Filme do Dia: Amei um Bicheiro (1952), Jorge Ileli & Paulo Wanderley

 


Amei um Bicheiro (Brasil, 1952). Direção: Jorge Ileli & Paulo Wanderley. Rot. Orginal: Jorge Ileli & Marcelo Dória, a partir do argumento de Jorge Dória. Fotografia: Amleto Daissé. Música: Leo Peracchi. Montagem: Wilson Monteiro & Waldemar Noya. Cenografia: José Cajado Filho. Figurinos: Gilda Bastos. Com: Cyl Farney, Eliana Macedo, Grande Otelo, José Lewgoy, Josette Bertal, Antonio Simonetti, Aurélio Teixeira, Jece Valadão, Wilson Grey.

Carlos (Farney) não consegue se manter afastado dos negócios ilícitos envolvendo o jogo do bicho, mesmo após ser preso e se afastar da banca de seu ex-chefe, Almeida (Lewgoy), que o havia chamado para um dos cargos de comando, mas que trapaceia para conseguir pagar a operação de sua esposa, Laura (Macedo). Com ajuda da amante de Almeida, Yvonne (Bertal), consegue montar uma banca do jogo ele próprio. E quitar sua dívida com Almeida. Seu mais fiel amigo na empreitada, Passarinho (Otelo), vem a morrer em decorrência de uma batida policial. A pressão se torna mais forte em torno do Carlos, por parte de Almeida, que agora sabe que Yvonne também é sua amante. E por parte da esposa, internada, que lhe faz jurar que abandonará a vida como bicheiro.

Quando o sério-dramático do estúdio se afasta do melodrama, parece que os comentários sobre o país (tão bem elaborados para sua época em Também Somos Irmãos) se tornam mais refratários, e tudo se encontrar submisso aos protocolos do gênero, o policial, e mais particularmente o noir. E isso se estende a tudo, inclusive os elementos cenográficos, como um presídio com cela relativamente decente e dividida apenas entre dois e com portões que abrem e fecham automaticamente, assim como um parlatório para visitas com telas a lhes separem, idênticas aquelas entrevistas tantas e tantas vezes no cinema estadunidense e alhures. E vai muito além, incluindo os contrastes da fotografia, que tornam algo sombrio o solar Rio de Janeiro, em várias cenas. Ou ainda a figura da femme fatale, vivida pela francesa Bertal, de curta carreira, e do criminoso que busca se regenerar, mas rapidamente volta a se enredar com a criminalidade, após sair da prisão – para que, inclusive, exista uma história a ser contada. E a voz over, um tanto episódica, associada ao personagem masculino principal e não a feminina, como o título poderia sugerir. A participação de Macedo é um tanto secundária, inclusive. Também existe o momento do “golpe certo” desferido com o braço e a mão, típico dos filmes-B americanos e utilizado de forma jocosa por Acossado. No meio de tanta absorção do próprio universo do cinema, sobra referências na trama a algo mais vinculado à cultura local, como o fato de tudo gestar em torno do jogo do bicho. Otelo vivencia um breve momento de respiro cômico, com uma situação de duplo sentido que, tal como o elenco, é manifestamente herdeira do carro-chefe do estúdio: a chanchada. Além das comodidades da trama, como a francesa grã-fina que se interessa e leva à cama o herói (algo que nos originais noir tendia a ficar mais subliminar), existe como saída um arranjo um tanto deus ex-machina, que é a grave doença que passa a padecer Laura. Otelo protagoniza uma piada racista consigo próprio. Já a Laura de Macedo verte clichês como se não houvesse um amanhã, apesar de provavelmente só se encontrar viva por conta das negociatas escusas do marido. O filme, no entanto, consegue construir uma atmosfera de envolvimento emocional bastante razoável. Quanto a mais uma vez o título ele pode dar pistas importantes sobre o anúncio antecipado de um protagonista defunto ou, numa aposta talvez mais ousada, significar uma redenção de Carlos, daí o verbo se encontrar no passado, porém pesando contra si toda uma tradição noir de filmes como Amarga Esperança (1948), de Nicholas Ray. Ou, numa terceira, dizer respeito não a Carlos, mas sua esposa, possível vítima de seu envolvimento no mundo do crime. Ou uma quarta, mais modesta e feliz para ambos, que derrubará as três hipóteses e será de fato, a que fechará o filme, demonstrando uma perspicácia, apesar dos pesares postos, em seu título. As mulheres, seja a femme fatale ou até mesmo a mocinha, estão longe de serem passivas, e são as que disparam para valer. Colaboração não creditada no roteiro de Anselmo Duarte. Atlântida Cinematográfica. 88 minutos.

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