The Film Handbook#18: Abel Gance

Abel Gance

Nascimento: 25/10/1899, Paris, França
Morte: 10/11/1981, Paris, França

Carreira (como diretor): 1911-71

A despeito de sua longa carreira, foi somente nos anos do cinema mudo que Abel Gance realizou filmes de alguma importância. Em grande parte produto de seu tempo, reflete o interesse na experimentação formal que varreu a intellegentsia francesa nos anos 10 e 20. Em termos de conteúdo, no entanto, seus filmes parecem florescer diretamente dos romances românticos do século XIX.

Tendo atuado em teatro em Bruxelas, Gance passou a vender roteiros para a Gaumont. Dois anos depois, começou a dirigir, e rapidamente se estabeleceu como um dos talentos mais brilhantes de sua geração. Os primeiros filmes, frequentemente marcados pelo respeito de Gance pela Cultura (adaptações literárias e históricas/heróis artísticos se tornaram recorrentes) demonstram seu crescente fascínio com técnicas inovadoras. Em La Folie du Docteur Tube, Gance realizou experiências com distorção de lentes para transmitir um universo de fantasia psicológica; em outros filmes, com ainda mais rápidos e variados padrões de montagem.

A I Guerra Mundial, durante a qual foi intoxicado por gás, parece ter afetado Gance profundamente. Eu Acuso/J'Accuse>1 é um ataque explícito ao desperdício e insanidade da guerra mas, por toda sua grandiloquência, pode-se suspeitar se não de sua sensibilidade, senão sinceridade; para um clímax confessamente agitado, no qual os mortos retornam para indagar se suas vidas foram perdidas de maneira justa, ele escalou soldados franceses que estavam saindo da Guerra. Como se a novidade do efeito cinematográfico fosse mais importante que as emoções que serviram de combustível para a ideia. As ambições de Gance atingiram novos patamares com A Roda/La Roue>2, conto quase zolanesco sobre as paixões grandemente destrutivas que suscitaram em um velho agente ferroviário e seu filho a filha adotiva do primeiro. Se o velho, Sísifo, foi baseado numa combinação de Sísifo, Prometeu, Édipo e Cristo, a trama, que dura cerca de oito horas, é material para o puro melodrama. Mais notável, entretanto, foram seus inovadores ritmos de montagem. Nas sequencias mais dramáticas, como quando Sísifo decide destruir o trem que leva a garota a seu novo marido, a montagem de planos repetidos chega a tal velocidade que as próprias imagens se tornam virtualmente indiscerníveis, transmitindo sentido menos pelo conteúdo que pela forma. O efeito emocional é irresistível, a originalidade inegável.

Gance desenvolveu essa e outras técnicas ainda mais em seu Napoleão/Napoleon vu par Abel Gance>3, uma extensa celebração de seis horas de Bonaparte de sua infância visionária (comandando suas tropas de colegas de escola durante uma batalha de bolas de neve) à invasão da Itália. Um impressionante tour de force técnico, apresenta extravagantes movimentos de câmera, montagem frenética, magnífica reconstrução de época e efeitos de iluminação e, para seu final, com Napoleão avançando sobre a Itália, um revolucionário processo de tela larga - Polyvision - consistindo de três imagens apresentadas em contraponto. A exibição bombástica da forma e do simbolismo, no entanto, ecoa a ingênua adulação chauvinista de Bonaparte como uma corporificação quase divina do espírito revolucionário francês; em última instância, o filme é vanguardista em termos técnicos, mas uma obra moralmente reacionária beirando o fascismo.

Napoleão, tal como existe, foi originalmente planejado como o primeiro de seis filmes recontando a vida e as façanhas do herói endeusado de Gance. Porém o advento do som (para o qual ele experimentaria uma forma de estereofonia) impediu o projeto de ir adiante e seu primeiro filme sonoro, O Fim do Mundo/La Fin du Monde foi mal recebido. Sua carreira nunca se recuperaria, apesar dos diversos melodramas realizados nos anos 30 e 40 ainda exibirem seu desejo de expandir a linguagem do cinema. O Grande Amor de Beethoven/Un Grand Amour de Beethoven>4, ainda que sofrendo da concepção superficial de Grande Artista, fez uso inventivo do som como cacofonia para ilustrar o começo da surdez do compositor. Ao mesmo tempo, Gance retornaria frequentemente de forma obsessiva aos seus primeiros filmes, refilmando Mater Dolorosa e Eu Acuso e remontando Napoleão em duas versões mais curtas.

O entusiasmo cheio de energia de Gance sobreviveu em sua idade avançada; a ideia de ser um grande mas negligenciado artista pode ter tido seu apelo à sua sensibilidade romântica. Pouco antes de sua morte, entretanto, ele teve a felicidade de testemunhar a festejada redescoberta mundial de uma versão restaurada de Napoleão, completa com suas colorações no tríptico final: um testamento duradouro tanto de sua criatividade visual quanto do espirito pioneiro do cinema mudo.

Genealogia
Como membro da vanguarda francesa, Gance pode ser comparado com Jean Epstein, Marcel L'Herbier e mesmo Clair, Renoir e Cocteau. Inspirado pela montagem paralela de Griffith, suas técnicas de montagem são algumas vezes reminiscentes de Vertov, Eisenstein e Pudovkin. De fato, Napoleão (enquanto espetáculo épico hagiográfico mascarado como drama populista) não é distinto de certas obras da propaganda soviética.

Leituras Futuras
The Parade's Gona By (Londres, 1968), de Kevin Brownlow e Abel Gance (Londres, 1984), de Norman King. Brownlow escreveu de como ele restaurou o mais lembrado filme de Gance em  Napoléon, Abel Gance's Classic Film (Londres, 1983).

Destaques
1. Eu Acuso, França, 1919 c/Romuald Joube, Severin-Mars, Marise Dauvray

2. A Roda, França, 1922 c/Severin Mars, Ivy Close, Gabriel de Gavrone

3. Napoleão, França, 1926 c/Albert Dieudonné, Wladimir Roudenko, Gina Manes

4. O Grande Amor de Beethoven, França, 1936 c/Harry Baur, Jany Holt, Annie Ducaux

Texto: Andrew, Geoff. The Film Handbook. Londres: Longmann, 1989, pp.114-5.

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