Filme do Dia: Bexiga, Ano Zero (1971), Regina Jehá





Dentro dessa intensidade com que o curta documental descobriu a cidade de São Paulo nos anos 1970, nunca dantes observada e provavelmente tampouco depois, o curta de Jehá é mais um a ressaltar o ocaso e decadência de um perfil de bairro que já não mais existe. Tal como carpideiras da modernidade e da tradição reduzida a ruínas e – como acentua a voz over sobre uma fotografia excepcionalmente em p&b, aos marginais que ocupam as mesmas, antes de serem definitivamente deitadas abaixo – a última imagem desse curta é de um grupo de senhoras italianas, vestidas de preto a andarem por uma paisagem completamente rodeada de concreto bruto, em contraste com os arremedos de recantos italianos que transformaram o bairro tradicional em algo até então quase inexpugnável para o automóvel. E ao som de acordes de uma tarantella.  Da locução pouco antes se escutara o vaticínio: “O Bexiga não se transformou, simplesmente desapareceu.” Essa tônica funesta também se encontra presente em outros curtas, como Campos Eliseos que, como esse, termina sua locução com um atestado de óbito da Boca do Lixo, que já seria a segunda morte da região a qual o filme foca.   Das senhoras italianas não se escuta qualquer comentário – o curta é exclusivamente direcionado pela voz over, mesmo que essa se veja multifacetada, a depender do discurso, transformando-se em feminina, mudando de flexão quando passa a incorporar textos literários (como os de Drummond e Manuel Bandeira lidos), mas em seu padrão masculino grave e assertivo quando se trata justamente dos momentos de maior “objetividade”; aliás a disposição dessa coralidade de vozes já renderia bons fundamentos para se traçar os poderes simbólicos aos quais cada um cabe nessa trama. Se das mammas nada se ouve o que se dirá então dos marginais aos quais o narrador se refere, adentrando seus espaços de intimidade sem o menor pudor, deixando-os na maior parte das vezes em estado de certa rigidez por conta desse olhar, característica também presente em várias dessas produções – até mesmo as que possuem uma perspectiva distinta, como é o caso de Fim de Semana (1976), de Renato Tapajós, que lida com bairros periféricos bastante distantes do miolo da cidade e uma visão eminentemente simpática de seus retratados. Fotos fixas apresentam o momento em que os italianos chegaram ao bairro.  Alguns nomes que se destacariam no cinema brasileiro como Bodanzky e Sérgio Bianchi fazem parte da equipe técnica. O título e as ruínas observadas em grande detalhe – como em outros documentários do gênero, tais como Rua São Bento, 405, os vasos sanitários ganhando certa proeminência em meio a essas – certamente são uma referência ao Alemanha, Ano Zero (1947), de Rossellini. Suas cores hoje embotadas se devem por ter sido fotrografado em Eastmancolor.  Lauper Filmes. 10 minutos e 35 segundos.

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