Filme do Dia: Daisy Miller (1974), Peter Bogdanovich
Daisy Miller (EUA, 1974). Direção: Peter Bogdanovich. Rot.
Adaptado: Frederic Raphael, a partir do conto de Henry James. Fotografia:
Alberto Spagnoli. Montagem: Verna Fields. Dir. de arte: Ferdinando Scarfiotti. Figurinos:
Mariolina Bono & John Furniss. Com: Cybil Shepherd, Barry Brown, Cloris
Leachman, Mildred Natwick, Eileen Brennen, Duilio Del Prete, James McMurtry,
Nicholas Jones.
O culto e refinado jovem
norte-americano expatriado na Europa, Frederick Winterbourne (Brown) se
apaixona pela jovem norte-americana em visita a Europa, Daisy Miller
(Shepherd), considerada por todos como o cúmulo da vulgaridade, passeando e
conversando com homens indiscriminadamente em todos os lugares e horas
consideradas socialmente impróprias. Daisy se encontra próxima sobretudo do
italiano, o Sr. Giovanelli (Del Prete), com quem canta no hotel e cuja mãe
(Leachman), afirma que se divertem muitíssimo. Enciumado e quase paranoico,
Winterbourne segue os passos de Daisy e finda por considera-la igualmente como
uma moça vulgar, após encontra-la as duas horas da manhã no coliseu
semi-deserto e palco de encontros amorosos fortuitos. Ele afirma para ela e
Giovanelli sob o intenso risco de adquirir malária. Dá-lhe a entender que não
se preocupa mais a respeito de Daisy, chocando-a. Daisy morre do mal pouco
depois. Em seus funerais, Giovanelli afirma a Winterbourne que nunca conhecera
uma jovem tão inocente e esse chega a conclusão que naquele verão cometera um
grande erro, talvez o maior de sua vida.
Destroçado impiedosamente pela crítica
quando de seu lançamento, sendo um ponto de virada para a carreira até então
vitoriosa de seu diretor e que nunca mais se recuperaria, em termos de
prestígio, comparativamente, aos três filmes dirigidos anteriormente, tal
intensidade do furor crítico parece hoje algo excessiva. Apenas a construção de
toda a perspectiva do filme sob o ponto de vista de seu obcecado personagem
casmurriano já seria digna de algum interesse. Dividido entre o intenso clamor
interior que o leva a jovem e a repressão moral advinda da sociedade que acaba
fortemente introjetando, o personagem de Winterbourne é vivido com relativo
brilho por Brown. Shepherd vive uma Daisy Miller talvez demasiado factível de
flertar com o público contemporâneo, não apenas por apontar o quão antiquado
são os modos europeus, personificados pelo próprio Winterbourne, como pela
própria interpretação da atriz, massacrada impiedosamente pela crítica da
época. Em vários momentos, Miller aparenta ser não mais que uma adolescente
suburbana norte-americana contemporânea à época que o filme foi produzido,
palrando incessantemente. Pode-se perceber, no entanto, certo encanto
involuntário emergir da relação entre a pretensão de se encenar um drama
histórico e as fortes reverberações, inclusive canhestras, em termos de
produção e da época que foi produzido, quase como se o filme se situasse entre
esses dois polos. E também não menos digno de nota é o constante “flagrante” de
mais que comentários, mas de situações em que a pose da criadagem é
explicitamente encenada, seja no caso dos valetes que abandonam a conversa e
voltam ao seu posto de impassibilidade habitual ou dos mensageiros de hotel que
transformam o riso de deboche sobre o interesse de Winterbourne para com Daisy
Miller numa postura de serena e neutra compleição física em questão de não mais
que segundos. É contra essa apresentação dos rituais que comandam a parte mais
capilar das relações sociais que a força de Miller parece ir de encontro, não
sem sofrer reveses – como é o caso do constrangimento pesaroso que sente ao
cumprimentar e não ser cumprimentada pela dama da sociedade a qual fora
participar de uma festa. Por mais cinéfilo que seja, provavelmente não passa de
coincidência o cineasta ter escolhido dentre outros vários temas uma rápida
menção a um mesmo tema de Schubert que Fassbinder utilizara grandemente em O Machão ou a locação em um hotel que é
o mesmo observado ao início de Martha.
Referências provavelmente mais certeiras são a do momento em que Miller corre
pelos aposentos do castelo de forma jovial, sedutora e desapegada tal como o
personagem vivido por Claudia Cardinale fizera em O Leopardo (1963), de Visconti. O resultado, em termos
comparativos, é bem canhestro diga-se passagem. O olhar melancólico de Brown –
que se suicidaria 4 anos após – do início ao final é um dos trunfos do filme.
Copa del Oro/The Director’s Co. para Paramount Pictures. 91 minutos.
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