Filme do Dia: Alemanha, Mãe Pálida (1980), Helma Sanders-Brahms
Alemanha, Mãe Pálida (Deutschland
Bleich Mutter, Al. Ocidental, 1980). Direção: Helma Sanders-Brahms. Rot.
Adaptado: Helma Sanders-Brahms, a partir de um poema de Bertolt Brecht.
Fotografia: Jürgen Jurges. Música: Jürgen Knieper. Montagem: Uta Periginelli
& Elfie Tillack. Dir. de arte: Gotz Heimann. Figurinos: Janken Janssen.
Com: Eva Mattes, Ernst Jacobi, Elizabeth Stepanek, Angelika Thomas, Angelika
Thomas, Rainer Friedrichsen, Gisela Stein, Fritz Lichtenhahn, Anna Sanders,
Sonja Lauer, Miriam Lauer.
Helene (Mattes) casa-se com Hans (Jacobi), que admira por
não ser nazista, justamente no momento em que o nazismo, já devidamente
instalado no poder a certo tempo, descumpre suas promessas de paz e promove a
guerra. Hans parte para a frente de batalha. Lene, como é conhecida, fica
esperando, como a maior parte das mulheres então. Em um de seus retornos, o
casal decide ter uma criança. Essa (Sanders e Sonja e Miriam Lauer), tornando-se
a única verdadeira companhia de Lene no difícil cenário de destruição, fome e
violência – sendo Lene estuprada por dois soldados americanos diante da própria
filha. Hans retorna após certo tempo, porém a vida conjugal para Lene acaba se
tornando o pesadelo que imaginara no período que se encontrava só com a filha.
Tendo sofrido precocemente um derrame e tido sua dentição extraída por completo,
ela se torna crescentemente distante da vida social, por vezes avessa à própria
filha, decidindo por tentar o suicídio.
Iniciando com o poema de Brecht que lhe serviu de
inspiração, recitado pela filha do próprio, esse filme trafega entre a
simplicidade de seu aparente realismo e o modo algo encenado em demasiado com
que os personagens se movimentam em cena, sobretudo em seu início, quiçá tendo
como pretexto sua onipresente narrativa over, efetuada pela filha do casal
protagonista, que proporciona momentos inteligentemente sutis de
auto-reflexividade – como quando a narradora, descrevendo as cenas do casal de
pais recém-casados afirma que ela “se encontra entre eles”, enquanto obstáculo;
algo não apenas evidente através da própria estruturação da sequencia das
imagens como no próprio interior dessas, sendo que a ausência de maior pujança
erótica no encontro entre os dois talvez se dê justamente por estar sendo
imaginado pela filha e – mais importante – tem-se implícita desde sempre que
tal narração é a proporcionada pela filha e não um acesso direto ao próprio
passado. O fato de seus pais não serem simpatizantes do fascismo, por sua vez,
demarca e legitima uma posição de afastamento ideológico com relação a
identidade de um passado traumático, via de regra constante na produção do Novo
Cinema Alemão. Algo que é sublinhado a partir das relações familiares, nas
quais o cunhado e a irmã de Hans são
simpatizantes do nazismo. Por outro lado, do pai, enquanto representação
masculina dominante, sobretudo então, não se poupa o egoísmo e a indiferença
para com a filha, como se essa tivesse roubado de fato o afeto que a esposa lhe
devotava. Simplesmente desaparece em quase todas as situações de tensão.
Destaque para as belas cenas, como a que se observa um grupo de franceses
metralhados a partir da perspectiva distanciada de quem os fuzila e tendo um
belo céu azul ao fundo. Ao contrário do filme de guerra tradicional, o enredo
permanece na esfera doméstica-feminina, não partindo para os eventos bélicos,
que acompanhamos mais através de cenas documentais. O uso constante dessas
pretende enfatizar sua textualidade diferenciada, ainda quando, a determinado
momento, faz com que a personagem vivida por Mattes “dialogue” com um garoto
pertencente a esfera das imagens documentais. Já o laço identitário mãe-filha,
fundamental para um cinema de uma realizadora feminista, torna-se ainda mais
ressaltado pela ausência do pai durante a guerra e, portanto, mais que
justificada na reflexão da filha (décadas após) como não passando “de um
estranho”. O elemento “alienígena”, norte-americano se soma a brutalidade
masculina, a oposição de gênero, para vitimizarem a mulher-nação, no estupro
perpetrado pelos soldados americanos diante da criança, que apenas observa tudo
muda. Quando retorna à razão, Lene apenas comenta patética sobre “o direito dos
vencedores”. Mesmo a solidariedade feminina expressa pela relação mãe-filha
resiste ao crescente embrutecimento da mãe. Dito isso, trata-se de um filme
irregular, no qual algumas de suas melhores opções, como a da interação
constante da narração com as imagens, torna-se menos frequente e
algumas sequencias se tornam demasiado arrastadas, como a do longo conto que a
mãe narra à filha. Helma Sanders-Brahms Filmproduktion/Literarisches Colloquium/WDR para
Basis-Film-Verleih-GmbH. 123 minutos.
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