The Film Handbook#20: John Ford
"Ok Sir?" Wyatt Earp (Henry Fonda) contempla a aparência de seu corte antes de ir ao curral em Paixão dos Fortes, de Ford |
John Ford
Nascimento: 1/02/1895, Elizabeth, Maine, EUA
Morte: 13/08/1973, Palm Desert, Califórnia, EUA
Ao retratar, ao longo de uma longa e prolífica carreira, a história dos Estados Unidos das guerras revolucionárias à Segunda Guerra Mundial, Sean Aloysius O'Feeney (seu nome de batismo) continuamente recorreu a uma forma de lenda profundamente pessoal e nostálgica. Se não há dúvida de sua importância para o desenvolvimento do western, sua singularmente sentimental e poética glorificação da conquista branca do deserto americano é tanto pitoresca quanto reacionária.
Filho de pais irlandeses, Ford se uniu ao seu irmão-diretor Francis em Hollywood em 1914, sendo dublê, atuando e sendo assistente de figuras como Dwan e Griffith (de cujo O Nascimento de uma Nação ele aparece como um dos cavaleiros da Ku Klux Klan). Em 1917 ele passou à direção com diversos westerns, um dos quais, O Último Cartucho/Straight Shooting, sobre um pistoleiro que ajuda os granjeiros em guerra contra os pecuaristas, foi um longa de cinco rolos. O western serviu-o bem pelos próximos seis anos e, em 1926, realizaria um dos melhores épicos do gênero do período silencioso, The Iron Horse, a respeito da corrida para completar a ferrovia trans-americana.
Depois disso, o diretor abandonou a vida da fronteira por uma década, focando em filmes de guerra, comédias rurais e adaptações literárias. A Patrulha Perdida/The Lost Patrol foi uma sombria história de um destacamento britânico no deserto da Mesopotâmia sendo capturado por atiradores árabes escondidos; O Juiz Priest/Judge Priest>1 - um dos três filmes estrelados pelo simplório cômico Will Rogers - uma engenhosa travessia ao Sul Profundo dividido pelas memórias da Guerra Civil - foi prejudicado por sua caracterização estereotipadamente racista do ator Stepin Fetchitt; O Informante/The Informer, uma versão sentimental do romance de Liam O'Flaherty sobre um bêbado que trai um amigo do IRA, revelando o gosto de Ford pelas alegorias católicas e pelo raramente apropriado, mas sempre impressionante expressionismo visual. Somente em 1939, no entanto, seu talento amadureceu com o retorno ao gênero western.
Saudado inicialmente pela montagem de uma sequencia de perseguição ao final, No Tempo das Diligências/Stagecoach>2 introduziu diversos dos motivos fordianos: filmado ao pé das imponentes e áridas mesas do Monument Valley - doravante um símbolo do deserto primitivo a ser domesticado pelo homem branco - e estrelado, pela primeira vez, por John Wayne. Ainda que ele tenha corporificado o arquetípico do herói fordiano - um solitário lacônico e abnegado devotado, de forma mística, à América WASP e tudo o que ela implicava (a família, mulheres-madonas, um violento senso de bonomia peculiar aos rapazes - o fora-da-lei de Wayne revelou a ambiguidade nostálgica de Ford em relação ao progresso:quando Ringo Kid e sua amante prostituta de bom coração finalmente abandonam a hipócrita vila que ele resgatou dos índios pilhadores, a observação que é feita é que o casal se encontra a salvo das bençãos da civilização.
A invocação de uma América intocada pelas cidades, tecnologia e negócios foi ainda mais decantada em A Mocidade de Lincoln/Young Mr. Lincoln>3. Munido de uma bondade inata e a sabedoria dos livros o divino Abe reprime um linchamento e avança para um Destino tempestuoso; como interpretado por Henry Fonda, seu dócil idealismo é a contrapartida para o pragmatismo estoico dos heróis de Wayne. Quando a América mítica de Ford diminuía sua acuidade histórica, seus filmes se tornavam insípidos: uma caricatura de Vinhas da Ira/The Grapes of Wrath>4, propõe uma fé complacente na terra e nas pessoas; Como Era Verde o Meu Vale/How Green Was My Valley, a despeito de sua adorável recriação em estúdio de uma vila mineira galesa, atola-se em um sedutor e lacrimoso emocionalismo.
Após servir na guerra, Ford realizou Paixão dos Fortes/My Darling Clementine>5, uma bem conduzida história sobre a lendária derrota imposta a gangue dos Clanton por Wyatt Earp e Doc Holliday; por volta dessa época, a despeito do clímax com o tiroteio em OK Corral, o talento de Ford reside menos nas cenas de ação que em apresentar variações intermináveis de rituais comunitários. Danças, encontros na igreja, brigas em saloons e funerais foram utilizados para definir as hierarquias e relações sociais, e para enfatizar o papel da tradição na modelagem da cultura heroica americana. Após Domínio dos Bárbaros/The Fugitive - O Poder e a Glória/The Power and the Glory de Graham Greene piedosamente transformado em uma ingênua e embaraçosa defesa da Igreja Católica latino-americana - Ford filmou uma livre "trilogia da cavalaria" composta de Forte Apache/Fort Apache, Legião Invencível/She Wore a Yellow Ribbon e Rio Bravo/Rio Grande. Apesar de destacar o abismo entre soldados natos (Wayne) e oficias letrados (Fonda), esses filmes sugerem a hipótese que os heróis que morreram para tornar a América livre dos índios são virtualmente imortais. (Desde os primeiros anos de sua carreira, seus protagonistas frequentemente dialogam com os mortos). De fato, esse sentido de uma tradição imorredoura foi ainda mais indulgente em Depois do Vendaval/The Quiet Man>6, uma delirante comédia romântica que descreve a Irlanda como uma terra verde e frondosa de leprechauns idiotizados e sentimentais, bêbados belicosos e moças ardentes. O Sol Brilha na Imensidade/The Sun Shines Bright>7, um tocante, elegíaco e engenhoso, ainda que moralmente indefensável, retorno à América provinciana de Juiz Priest, encontrou Ford em um tom semelhante, enquanto Mister Roberts foi uma aborrecida e tediosa adaptação de um sucesso teatral montado em um navio de guerra, sugerindo que o diretor começava a perder seu rumo.
Rastros de Ódio/The Searchers>8, no entanto, ofereceu evidências de que ele estava menos certo de sua fé de que antes: ambíguo em seu severo retrato do nômade eterno de Wayne, inflexível em sua sede de sangue enquanto gasta dez anos em busca dos índios que capturaram sua sobrinha, o filme é tanto profundamente fascista quanto uma tentativa inquietante de analisar as raízes da violência xenofóbica. Embora não permaneça claro se Ford tolera ou condena o ódio obsessivo de Wayne, explicitamente enraizado em um temor de miscigenação, o filme impressiona por confrontar questões adiante de seu tempo: herói ou louco, Wayne é condenado a ser um solitário sem lar. Menos sentimental que a obra anterior de Ford, Rastros de Ódio antecipou diversas tentativas de fazer as pazes com descrições passadas de pessoas consideradas inferiores na hierarquia social do realizador: Audazes e Malditos/Seargent Routledge apresentava a contribuição negra às campanhas da cavalaria (confessamente os flashbacks são utilizados para afirmar a boa índole do negro acusado de estuprar uma mulher branca), enquanto Crepúsculo de uma Raça/Cheyenne Autumn acompanha a problemática odisseia de uma tribo de volta à reserva da qual haviam sido expulsos. O melhor filme de Ford desse período, no entanto, foi O Homem Que Matou o Facínora/The Man Who Shot Liberty Valance>9. Essa suma complexa de temas passados analisa a verdade através da morte de um bandido numa cidade que entra em uma nova era: o herói é o rancheiro às no gatilho de Wayne ou o advogado pacifista de James Stewart? Em última instância, em nome do progresso, é necessário se "imprimir a lenda", ainda que Ford insista que os fatos, mesmo menos inspiradores, devem ser lembrados como um monumento a pureza pioneira do Velho Oeste.
Por fim, após o notavelmente claustrofóbico Sete Mulheres/Seven Women>10, muito distante da piedade sentimental de sua obra inicial na sua descrição do empenho de um grupo de ingênuas missionárias tornadas reféns de um selvagem senhor de guerra chinês, Ford se aposentou. Se a sua melhor obra foi no western e suas derivações, ele não foi talvez seu maior proponente, seu patriotismo falacioso frequentemente dá origem ao heroísmo simplista e as rixas irritantemente intermináveis de seu grupo de atores habituais. Ele foi, porém, um poeta populista, a despeito de insistir na superioridade dos jovens militares brancos sobre as mulheres, negros e índios, e seu talento para criar um estado de espírito e narrar uma história através de meios puramente visuais permanece poderoso.
Genealogia
Ford, ele próprio possivelmente influenciado por Griffith e Dwan, deixou sua sombra em todos os westerns, mais recentemente os de Andrew McLaglen, filho de Victor (um dos atores favoritos de Ford). Sua poesia e senso visual do mito tem sido admirado por muitos diretores, incluindo Eisenstein, Welles, Kurosawa, Anderson e Bogdanovich.
Leituras Futuras
The John Ford Movie Mystery (Londres, 1976), de Andrew Sarris, John Ford (Londres, 1974), de Michael Wilmington e The Cinema of John Ford (Londres, 1971), de John Baxter.
Destaques
1. Juiz Priest, EUA, 1934 c/Will Rogers, Tom Brown, Anita Louise
2. No Tempo das Diligências, EUA, 1939 c/John Wayne, Claire Trevor, Thomas Mitchell
3. A Mocidade de Lincoln, EUA, 1939 c/Henry Fonda, Alice Brady, Donald Meek
4. As Vinhas da Ira, EUA, 1940 c/Henry Fonda, Jane Darwell, John Carradine
5. Paixão dos Fortes, EUA, 1946 c/Henry Fonda, Victor Mature, Walter Brennan
6. Depois do Vendaval, EUA, 1952 c/John Wayne, Maureen O'Hara, Barry Fitzgerald
7. O Sol Brilha na Imensidade, EUA, 1953 c/Charles Winninger, Arleen Whelan, Stepin Fetchit
8. Rastros de Ódio, EUA, 1956 c/John Wayne, Jeffrey Hunter, Ward Bond, Vera Miles
9. O Homem que Matou o Facínora, EUA, 1962 c/John Wayne, James Stewart, Vera Miles, Lee Marvin
10. Sete Mulheres, EUA, 1966 c/Anne Bancroft, Sue Lyon, Margaret Leighton, Anna Lee
Texto: Andrew, Geoff. The Film Handbook. Londres: Longman, 1989, pp. 103-6.
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