The Film Handbook#119: Sam Fuller

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Samuel Füller
Nascimento: 12/08/1911/Worcester, Massachussets, EUA
Morte: 30/10/1997, Hollywood, Los Angeles, Califórnia
Carreira (como diretor): 1949-2005

Frequentemente acusado de crueza e sensacionalismo, os filmes de Samuel Michael Füller são, na verdade, análise complexas e poderosamente dramáticas da vida americana. Independentemente de ter chegado a elas conscientemente ou não, as muitas ironias e contradições que informam sua visão de tabloide sensacionalista sobre a violência e insanidade, que são o custo inevitável para a liberdade pessoal, marcam-no como um artista maior.

Após um longo aprendizado como repórter criminal e romancista de ficções baratas, Füller entrou no mundo do cinema como roteirista, sendo seu melhor roteiro para Apaixonados/Schockproof, descrevendo o amor condenado de um ex-presidiário e sua agente de condicional. Após uma destacada participação no exército na Segunda Guerra Mundial, ele se encaminharia para a direção  com Eu Matei Jesse James/I Shot Jesse James e O Barão Aventureiro/The Baron of Arizona, criativos westerns-B, notáveis pelo seu uso de severos primeiros planos e montagem rápida. Dois filmes de guerra, Baionetas Caladas/Fixed Bayonets e Capacete de Aço/Steel Helmet confirmaram Fuller como um patriota duro e não sentimental, seu aparente anticomunismo mascarando observações cruas sobre a problemática diversidade da América e numa trajetória onde a coragem é menos uma questão de heroísmo que do desejo de sobreviver. De forma semelhante, A Dama de Preto/Park Row>1 sobre uma guerra de jornais na Nova York de 1880, é tanto um tributo pessoal ao espírito pioneiro do jornalismo como um irônico retrato das decepções e obstinação buscada para assegurar a liberdade de imprensa: um travelling longo e virtuoso, movendo-se de um saloon para a rua, adentrando um escritório e saindo novamente, vindo a repousar sobre uma estátua de Benjamin Franklin, exibe vigorosamente a obsessiva mentalidade aguerrida que constitui a base de uma gloriosa tradição.

Embora a Guerra Fria tenha sido um pano de fundo para muitos dos filmes de Füller, poucos foram simplisticamente anti-Vermelhos: Anjo do Mal/Pickup on South Street sobre um criminoso mesquinho de interesses egoístas, dissuadido de vender um microfilme ao inimigo por conta da morte de um amigo é menos propaganda anticomunista que uma habitualmente dura crítica ao conceito de honra entre ladrões; a descoberta das investigações de um agente em Casa de Bambu/House of Bamboo revela estratégias militares americanas vendidas por veteranos arruinados para o crime organizado do pós-guerra. Solidão, traição e violência são os ingredientes da busca americana por identidade:  Renegando o Meu Sangue/Run of the Arrow>2 observa a recusa de um sulista em aceitar a derrota confederada, unindo-se a tribo de índios Sioux; somente voltando-se contra os seus próprios pode ele chegar a termos com a diversidade e o conflito de extermínio mútuo que define sua nacionalidade. a América é ameaçada tanto de dentro quanto de fora, sendo que os tormentos individuais espelham os da sociedade. Com diálogos obscuros e armas desenhadas, o filme - para citar Füller em O Demônio das Onze Horas/Pierrot Le Fou, de Godard - torna-se "um campo de batalha: amor, ódio, ação, violência, morte, numa palavra: emoção!"

A insistência do diretor-roteirista em fortes, e mesmo primitivas, emoções se refletiu na objetividade de seu estilo visual: a paixão sexual freudiana entre uma baronesa do gado e um marechal em Dragões da Violência/Forty Guns é transmitida por um empolgante trabalho de câmera e uma sequencia de redemoinho; em Proibido!/Verboten! a realidade resoluta do ódio racial que marca uma ameaça neonazista para uma reconstrução do pós-guerra na Alemanha é evocada com imagens documentais de campos de concentração, enquanto em O Quimono Escarlate/The Crimson Kimono>3, uma exibição de  kendo* ritualizado torna-se violentamente fora do controle dando expressão física a inveja sexual de  um tira nipo-americano e aos medos paranoicos de preconceito racial.

Enquanto a carreira de Füller progredia, seus filmes se tornavam mais sombrios: em A Lei dos Marginais/Underworld>4, para destruir um império criminal operando sobre a fachada de um conglomerado empresarial de negócios, o FBI conscientemente emprega os serviços de um implacável ex-condenado obcecado pela busca de vingar o assassinato de seu pai. Em Paixões Que Alucinam/Shock Corridor>5, o desejo de um jornalista por reconhecimento leva-no a fingir loucura para que ele possa investigar a corrupção e crueldade em um asilo, um microcosmo da angústia americana; sua experiência inevitavelmente torna-o insano. O Beijo Amargo/The Naked Kiss observa os planos de uma prostituta de iniciar uma nova vida cuidando de crianças aleijadas se deparar com a oposição dos puritanos cidadãos de sua pequena cidade; efetivamente, torna-se conhecido que seu noivo - um rico, cultuado e respeitado filantropo - é um molestador de crianças.

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Richard Widmark apresenta suas próprias ideias de soco cinemático em Anjo do Mal de Fuller


Infelizmente, o estilo tabloide de Füller expondo o submundo do crime acompanhado do individualismo competitivo da América provaram cada vez ser menos bem sucedidos e ele encontrou crescentes dificuldades para financiar seus filmes. Dead Pidgeon on Beethoven Street, um filme de ação complexo e intencionalmente absurdo a respeito de chantagem política, prostituição e assassinato, foi realizado para a televisão alemã; somente em 1980, quando ganhou algo como uma reputação cult, foi que conseguiu filmar Agonia e Glória/The Big Red One>6, baseado em suas experiências da Segunda Guerra. Embora a contribuição do pelotão americano à causa europeia seja em tudo corajosa, triviais bandeiras tremulando são ignoradas em favor de uma análise tanto da camaradagem nascida do medo quanto da insanidade da guerra: o filme inicia e finda com planos de um Cristo devastado sobre uma cruz negra carbonizada, enquanto uma tentativa de retirar o controle de um asilo dos nazistas permite aos camaradas reassegurar sua humanidade e "normalidade" matando tanto americanos quanto alemães aleatoriamente.

Cão Branco/White Dog>7 foi uma última obra-prima, sua simplicidade narrativa emprestando enorme poder emocional enquanto uma garota tenta recondicionar um cão de ataque treinado pelos brancos para matar negros. Preciso no simbolismo das cores, profundamente compassivo no seu tratamento tanto do cachorro - um perfeito símbolo para o racismo enquanto produto do condicionamento social - quanto de suas vítimas, o filme foi grandemente ignorado, seu liberalismo anti-sentimental mal compreendido. Desde então, Füller foi a Paris para realizar Ladrões do Amanhacer, filme inspirado pelos problemas de desemprego que encontrou pouca acolhida crítica.

A vitalidade e força da obra de Füller deriva de seu acurado domínio da capacidade do cinema de operar da mesma forma que as manchetes dos jornais: roteiro, performance, montagem, movimentos de câmera, primeiros planos, todos servem para a compreensão de seu tema com infalível acuidade. Se no seu estilo falta sutileza, seu amor pelo meio (que incidentalmente observa como educativo) e sua inteligência impetuosa são inegáveis. Um genuíno independente - seus filmes posteriores são creditados como "escritos, dirigidos e produzidos por Samuel Füller" - ele deve ser apreciado por sua original e perfeita integração de método e conteúdo.

Cronologia
O tratamento de Füller das questões sócio-políticas e morais americanas através de gêneros menores alinha-o com os gostos de Ray, Aldrich e Siegel, cuja relação problemática com Hollywood ele compartilha. Admirado pela Nouvelle Vague francesa, ele aparece em O Demônio das Onze Horas, de Godard, O Último Filme de Hopper, O Amigo Americano e O Estado das Coisas de Wenders e, muito brevemente, 1941 de Spielberg.

Leituras Futuras
1. A Dama de Preto, EUA, 1952 c/Gene Evans, Mary Welch, Bela Kovacs

2. Renegando o Meu Sangue, EUA, 1957 c/Rod Steiger, Ralph Meeker, Brian Keith

3. O Quimono Escarlate, EUA, 1959 c/James Shigeta, Glenn Corbett, Victoria Shaw

4. A Lei dos Marginais, EUA, 1960 c/Cliff Robertson, Dolores Dorn, Beatrice Key

5. Paixões Que Alucinam, EUA, 1963 c/Peter Breck, Constance Towers, Gene Evans

6. Agonia e Glória, EUA, 1980 c/Lee Marvin, Mark Hamill, Robert Carradine

7. Cão Branco, EUA, 1982 c/Kristy McNichol, Paul Winfield, Burl Ives

Texto: Andrew, Geoff. The Film Handbook. Londres: Longman, 1989, pp. 112-4.

Comentários

  1. Estou em vias de fazer uma grande mostra doméstica de Fuller. A começar por "Mortos que caminham". Abraços.

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  2. Maravilha! Vou ver se me inspiro e dou prosseguimento ao segundo ciclo da minha de Joan Crawford, que em dezembro teve seis títulos. Andrew pulou esse título de Fuller que você fez referência. Eu não conheço, chequei agora no IMDB. Abraços!

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