Filme do Dia: Asas do Desejo (1987), Wim Wenders
Asas do Desejo (Der Himmel über Berlim, Alemanha Ocidental/França, 1987) Direção: Wim
Wenders. Rot.Original: Peter Handke & Wim Wenders. Fotografia: Henri
Alekan. Música: Jürgen Knieper. Montagem: Peter Przygodda. Com: Bruno Ganz,
Solveig Dommartin, Otto Sander, Curt Bois, Peter Falk, Hans Martin Stier, Elmar
Wilms, Sigurd Rachmann, Beatrice Manowski, Lajos Kovács, Laurent Petitgand,
Chick Ortega, Peter Werner, Nick Cave.
Dois anjos, Cassiel (Sander) e Damiel
(Ganz) sobrevoam os céus de Berlim a procura de pessoas solitárias e desesperadas
a quem consolar, seja no metrô, biblioteca, trânsito ou apartamentos, eles
ouvem todas as situações de conflito e angústia por que passam. As crianças são
as únicas que os vêem. Em sua jornada, interessam-se aos poucos por locais e
pessoas em particular. Assim Cassiel acompanha por longo tempo as visitas do
velho Homer (Bois) à biblioteca, suas reflexões sobre a vida na época da
guerra, assim como suas caminhadas por trechos de uma Berlim de seu tempo, que
não mais existe, e parece ser futuro canteiro de obras. Damiel, por sua vez,
acompanha a desilusão da jovem
trapezista Marion (Dommartin), deprimida após perder o emprego - a trupe
circense para a qual trabalhava resolveu ir para a França - e os preparativos
de Peter Falk (Falk) para seu novo filme, sobre nazismo - quando este lancha e
Damiel se aproxima, ele diz que sabe que ele se encontra por lá e pede que ele
venha lhe apertar a mão. Apesar da influência tranquilizadora que provocam em
todos aqueles que consolam, os anjos nada podem contra a resolução humana -
Cassiel tenta consolar um suicida (Rachmann), mas este termina por se jogar de um
edifício. Após seguir exaustivamente os passos de Marion e cansado de nunca
viver plenamente a materialidade e a finitude humanas, Damiel pretende se
tornar mortal. Certo dia, quando anda ao lado de Cassiel, próximo ao muro que
divisa a porção oriental da ocidental, “cai” e se torna humano. Acorda da Queda
com pedaços de armadura na sua cabeça jogada por um helicóptero e crianças lhe
observando. Feliz por sentir as coisas, apalpa a cabeça e prova o gosto de
sangue. Vende a armadura para um antiquário e consegue um casaco para se
proteger do frio. Toma seu primeiro café quente. Procura Peter Falk e afirma
que fora ele que se aproximara outro dia. Falk afirma que imaginara que ele
fosse mais alto. Surpreendido, Damiel descobre que Falk também é um anjo. Vai
ao encontro de Marion, mas ao chegar no local onde se encontrava o circo, encontra
apenas o vazio. Senta-se no mesmo local onde pouco tempo antes Marion sentara e
assistira a partida de seus amigos e é abordado por duas crianças que perguntam
o que se passa com ele (como Marion, também sente a presença confortadora de
Cassiel). Encontra-a em um bar, e ajuda-a
em seus exercíos de trapézio.
Partindo de um
poema de Rilke que celebra a unidade do mundo sob a ótica infantil,
Wenders realizou um de seus melhores
filmes. Prescindindo de diálogos a maior parte do tempo, construiu uma história
tocante amparado somente nas belas imagens e nos monólogos interiores de todos
aqueles que são visitados pelos anjos. Esse painel que mostra a desagregação e
a individualidade humanas levadas ao extremo no mundo adulto, parece apontar
como única possibilidade redentora em que ele pode se espelhar o mundo
infantil. Quando Damiel se transforma em humano, sua queda no mundo sensível
deixa marcas na sua própria aparência física, mais degradada e real que quando
ele era anjo. Embora, paradoxalmente, tenha sido considerado um dos filmes mais
representativos da década de 1980 e do espírito pós-moderno, talvez o menos substancial seja justamente um certo
clima “down chic” como o momento da apresentação de Nick Cave em um inferninho
(e as próprias canções do filme), apenas um elemento que provavelmente será
visto como datado daqui há alguns anos. Como depositário de uma memória e de
uma vida em vias de cair no esquecimento pelas novas gerações, o personagem de
Homer (que possui grandes semelhanças com o que Josephson viveu em Um Olhar a Cada Dia de Angelopoulos) é
vivido pelo veterano grande ator alemão Curt Bois (o mesmo de, entre outros, O Senhor Puntila e Seu Criado Matti).
Mesmo lidando, por vezes, com um terreno
potencialmente perigoso - como os monólogos interiores que expressam a busca
afetiva de Marion ou certas imagens como as
piruetas acrobáticas no trapézio- que pode sucumbir ao kitsch a
qualquer momento ou se tornar involuntariamente solene em demasia (como sucede
aos monólogos do clássico Hiroxima,
Meu Amor de Resnais), o resultado final é plenamente satisfatório e
expressa sinceridade e paixão. Wenders deixa evidentes certas “private jokes”
ou homenagens durante o filme - assim quando o anjo percorre a biblioteca e se
aproxima de uma mulher que toma notas percebemos escrito “o fim do mundo”,
projeto do diretor anterior a este filme e concretizado posteriormente sob o
título de Até o Fim do Mundo; Peter
Falk é ele mesmo, e é motivo de discussão entre um grupo de jovens que passa e
pergunta se não é Columbo, o personagem da série que lhe deixou célebre; o nome
do circo em que Marion trabalha é Alekan, homenagem ao veterano cinegrafista
Henri Alekan, diretor da exuberante fotografia (em p&b e cores). O filme é
dedicado a todos os anjos, particularemente os cineastas Ozu, Truffaut e
Tarkovski. Argos Films/Road Movies Filmproduktion/WDR. 127 minutos.
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