Filme do Dia: Maciste no Inferno (1925), Guido Brignone
Maciste no Inferno (Maciste
all’Inferno,Itália, 1925). Direção: Guido Brignone. Rot. Adaptado: Riccardo
Artuffo, basedo em Dante Alighieri. Fotografia: Ubaldo Arata, Segundo de Chamón
& Massimo Terzano. Com: Bartolomeo Pagano, Franz Sala, Elena Sangro, Lucia
Zanussi, Umberto Guarracino, Domenico Serra, Pauline Polaire, Mario Saio.
Quando os demônios chegam à
terra, sua maior provação é conseguirem capturar Maciste (Pagano), conhecido
por sua força física e moral. Esse encontra-se ocupado no momento em
oficializar a união de sua prima e o pai do garoto que ela teve, um
aristocrata. Os demônios seqüestram a criança para servir como isca para capturar
Maciste, que é levado ao reino do inferno, onde enamora-se da filha do rei
Pluto (Guaraccino), Luciferina (Zanussi) e sendo seduzido pela possessiva
Graziella (Polaire), que o beija, transformando-o em demônio. Tornando-se ainda
mais forte enquanto demônio, Maciste será figura fundamental na derrota do Rei
Barbariccia (Sala), o que leva ao profundo agradecimento de Pluto, que concede
seu retorno à terra. Quando já se acreditava livre, é capturado pela malévola
Graziella, que o deixa amarrado, transformando-o novamente em demônio com seu
beijo. A salvação de Maciste é a oração feita na noite de natal pelo filho de
Graziella.
Esse filme da série que inicia
logo após o enorme sucesso que o personagem secundário de Maciste conquista no
épico Cabíria, já vivido então pelo
tosco canastrão Pagano, e que ainda será encarnado três vezes pelo ator após
esse filme, apresenta de forma quase cristalina tanto sua influência de
produções de maior prestígio artístico – deve-se levar em conta tal medida, já
que o filme não deixa de apresentar nos créditos sua vinculação ao clássico
literário de Alighieri – quanto sua reprodução, ainda que involuntária, de
muitos dos valores mais arraigados na cultura italiana fascista. Com relação a
primeira, ela se faz presente na evidente cópia do cinema expressionista
alemão, com direito inclusive a um dragão (tal como Os Nibelungos, de Lang). Tendo em conta que o filme foi lançado
vários meses antes do Fausto, de
Murnau, não se pode dizer que tenha sido influenciado por este, ainda que os
efeitos especiais dos demônios alados seja bastante evocativa, assim como a
cenografia do inferno talvez tenha sofrido influência do Häxan (1922), de Christensen; de todo modo, não se pode deixar de
destacar a própria criatividade visual, que certamente deve muito à presença de
um dos maiores nomes dos filmes de trucagens dos primeiros anos do século,
Segundo de Chamón (sua presença aqui como fotógrafo e certamente elaborador de
trucagens ópticas, demonstra a mudança do status de tais efeitos no cinema, da
atração praticamente única de sua época, para a ilustração de narrativas
fantásticas como aqui). Com relação a reprodução dos valores que eram caros ao
regime fascista se encontra evidentemente a virilidade, que chega a ser
contraposta à intelectualidade, sendo essa associada com certo decadentismo
aristocrático – algo que fica mais presente numa cartela que contrapõe o
primeiro valor a Maciste e o segundo ao demônio; a forma rude com que Maciste
simplesmente espanca os criados do conde que não pretendem deixá-lo ter acesso
ao patrão, é igualmente bastante sintomática de uma figura que, consciente de
sua “superioridade moral e física”, não pretende se dobrar a meras convenções
sociais, espelhando de certo modo a própria mitologia que o Duce criara para si; já do pai da criança até então bastarda não
se pode traçar um retrato tão perverso, afinal ele assumirá a criança e formará
uma família tipicamente cristã a celebrar seu amor na noite de natal. Tampouco
deixa de estar intensamente presente uma forte misoginia que se encontra no
seqüestro da criança quase como punição pelo pecado da mãe tê-la concebido fora
dos laços conjugais, como se seu sofrimento quase ao ponto da insanidade fosse
passaporte para sua redenção junto à comunidade e a si própria. Ou ainda em
cartelas bastante ilustrativas, como a que se comenta que mesmo no inferno as
mulheres são “volúveis”, como se o próprio Maciste não fosse igualmente vítima
da atração carnal, algo desculpável na figura de um homem tão viril. Como nos
épicos italianos e, sobretudo, hollywoodianos, que desde a década anterior já
faziam uso de tal expediente, a semi-nudez feminina é vastamente explorada,
assim como suas poses sedutoras. Sua versão original constava 95 miinutos, o
que talvez explique certos momentos que parecem pouco claros na narrativa,
principalmente no que diz respeito às motivações do conflito no inferno. A
longevidade do interresse do público italiano pelo personagem pode ser
comprovado pela ressureição do mesmo em uma nova série de filmes nas décadas de
50 e 60. Cinès-Pittaluga. 66 minutos.
Comentários
Postar um comentário