O Dicionário Biográfico de Cinema#312: Samuel Füller



 Samuel Füller (1911-97), n. Worcester, Massachussets

1948: I Shot Jesse James [Eu Matei Jesse James]. 1950: The Baron of Arizona [O Barão Aventureiro]; The Steel Helmet [Capacete de Aço]. 1951: Fixed Bayonets [Baionetas Caladas]. 1952: Park Row [A Dama de Preto]. 1953: Pickup on South Street [Anjo do Mal]. 1954: Hell on High Water [Tormenta sob os Mares]. 1955: House of Bamboo [Casa de Bambu]. 1957: Run of the Arrow [Renegando o Meu Sangue]; China Gate [No Umbral da China]; Forty Guns [Dragões da Violência]. 1958: Verboten! [Proibido!]. 1959: The Crimson Kimono [O Quimono Escarlate]. 1961: Underworld USA [A Lei dos Marginais]; Merril's Marauders [Mortos que Caminham]. 1963: Shock Corridor [Paixoes que Alucinam]. 1964: The Naked Kiss [O Beijo Amargo]. 1968: Caine/Shark [Tubarão]. 1972: Dead Pigeon on Beethoven Street (*). 1980: The Big Red One [Agonia e Glória]. 1982: White Dog [Cão Branco]. 1983: Thieves After Dark [Ladrões do Amanhecer]. 1988: Sans Espoir de Retour [Uma Rua Sem Volta].

Fuller é uma das presenças artísticas mais duras no cinema. Como este preocupado e grisalho fumante de charutos, de óculos escuros na festa em Pierrot le Fou [O Demônio das Onze Horas], ele concede somente que o cinema é uma batalha de energias humanas alienadas, todos perseguindo suas obsessões privadas ao ponto da exaustão. Seus filmes são como cenários feitos de comunidades de ratos, a própria câmera como rato-rei, marcada e dolorida, mas ainda voando para dentro e para fora de cada cena, comandando o espetáculo e entrando e saindo de closes grotescos como um polegar esmagando um inseto. O sentido de Fuller é expresso por seu estilo supremamente ativo: este homem comum poderia ser seu próprio protagonista, e esta moralidade livre para todos é exatamente espelhada em uma arena política mais ampla. Por sua vez, esteve envolvido em jornalismo criminal e guerra e sua grande originalidade foi em ver o constante elemento criminal na vida - seja numa cidade americana, no campo aberto ou em todo teatro de guerra. A comunidade é intercambiável com o submundo criminal. Em Anjo do Mal, Casa de Bambu e A Lei dos Marginais, a polícia e os bandidos são observados enquanto idênticos instrumentos, sem nem mesmo o brilho redentor do cinismo. Seus personagens centrais são invariavelmente psicóticos, cronicamente hostis à organização, prosperando na traição e resolvendo dúvidas por meio da brutalidade. Este destino é geralmente absurdo; os meios contraditórios. Mortos que Caminham sobrevivem inutilmente. O'Meara em Renegando o  Meu Sangue retorna ao seu próprio povo sem qualquer esperança. Em Casa de Bambu é a única ação humana de Robert Ryan que o destrói - e apesar de apreciarmos este fato, o próprio Fuller não o endossa. O interrogatório implacável de sua câmera quase força o gesto e depois avança vitorioso. 

A carreira de Fuller passou da obscuridade dos filmes-B à intensa controvérsia crítica. Mas ele não faz concessão aos intérpretes. Muitos de seus filmes foram feitos no ritmo desesperado e com muito pouco dinheiro e, ainda assim, apresentam alguns dos planos-sequencias mais complexos e bem sucedidos já capturados pelo cinema. Mesmo sendo seu material em um nível de tramas de sarjeta, Fuller é o autor completo - "escrito, produzido e dirigido...". Seus oponentes chamam-no de bárbaro e mesmo fascista, e seus defensores citariam Hobbes para elucidá-lo. Na verdade, é um bárbaro por ser único. Nenhum outro diretor americano descreveu a experiência americana com um entusiasmo tão incessante e participativo por sua corrupção competitiva. A monografia de Nicholas Garnham sobre Fuller constantemente relaciona os filmes às obras de Norman Mailer. De muitas formas, os homens são diferentes, mas Fuller é familiar com a loucura rastejante que Mailer adverte contra. 

Ele é um bom diretor? Torna-se uma pergunta sem sentido. Seus filmes são conquistas visuais impressionantes. Mas não há certeza do diretor estar consciente do que está fazendo. É uma sorte que ele não o faça, pois há uma vulgaridade em Fuller que rapidamente passaria do impulsivo ao pesado se ele alguma vez ouvisse seus melhores críticos. Fuller poderia ser o diretor de um tablóide, enquanto testemunha o senso de identidade e comprometimento em A Dama de Preto, uma história de jornal. Esta espécie de vulgaridade ultrajante sempre resiste à respeitabilidade e seriedade; a auto-consciência é sua grande inimiga. Se o diretor não precisa compreender sua própria arte, então não é arte - mas cinema cru. Neste caso, o verdadeiro sentido dos filmes de Fuller está nas mentes da audiência pública, de quem nunca se deixou distrair. Mas há uma coisa clara: da Guerra Civil à Guera do Vietnã, Fuller lidou com todas as maiores fases da experiência americana e retornou com a conclusão de que o mundo é um hospício onde a ferocidade sobrevive sozinha.

Em 1977, foi homenageado por Wim Wenders ao ser elencado como o último gangster mascador de charutos em The American Friend [O Amigo Americano], e sendo dada uma morte magnífica ao descer um lance de escadas. Ao mesmo tempo, ele teve a autorização para realizar um projeto que há muito desejava. Agonia e Glória, que provou ser um estudo imaculado das fragilidades e coragens da infantaria, um filme feito como se a Segunda Guerra houvesse acabado dez minutos atrás. 

Cão Branco foi banido por um momento, e consequentemente defendido e superestimado - na verdade, demonstra algum declínio em Fuller. Seus filmes posteriores tiveram um lançamento bastante limitado. Mas Fuller se manteve ativo, seu charuto ereto, atuando em uns poucos filmes: Scotch Myths (82, Murray Grigor); Red Dawn [Amanhacer Violento] (84, John Milius); Slapstick of Another Kind  [Trapalhões do Futuro] (84, Steven Paul); e La Vie de Bohème [A Vida da Boemia] (92, Aki Kaurismäki). Também ajudou no argumento  para Let's Get Harry [Resgate Infernal] (86, Alan Smithee).

Texto: Thomson, David. The New Biographical Dictionary of Film. N. York: Alfred A. Knopf, 2014, pp. 971-73. 

N. do E: (*) não existe este título no IMDB. 

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