Filme do Dia: Onde Jaz o Teu Sorriso? (2001), Pedro Costa & Thierry Lounas
Onde
Jaz o Teu Sorriso? (Oú Gît Votre Sourire
Enfoui?, França/Portugal, 2001). Direção: Pedro Costa.
Esse
admirável documentário, parte integrante da série Cinema de Nossos Tempos, ao invés de ficar preso somente a
depoimentos dos realizadores, através de material de arquivo ou filmado
diretamente pelos realizadores, apresenta o casal Danièle Huillet e Jean-Marie Straub em seu processo de montagem de seu longa Gente da Sicília. Como em filmes recentes que havia realizado,
talvez de modo mais radicalmente em seu No Quarto da Vanda (2000), Costa consegue um admirável resultado com sua
estratégia de um distanciamento diante do que é filmado que traz paradoxalmente uma profunda proximidade, muitas vezes para além do concebível,
fazendo tornar uma proposta também dedicada a exploração de processos e toda a
inquietação deles resultante em algo igualmente documental, como é o caso do
cinema direto norte-americano dos anos 1960, longe de conseguir tal efeito.
Aqui sobrepõe-se belamente a imagem do filme sendo montado pelo casal muitas
vezes às imagens do próprio documentário, numa mescla que parece forçar os
limites de compreensão do próprio corte, assim como do enquadramento, e
igualmente o discurso de Huillet e,
sobretudo Straub, mescla idéias sobre a imagem e as motivações do corte mas
divagam para bem além, refletindo sobre a própria natureza de seu cinema em
contraposição a um cinema que se acredita psicologista pela interpretação do
elenco, mesmo em seus melhores exemplos, como o de Woody Allen e Cassavetes,
assim como lembranças pessoais e afetivas. Straub faz questão de lembrar que o
psicologismo não se encontra ausente de seus filmes, mas eles se encontram mais
no processo que essas imagens serão organizadas do que transpostos para o
trabalho do elenco, onde se segue uma interpretação de cunho altamente
anti-naturalista e teatral. A câmera de Costa, invariavelmente imóvel como em
seu filme anterior, flagra as escaramuças entre o casal, sobretudo em seus
momentos iniciais, motivado pela tensão entre a irrefreável sede de divagações
de Straub, portando sempre um charuto, mas longe da aparente placidez algo forçosamente contida de um
Godard, passeando pelo corredor adjacente a sala de montagem. E também como
naquele é notável o quanto o realizador consegue tirar partido até mesmo dos
ambientes mais restritos, como a sala de edição onde transcorre a maior parte
do documentário ou o belo plano final, que apresenta um ansioso Straub
aguardando o final da exibição de um filme seu para entrar na sala. O jogo de luzes e sombras, também bastante
explorado nos filmes de ficção realizados no período, somente deixará se
entrever o rosto de Huillet já bastante depois de iniciado o filme, algo
igualmente favorecido pela ausência de planos aproximados, uma das estratégias
para o “distanciamento aproximado” construído por Costa. Trata-se igualmente de um documentário
fecundo pois não só apresenta um processo de realização de realizadores que
certamente influenciaram a obra de Costa, como marcado igualmente por
estratégias autorais associadas ao próprio Costa, algo longe de acontecer
naqueles episódios da série que apenas procuravam registrar, sobretudo através
da forma mais convencional de depoimentos, o processo criativo de realizadores
como Bresson, Pasolini ou Rohmer, algo presente tanto na primeira versão, como
na mais recente da série.
AMIP/Contracosta/Arte France/INA. 73 minutos.
Chaaaaaaaaaaaaaaaaaaato
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