Filme do Dia: Claro (1975), Gláuber Rocha



Claro (Claro, Itália/Brasil, 1975). Direção: Gláuber Rocha. Rot. Original: Gláuber Rocha. Fotografia: Mario Gianni. Montagem: Cristina Altan. Com: Juliet Berto, Mackay, Luís Maria Olmedo, Tony Scott, Gláuber Rocha.
Nesse filme, que exala sinceridade, poesia e reflexão por todos os poros, Rocha remete à decadência da cultura européia - assim como faz breves parágrafos para comentar a impotência americana diante do fracasso que representou a derrota no Vietnã - e, contrapõe, ainda que timidamente, a essa realidade, a utopia nas ruas, sob a forma de uma passeata comunista em Roma, com os manifestantes cantando a Internacional. Também se aproxima de uma família em que dois irmãos planejam o parricídio, ao mesmo tempo que se banqueteiam com a própria mãe, metaforizando a decadência européia já anteriormente discursada por Berto frente aos monumentos romanos. Desde a primeira seqüência, em que Berto, que representa uma espécie de consciência crítica dessa mal-estar do mundo antigo, delira nas ruínas do coliseu romano, diante de Gláuber, numa imagem que se choca com a pasmaceira dos turistas que visitam o monumento até os momentos finais, em que novamente juntos, se unem a uma pequena multidão - numa das mais belas sequências do filme, composta por uma série de sobreposições utilizadas com uma originalidade rara no cinema - o filme possui uma espécie de estética polimorfa perversa, que faz com que a força criativa e extremamente pessoal de seu autor se insira na míriade fragmentária e multifacetada de sua narrativa. Por outro lado, também não deixa de lado o discurso político, mesmo que de forma menos esquemática que em O Leão de 7 Cabeças (1969). Uma certa ironia parece perpassar sua aproximação com algumas limitações do ideal guerrilheiro-esquerdista, quando Berto, por exemplo, se aproxima de um projecionista militante e pergunta sobre Godard, Eisenstein, Straub, Visconti e Rossellini, sugestões bem vindas, ao contrário do direitista Andy Warhol. O filme é uma espécie de docu-drama sobre as inquietações que o cineasta vivia à época. Nesse sentido é uma colagem que abarca tanto cenas de delírio da família européia decadente em uma praia - em outra seqüência de grande impacto - quanto imagens da intimidade de Rocha fumando maconha ou homenageando sua musa Berto, ao som de Índia, na voz de Gal Costa, quando a câmera passeia do rosto de um a outro, semi-encobertos por sombras, numa cena poética que apresenta um raro momento de desprendimento pessoal do cineasta. Outro desses momentos pode ser presenciado logo no início, quando Rocha tem seu discurso-libelo anti-imperialista seriamente comprometido pelas interrupções de Berto, que implora por um quarto. O filme possui um forte parentesco, com Câncer (1972), partidário de uma estética semelhantemente underground. DPT/SPA. 110 minutos.

Comentários

  1. Muito obrigada por essa descrição e análise. Qual o papel de Carmelo Bene no filme? Você tem alguma informação sobre como e qdo se deu o encontro entre ele e Glauber?

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  2. Obrigado. Vi esse filme e o resenhei faz muito tempo. Bene faz uma pequena ponta no filme. Recentemente foi lançado um doc sobre esse filme na Mostra de São Paulo, e surge a cena de Bene no filme. Rocha transitou por boa parte do meio artístico e intelectual de Roma da época. Muitos deles prestam depoimento para esse doc

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