The Film Handbook#61: Jean-Luc Godard

Jean-Luc Godard
Nascimento: 03/12/1930, Paris, França
Carreira (como realizador): 1954-

Menos sobre a vida em si própria do que sobre como ela é representada pelo cinema, a obra de Jean-Luc Godard é genuinamente modernista. Repleto de alusões, citações e digressões, sua mescla de ficção e documentário é o equivalente do ensaio crítico mais que do romance; porém, enquanto repetidamente questiona a tradicional forma fílmica e sua relação com a política, Godard frequentemente desliza para uma premeditada obscuridade e pretensões imaturas. Ainda assim, sua mescla de pessoal e político, e sua busca por novos sentidos através de novas e complexas contraposições de som e imagem lhe asseguraram que sua produção variada e prolífica tenha influenciado profundamente o cinema pós-anos 50.

Como cinéfilo obsessivo, o jovem Godard escreveu críticas para o Cahiers du Cinéma ao lado de Truffaut, Rohmer et al. Enquanto trabalhava como montador, publicitário e jornalista realizou cinco curtas - leves, engenhosos, vagamente experimentais - antes de dirigir seu primeiro longa, Acossado/A Bout de Souffle>1. A história, escrita por Truffaut, é reminiscente de um filme de ação B hollywoodiano, com um atrevido parisiense se encontrando com uma garota americana que por fim o delata para a polícia. O que o tornou um filme-chave da Nouvelle Vague foi menos o enredo que seu estilo: reconhecendo a si próprio como filme do início ao final, o filme inclui monólogos diretamente para a câmera, uma entrevista com Melville e um herói que se espelha em Bogart. Mesmo empregando vários métodos realistas, Godard nunca pretende ser realista; as cenas são dissociadas pelos cortes abruptos e a morte do assassino é escandalosamente exagerada.

Ao longo dos idos dos anos 60 sitiou vários gêneros, rompendo suas formas tradicionais, confrontando o processo de narração fílmica e criando um novo estilo híbrido de cinema enquanto se voltava repetidamente para  os proscritos da sociedade e para os problemas da comunicação humana. O retrato de um assassino anti-terrorista em O Pequeno Soldado/Le Peti Soldat ao mesmo tempo reflete a Guerra da Argélia e vagueia pelo rosto da esposa de Godard, Anna Karina. O triângulo romântico de  Uma Mulher é uma Mulher/Une Femme est Une Femme é emoldurado por um crescentemente tolo tibuto aos musicais americanos. Viver à Vida consiste de doze tableaux sobre uma garota que ingressou na prostituição. Tempo de Guerra/Les Carabiniers>2 ridiculariza o heroísmo dos filme de guerra com dois rufiões imbecis  despojos de batalha consistem de uma enorme coleção de postais de lugares que conheceram: a carnificina é evidenciada pelas imagens de arquivo, mas o principal propósito de Godard é ainda  o próprio cinema, parodiando os filmes dos Irmãos Lumière, numa cena na qual um de seus soldados, estupefato pela imagem cinematográfica, tenta escalar a tela de cinema para inspecionar  mais de perto uma mulher no banho.

Talvez o melhor filme de Godard, O Desprezo/Le Mépris>3, observa um escritor, sua mulher, um diretor (interpretado por Lang) e um produtor inculto brigando durante a produção de A Odisséia: sombrio, belo, traçando paralelos entre a humilhação artística do escritor com a sedução de sua esposa pelo produtor, enquanto acentua a ausência de contato entre os seres humanos através de uma equipe internacional que frequentemente se comunica através de um intérprete. De fato, após Bande à Part (em grande parte repleto de irrelevâncias como de se bater um recorde de uma corrida pelo Louvre), Godard se tornou mais e mais pessimista em suas preocupações sobre exploração, isolamento e prostituição. Uma Mulher Casada descreve um dia na vida de uma esposa adúltera. Alphaville>4 baseia-se na mitologia, no cinema noir e na ficção-científica barata para acompanhar um detetive em guerra contra a lógica desumana de uma cidade computadorizada onde as mulheres são sedutoras pagas e as emoções banidas. Em O Demônio das Onze Horas/Pierrot le Fou>5 sobre um casal condenado que foge de um assassinato cometido em um cidade para um breve romance ídilico numa ilha deserta, o amor intelectual de um escritor por uma mulher intuitiva finda com o suicídio do homem. De forma típica, Godard observa  seu caprichoso filme, filmado em extravagantes cores primárias, como dizendo respeito ao espaço entre as coisas; ele refere-se infinitamente a escritores e artistas, notadamente Velásquez.

Com o fim de seu casamento com Anna Karina, cuja presença havia inspirado o engenhoso romantismo de seus filmes, a obra de Godard se torna mais explicitamente política: Masculino-Feminino/Masculin-Feminin oferece "15 fatos precisos" sobre os filhos de Marx e da Coca-Cola para transmitir a confusão da juventude contemporânea; Made in Usa é um impenetrável thriller alegórico (com personagens de nomes Siegel, Aldrich e Mizoguchi) sobre a semelhança da Esquerda com à Direita; Duas ou Três Coisas Que Eu Sei Dela>6 é uma fragmentária narrativa da prostituição cotidiana tanto de uma dona de casa burguesa (a atriz Marina Vlady falando tanto como personagem como ela própria) quanto da própria Paris, onde anúncios, consumismo e industrialização são excessivos. Foi entrentanto A Chinesa/La Chinoise que previu de modo minucioso a agitação estudantil de Maio de 68, descrevendo em forma escassamente narrativa as discussões intermináveis de cinco jovens revolucionários que planejam um assassinato político. Ainda que profético, o filme permanece lamentavelmente verborrágico e seus slogans maoistas simplistas e enfadonhos. Bem mais envolvente foi o anarquicamente satírico Week-End à Francesa/Weekend>7. Aqui, um casal burguês viaja através de uma carnificina sangrenta de um congestionamento para assassinar a mãe da mulher e ficar com seu dinheiro antes de encontrar um grupo de hippies canibais que primeiro devoram uma turista inglesa e depois seu marido - para a total indiferença da esposa. Depois disso, Godard abandonou por anos o cinema narrativo para focar em análises engajadas da política e da significação semiológica das palavras e imagens. Em A Gaia Ciência/Le Gai Savoir, dois militantes discutem a (desconstrução) do sentido fílmico em um sombrio estúdio de cinema; One Plus One (Sympathy for the Devil) alterna planos dos Rolling Stones ensaiando com entrevistas lacônicas com "Eva Democracia"e cenas de um grupo Black Power; Sons Britânicos/British Sounds leva apoio aos operários em uma fábrica da Ford; Vento do Leste/Vent d'Est deforma a imagem do Ocidente para pintar o retrato marxista de uma greve; Pravda diz respeito a Tchecoslováquia; Vladimir et Rosa ao julgamento dos Oito de Chicago. Se a rejeição da forma cinematográfica padrão por Godard foi revolucionária, sua política não o foi, e seu pessimismo o levou a atacar a sociedade existente sem propor uma alternativa; sua densa dialética visual e verbal são acessíveis somente a uma elite intelectual convertida, tornando seu status como comprometido artista socialista (ele abandonou as noções burguesas de autoria para trabalhar com Jean-Pierre Gorin sob o nome de grupo Dziga Vertov) profundamente problemático.

Tudo Vai Bem/Tout Va Bien>8  foi uma tentativa de voltar o contato com um público mais amplo, com Jane Fonda e Yves Montand como, respectivamente, uma jornalista de tv americana e um diretor de cinema, refletindo sobre seu envolvimento em uma greve operária; ficção, documentário e mesmo humor são combinados como em seus primeiros filmes, mas aqui os atores servem tanto para atrair um público menos específico como a acrescentar seus próprios comprometimentos políticos reais à complexidade do filme. Então, um rompimento com Gorin fez com que Godard se movesse para a televisão e o vídeo; somente com Numéro Déux, uma análise da exploração das mulheres (presumidamente uma resposta às muitas acusações de misoginia feitas contra a obra anterior de Godard) ele realizaria outro longa-metragem. A influência da telinha é evidente do início ao final, ainda que a tela frequentemente dividida em imagens de videos separadas mais obscureça que esclareça a tese do filme.

Em 1980 Godard retornou ao cinema como uma vingança, fazendo uso de atores estabelecidos, trabalho de câmera lírico e ocasionais vestígios de um enredo para criar uma síntese de suas primeiras e mais engenhosas obras de gêneros com sua obra posterior, mais iconoclasta. Salve-se Quem Puder/Sauve Qui Peut...La Vie) e Paixão/Passion foram extravagantes mas confusos, suas descrições das relações sexuais/de trabalho e os problemas da realização cinematográfica sendo demasiado fragmentados para acrescentar algo mais que rabiscos anti-realistas; porém Carmen de Godard/Prénom Carmen>9 foi um divertida, criativa e vibrante atualização do célebre romance, com Bizet sendo substituído por Beethoven, sua heroína cigana por uma pouco competente terrorista e a Espanha por um hotel barato. Semelhantemente sincero foi Je Vous Salue, Marie>10, uma história de natividade profana, com José com profundas suspeitas sobre a fidelidade de Maria e Gabriel realizando a Anunciação em um posto de gasolina. Detetive/Détective foi uma elegante, mas irregular, paródia do filme B de ação, mas Rei Lear/King Lear foi um confusa, indulgente e opaca interpretação de Shakespeare e, uma vez mais, sobre os problemas da realização cinematográfica.

Embora não tenha como se negar tanto a importância de Godard como sua influência nos outros ou sua penetrante inteligência, seus filmes frequentemente sofrem da frieza emocional e uma aparente determinação de preservar sua imagem de enfant terrible do cinema. Uma extensão de sua crítica, já conhecida por seu desprezo pelo "cinéma du papa" sua obra inovadora é frequentemente concebida sob o formato de diários ou work in progress: portanto pode ser caótica, obsessivamente particular ou irritantemente pretensiosa. No seu melhor espírito, ele é genuinamente engenhoso e oferece surpreendentes modos inovadores de perceber o mundo. Sua visão, entretanto, é colorida por sua relação de amor-ódio ao cinema; ao transformar  essa paixão permanente em uma moldura para hipóteses políticas ele frequentemente parece não atingir a profundidade desejada. De forma fatal para um auto-confesso intelectual, seu estilo descuidado tende a militar contra o argumento minuciosamente lúcido e racional.

Cronologia
A mente tagarela de Godard tende a tornar todos em figuras cuja influência é para ser aceita ou rejeitada. Ainda que admirador de Nicholas Ray, Sirk, Fuller, Lang, Minnelli e muitos outros, suas homenagens ao cinema americano foram europeias no espírito, relacionando-o mais proximamente com um especialista de gêneros franceses como Melville;  Rossellini, Vigo,  Renoir, Bresson e os documentaristas Chris Marker e Jean Rouch foram também influências. Suas próprias contribuições ao cinema moderno afetaram figuras tão diversas quanto Makavejev, Fassbinder, Cronenberg, Oshima, Jean-Marie Straub e inúmeros outros; da última onda de diretores franceses, Léos Carax (que aparece em Rei Lear) parece mais próximo de Godard que Jean-Jacques Beiniex ou Luc Besson.

Leituras Futuras
Godard, de Richard Roud (Londres, 1970), The New Wave, de James Monaco (Nova York, 1977). Os próprios escritos de Godard se encontram disponíveis em Godard on Godard, org. por Tom Milne (Londres, 1972).

Destaques
1. Acossado, França, 1959, c/Jean-Paul Belmondo, Jean Seberg, Daniel Boulanger

2. Tempo de Guerra, França, 1963 c/Marino Masé, Albert Juross, Geneviève Galéa

3. O Desprezo, França, 1963 c/Brigitte Bardot, Michel Piccoli, Jack Palance

4. Alphaville, França, 1965 c/Eddie Constantine, Anna Karina, Howard Vernon

5. O Demônio das Onze Horas, França, 1965, Jean-Paul Belmondo, Anna Karina, Dirk Sanders

6. Duas ou Três Coisas Que Eu Sei Dela, França, 1966, c/Marina Vlady, Anne Duperey, Roger Monsoret

7. Week-end à Francesa, França, 1967, c/Mireille Darc, Jean Yanne, Jean-Pierre Kalfon

8. Tudo Vai Bem, França, 1972 c/Jane Gonda, Yves Montand, Vittorio Caprioli

9. Carmen de Godard, França, 1983 c/Marushka Detmers, Jacques Bonnaff, Godard

10. Je Vous Salue, Marie, França, 1984 c/Myriem Roussel, Thierry Rode, Philippe Lacoste

Texto: Andrew, Geoff. The Film Handbook. Londres: Longman, 1989, pp. 117-9.

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