Filme do Dia: Contos da Lua Vaga Após a Chuva (1953), Kenji Mizoguchi
Contos da Lua Vaga após a
Chuva (Ugetsu monogatari, Japão,
1953). Direção: Kenji Mizoguchi. Rot. Adaptado:
Matsutarô Kawaguchi & Yoshikata Yoda, baseado nos contos de Akinari
Ueda, Asaji Ga Yado e Jasei No In.
Fotografia: Kazuo Miyagawa. Música: Fumio Hayasaka, Tamekichi Mochizuki &
Ichirô Saitô. Montagem: Mitsuzô Miyata. Com: Masayuki Mori, Machiko Kyô, Kinuyo Tanaka, Sakae Ozawa, Ikio
Sawamura, Mitsuko Mito, Kikue Mori, Ryosuke Kagawa.
Dois casais dividem a labuta da árdua vida no
campo na época dos samurais. Um dos casais, além de trabalhar na agricultura,
também produz cerâmicas. Estressado de tanto trabalho, Genjurô (Mori) passa a
ser cada vez mais bruto com a esposa, Miyage (Tanaka) e o filho. Miyage, no
entanto, se orgulha de seu equilíbrio, o que não ocorre com o marido de sua amiga
Ohama (Mito), Tôbei (Ozawa) que, cansado do árduo trabalho, sonha em abandonar a aldeia e se transformar
em samurai. Com a invasão da vila por seguidores de um senhor rival, todas as
casas são saqueadas. Temendo por suas cerâmicas, Genjurô arrisca a vida para ir
olhar se o o forno se apagou e descobre sua produção intacta. Junto com a
mulher e o casal amigo, tem a ideia de fugir através do rio. Quando se
encontram no rio, encontram um moribundo que lhes avisa dos riscos,
principalmente das mulheres, caso encontrem piratas. Mesmo temerosos - o
moribundo logo morre - eles resolvem continuar. Lá Tôbei abandona a todos para
seguir seu sonho de ser samurai, comprando armadura e lança e partindo para
servir a um senhor. Genjurô, por outro lado, é seduzido pela princesa Wakasa
(Kyô), única descendente de uma família nobre massacrada, que vive agora em uma
mansão decadente, com sua dama de companhia.
Wakasa se diz fascinada pela cerâmica de Genjurô, lembrança do gosto do
pai. Enquanto isso Genichi é violentada por um grupo de soldados e Miyage
atacada por um grupo de ladrões, que lhe levam tudo, inclusive a comida do
filho. Tôbei encontra boa sorte, quando se depara com um grande general
guerreiro que suplica que ele o mate, o que faz e leva sua cabeça para o senhor
da vila (Kagawa), que realiza o desejo de
Tôbei de ser samurai, passando a ter um cavalo e um grupo de servos.
Quando se dirige pare reencontrar a esposa, é convidado a pernoitar em um
prostíbulo, aceitando após os reclames de seus homens. Quando lá se diverte,
contando vantagens, é surpreendido ao reencontrar a esposa, que pergunta se ele
pode transformá-la outra vez em uma mulher digna. Genjurô quando retorna de uma
compra é abordado no caminho por um feiticeiro, que afirma que ele deve voltar
para sua família, se não quiser morrer. Após um embate cruel com Wakasa e sua
dama de companhia, ele desmaia próximo a casa. Quando acorda, encontra-se
rodeado por homens que lhe perguntam como conseguira pertences tão valiosos.
Quando afirma que vivia na casa de Wakasa, é tratado com escárnio e
roubado, já que todos sabem que ninguém da família sobreviveu. Retornando para
a casa, a encontra em ruínas, mas sua esposa prepara a janta e o recepciona sem
querer saber de nada do que ocorrera. Sentindo-se extremamente culpado e
exaurido, Genjurô ao mesmo tempo sente-se aliviado. Porém na manhã seguinte,
quando recebe a visita de um amigo, que ficara provendo sua família na sua
ausência, e chama sua esposa para falar
com ele, este se espanta, já que sabe que a esposa morrera vítima da ação dos
ladrões, admirando-se que o filho dele tivesse se dirigido à velha casa, como
que premonitoriamente. A desgraça também atinge Tôbei, que após desperdiçar o
que conseguira e ver que tudo não se tratava de uma fantasia, volta a morar e
trabalhar arduamente, sem reclamar, com a mulher. Quando visita à mulher no
cemitério Genjurô escuta esta afirmar que agora ele era o homem que ela sempre
quisera, dedicado à família e ao trabalho ao mesmo tempo, sem mais precisar
enfrentar situações adversas, já que a época é de paz.
Um dos mais
sensíveis e poéticos filmes do cinema clássico japonês, retrabalhando tradições
nipônicas sob uma ótica grandemente moral e com uma acuidade visual
extrema, nesses dois pontos se
aproximando do que Kurosawa fizera, por exemplo, em Rashomon (1950). Destaca-se a forma sutil e astuciosa de Mizoguchi
utilizar os espíritos - a senhora Wakasa, a esposa de Genjurô - sem nenhuma
distinção, a um só tempo se afastando dos vulgares efeitos que simulam
transparência convencionalmente utilizados e reforçando o caráter ambíguo entre
realidade e fantasia, vida material e espiritual. Particularmente interessante
é a construção do momento final em que Genjurô descobre a mulher após
adentrar pela mesma porta onde nada
antes vira. As quatro narrativas
paralelas, a partir do momento em que todos se separam, simultaneamente
apresentando o sucesso dos homens e o azar das mulheres - e se detendo
principalmente nos homens - são rigorosamente simétricas, já que ao declínio
dos homens se contrapõe a redenção das mulheres, seja pela saída da vida em
pecado ou pela morte, conseguindo orquestrar com bom êxito a adaptação de dois
contos distintos. O filme, obviamente deixa também presente a marca da opressão
feminina. Daiei. 94 minutos.
Um dos mais belos filmes de todo o cinema.
ResponderExcluirConcordo! Sem muito esforço ele pode figurar na lista dos melhores de todos os tempos.
ResponderExcluir