Filme do Dia: Os Desajustados (1961), John Huston
Os Desajustados (The Misfits, EUA, 1961). Direção: John Huston. Rot. Original: Arthur Miller. Fotografia: Russell Metty. Música: Alex
North. Montagem: George Tomasini. Dir. de arte: Stephen B. Grimes & Bill
Newberry. Cenografia: Frank R. McKelvy. Com: Clark Gable, Marilyn Monroe,
Montgomery Clift, Elli Wallach, Thelma Ritter, James Barton, Kevin McCarthy,
Estelle Winwood.
Roslyn Taber (Monroe) é uma recém-divorciada que se envolve
com o vaqueiro Gay Langland (Gable), indo morar com ele em seu rancho em
Nevada. Porém, o que parecia ser inicialmente um paraíso, aproxima-se das
dificuldades que já alertara a amiga de Roslyn, Isabelle Steers (Winwood).
Roslyn terá que lidar não apenas com as bebedeiras de Langland, como com a
forma que Lengland ganha dinheiro juntamente com seus dois inseparáveis amigos,
Perce Howland (Clift) e Guido (Wallach), capturando e vendendo cavalos
selvagens, situação que tornará limítrofe a relação entre ambos.
Mesmo com todas suas fraquezas, esse filme (que se tornou
mais célebre como sendo a última produção em que participaram Gable e Monroe)
não apenas volta a apresentar muitos dos temas recorrentes na filmografia do realizador como
motivos que voltariam a ser retrabalhados, de modo mais amadurecido, em seu
posterior Cidade das Ilusões (1972),
como a cultura do álcool e dos perdedores em uma sociedade completamente
obcecada com o sucesso a qualquer preço. Tal como nos filmes de Hawks uma
mulher vem pôr a prova um universo masculino de códigos e práticas já bastante
enraizadas. Aqui, no entanto, ela não apenas vem pôr a prova como transformar
essas regras, ainda que com certa dose de inverosimilitude, em termos de
conduzir a um “final feliz”. Algo que se destaca aqui é justamente essa
contraposição entre um universo rude e másculo – em um de seus melhores
diálogos Gay/Gable responde as preocupações exageradas de Roslyn/Monroe a
respeito de Perce/Clift com algo como “querida, nada pode viver se ninguém
morrer” – e a sensiblidade feminina e urbana representada por Roslyn. Nesse
universo rude, a presença de Roslyn provoca uma evidente tensão sexual entre o
grupo de amigos e, por outro lado, não há como se fugir de um evidente sexismo,
por vezes corroborado pelo próprio filme, seja através de um plano subjetivo
que privilegia o olhar de Gay sobre a derriére
de Roslyn, seja o momento em que a mesma tem a mesma parte de sua anatomia
estapeada por um anônimo freqüentador de um bar em Daytona em que o grupo se
dirige para um rodeio. Ainda que a extrema sensibilidade de Roslyn descambe
para um certo pieguismo, sendo uma das fraquezas do filme, é justamente a sua
presença – enquanto, de certo modo, elemento civilizador que apontará para o
futuro e novas relações possíveis com o mundo que cerca o grupo – que também o
torna atraente em sua ambiguidade. É evidente a simpatia que, como John Ford,
Huston nutre por esses valores tradicionais, porém como Ford ele também percebe
(ou é pressionado a perceber) uma série de mudanças que põem esses valores em
xeque. O esforço hercúleo de Gay para provar a si mesmo a sua força diante do
animal possui um elemento de honra masculina herdeiro da literatura de
Hemingway. Porém, mais notável do que tudo acima citado no filme provavelmente
seja a sua exuberante fotografia em preto&branco destacando seja a penumbra
ou o intenso branco de suas locações no deserto de Nevada. Destaque para o
momento em que Roslyn abre seu armário e são entrevistas algumas das fotos mais
célebres da própria Monroe como pin up ou
estrela. Huston evidentemente potencializa (ainda que longe da sensibilidade de
um Cassavetes) a dimensão melancólica de Monroe, quando Gay afirma para ela que
nunca vira uma mulher tão triste em sua vida ou ainda o próprio tempo marcado
no rosto cansado e sulcado de Gable, na sua construção de personagens
conturbados. Entre as notórias fraquezas
do filme se encontram o caráter um tanto involuntariamente disperso de sua
narrativa que, seja por motivos de roteirização ou da atribulada produção,
levam a situações ou personagens completamente descartáveis tais como o vivido
pela excelente Thelma Ritter, que simplesmente desaparece da narrativa. Seven
Arts para United Artists. 124 minutos.
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