Filme do Dia: Mishima - Uma Vida em Quatro Tempos (1985), Paul Schrader
Mishima (Mishima - A Life in Four Chapters, EUA, 1985) Direção: Paul Schrader. Rot.Original:
Paul&Leonard Schrader. Fotografia: John Bailey. Música: Philip Glass.
Montagem: Michael Chandler&Tomoyo Oshima. Com: Ken Ogata, Masayuki
Shionoya, Hiroshi Mikami, Junia Fukuda, Shigato Tachihara.
Sem dúvida uma experiência incomum no
panorama do cinema americano dos anos 80, provavelmente Schrader não tivesse
conseguido efetivá-la sem a ajuda dos amigos George Lucas e Coppola. Mishima narra a vida e obra do famoso
literato e agitador cultural através de três linhas narrativas distintas - o
passado (em p&b), trechos inspirados em sua obra literária (em cores
esfuziadamente surreais) e o momento atual (em cores realistas) - no caso 1970.
De certa forma as linhas acabam por se confundirem, sugerindo uma personalidade
em que vida e obra não se distinguiam.
A opção por uma acentuada e impecável
estilização na utilização da cenografia e da fotografia para compor os
episódios inspirados na ficção de Mishima parecem, no mínimo, estranhas quando
lembramos que os livros do autor, impregnados por uma forte predominância do
tátil e sensitivo sobre o descritivo, suscitam um convite aberto à utilização
de locações naturais. Por outro lado, carregando a mão na estilização visual
Schrader não deixa de se aproximar de Mishima, confesso cultor e conhecedor dos
estilos estéticos da arte e cultura que descreve em seus livros. O resultado, talvez também motivado por
questões econômicas, tratando-se de uma produção modesta para os padrões
americanos, ficou longe de ser
insatisfatório. Talvez, no máximo, pretensioso ao tentar traduzir uma
obra marcada por toda uma riqueza de símbolos, signos e da religião, de difícil
transcrição para o cinema, e que são aqui trabalhadas pelo autor em episódios
demasiadamente breves. Esse fato, aliado à exploração de temas que despertam
mais sensação, talvez seja o motivo do cineasta ter centrado fogo na
homossexualidade e, principalmente, obsessão pela morte de Mishima, deixando em
papel completamente secundário a forte ligação de sua obra com a história do
Japão. Quando aproxima-se desta temática só o faz para descrever, de forma um
tanto quanto esquemática, a paixão de Mishima pela tradição dos samurais e pelo
imperador, destroçados pela capitalização do país. Ainda assim um filme
instigante e complexo, que pede um
conhecimento mínimo do expectador sobre o que fala para seu maior
envolvimento.
Admirador
confesso da cultura nipônica, Schrader não perdeu a oportunidade de homenagear
Mizoguchi (além de ter um livro escrito sobre Ozu) com o nome de um personagem.
Também homenageia Tarkovski ao filmar rapidamente no complexo de viadutos de
Tóquio onde foi realizada a mais bela sequência de Solaris. Seu estilo lembra, por outro lado, Peter Greenaway,
também fascinado por culturas ancestrais e com uma ainda mais forte paixão pela
estilização visual, embora com maior carga de experimentação. Ogata realiza uma
excelente interpretação no papel-título. A composição da imagem nas sequências
baseadas nas obras do autor é impressionante, mesclando iluminação, cor,
elementos cenográficos e interpretação dos atores com marcada predominância do
gestual. Embora a linha narrativa que descreva o último dia de Mishima seja
estritamente realista, uma exceção é feita na cena final do harakiri do mesmo
que utiliza trucagens para representá-la com maior carga dramática. Warner. 122
minutos.
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