitar sua madrinha (Clasis), que mora à margem da
estação. Essa lhe pergunta sobre as crises repentinas que sempre costumara ter
na infância e Lantier se diz curado. Logo, no entanto, encontra a filha de sua
madrinha, Flore (Brunoy), que conhecera criança, e dominando-a, tenta
estrangulá-la, sua atenção se desviando com a passagem do trem. Envergonhado,
afirma para Flore que tudo seu comportamento bestial se deve as gerações de
alcóolatras em sua família. Flore, não se importando com o fato, afirma que o
quer como marido. Séverine (Simon), arranja com o padrinho, o rico e influente
Grandmorin (Berlioz), que seu marido Roubaud (Ledoux), não seja despedido, já
que esse informara a um passageiro importante, que a lei que não permitia a
viagem com animais valia para todos. Desconfiado com as segundas intenções de
Grandmorin para com a esposa, obtém dessa a confissão de que o traíra com o
padrinho. Transtornado, faz com que a esposa escreva um bilhete marcando
encontro no trem que parte no início da noite.
Jacques, cuja locomotiva ainda não se encontra perfeita, tem que
retornar como passageiro no mesmo trem. Logo após o desembarque Roubaud arrasta
Séverine até o compartimento de Grandmorin e o assassina. Retornam a sua
cabine, sendo observados por Jacques. Na prestação de depoimentos,
impressionado com o olhar suplicante de Séverine, Jacques afirma que nada vira.
Cabuche (Renoir), suspeito de ter tido um relacionamento com uma arrumadeira
que trabalhara para Grandmorin, é preso como assassino. Passando a viver um
inferno conjugal com Séverine, Roubaud não se importa em perceber que ela o
trai com Jacques, já que por bem ou por mal sente-se unido a ela pelo crime que
cometeram. Séverine incentiva Jacques a matar o marido, para que possa se
livrar do peso da co-autoria do crime. No último momento, no entanto, Jacques
não consegue e passa a ser ignorado por Séverine. Logo, no entanto, Séverine
volta a se encontrar com Jacques e, no apartamento de Roubaud, planejam sua
morte. Porém quando Roubaud se prepara para entrar, Jacques finda por matar
Séverine em um de seus impulsos. Derrotado na luta contra seus instintos
bestiais, joga-se da locomotiva em movimento, provocando pesar no amigo
Pecqueux, que afirma que há tempos não o vira com o olhar tão sereno como
agora.
Com um prólogo de cinco minutos
em que inúmeros e belos travellings registram a chegada do trem a
estação St. Lazare, que voltam a se repetir próximo do final, o filme é marcado
tanto pelo destaque que é dado a figura do trem como por seu naturalismo
trágico. No que diz respeito ao trem, quase todas as ações mais importantes tem
ele como referência, seja ao salvar Flore do assassinato, desviando a atenção
do obsessivo Jacques, ser palco para a morte de Grandmorin, os primeiros
encontros entre Jacques e Séverine e o suicídio do primeiro. Com relação ao
forte senso de irreversibilidade de um destino trágico e o amour fou do casal principal (que compartilha com o realismo
poético contemporâneo de Duvivier e Carné), aquele já se faz presente no
prólogo, extraído de um trecho da obra de Zola. Da mesma forma se faz presente
na autoconsciência de Jacques de herdeiro de sua bestialidade e na constatação
de Séverine de que não pode amar, depois de ter vivenciado todas as
brutalidades de que foi vítima na infância. Renoir (que faz uma ponta como
Cabuche, bode expiatório do crime de Grandmorin ) elegantemente utliza-se de
elipses narrativas quando aborda dois temas tabus, o assassinato (tanto no
crime de Grandmorin como na morte de Séverine a câmera recua e se detém sobre a
porta) e o sexo (no momento em que Séverine se entrega pela primeira vez a
Jacques, a câmera se fixa insistentemente na calha até o dia amanhecer ou
quando ela tem o encontro com Grandmorin, um empregado desse rapidamente fecha
a porta). Com a elegância de seu movimento de câmera, Renoir já se aproxima do
estilo que marcará a fluidez do cinema clássico da década seguinte. Séverine
consegue unir as duas imagem cristãs por
excelência,da santa e da prostituta, em um único personagem, que longe de se
aproximar da femme fatale do cinema noir, consegue ser tão ou
mais diabólica, levando a perdição quatro homens: Jacques, Roubaud, Grandmorin
e Cabuche. Produzido pelos irmãos Hakim, responsáveis pela produção de boa
parte do cinema autoral da década de 60, como
filmes de Joseph Losey, Godard e outros.
MM. Hakim/Paris Film. 99 minutos.
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