Dicionário Histórico de Cinema Sul-Americano#138: Ana Poliak
POLIAK, ANA. (Argentina, 1962). Talvez a realizadora argentina mais experimental dos últimos dez anos, que nega a existência de um "nuevo cine argentino" uniforme, Ana Poliak talvez tenha sofrido por sua independência, não sendo capaz de dirigir um longa após vencer o prêmio principal no Festival Internacional de Cine Independiente de Buenos Aires (BAFICI) por Parapalos. em 2004. Nascida em Buenos Aires, estudou pintura e desenho, fotografia e cenografia, e nos anos 80 começou seus estudos de cinema na escola de cinema nacional Centro de Experimentación y Realización Cinematográfica (CERC), onde realizou uma série de filmes. Dentre estes se inclui sua primeira obra, o silencioso em p&b e 16 mm Caracol (1982), o filme em 35mm El Eco (1984), e o filme-tese em 35mm Suco de Sabato (1987), todos eles demonstrando sua habilidade em enquadrar e compor os planos, e seu interesse em trabalhar com crianças. Durante este período também dirigiu um curta promocional, Balé Bolshoi em Buenos Aires (1986), e um curta documental sobre um artista, Naum Knop, Retrospectiva (1986). Também trabalhou como montadora, enquanto estudante no CERC e, de 1984 a 1988, trabalhou como assistente de direção em oito longas-metragens, incluindo dois dirigidos por Fernando Solanas.
Em 1989, após fundar a sua própria companhia produtora, Viada Producciones, Poliak recebeu fundos de co-produção da Espanha, Grã-Bretanha e Canadá para realizar seu primeiro longa, Que Vivan los Crotos!, retrato documental de Beppo, um errante anarquista, e seus amigos, que andavam pelas ferrovias há vinte e cinco anos. Utilizando reencenações ficcionais de eventos, é uma obra que questiona o testemunho e a memória, enquanto poeticamente explora a paisagem e a busca dos "crotos" (*) por liberdade. O filme foi co-roteirizado e filmado em 35mm por Willi Behnisch. Infelizmente, ainda que o filme tenha ganho o primeiro prêmio Coral para primeira obra no Festival Internacional del Nuevo Cine Latino (Havana, Cuba), em 1990, Poliak não conseguiu distribuir o filme na Argentina, mas continuou a trabalhar como montadora, e finalmente assegurou seu lançamento argentino em 1995.
Para seu projeto seguinte, Poliak levou quatro anos tentando angariar financiamento, conseguindo uma bolsa do Hubert Bals Fund de 25 mil dólares. Após este, outros apoios se tornaram disponíveis, incluindo do Instituto Nacional de Cine y Artes Audiovisuales (INCAA), mas contrariada que teria de realizar um filme que agradasse os financiadores e não a ela, recusou o apoio do INCAA. Como disse em uma entrevista com David Welsh, "Este é o mundo, estou aqui, quero dizer algo, mas não posso." Também escreveu uma carta de recusa ao Hubert Balls Fund, mas não a enviou, e neste momento de crise escreveu as primeiras palavras de seu filme, La Fé del Volcán (2001): "Estou em um andar bem alto, rodeada por vazio, sei que devo pular, mas não sei se preciso pular para fora ou para dentro." Poliak e seu parceiro, Behnisch, filmaram então uma introdução grandemente experimental do filme, consistindo de planos de fotos fixas de janelas, portas, cantos de aposentos, e imagens ocasionais da face ou mão de Poliak. Após o segmento autobiográfico inicial, La Fé del Volcán segue a muito pobre garota de 14 anos, Ani (Mónica Donay) e um amolador de facas, Danilo (Jorge Prado), na faixa dos quarenta, que encontra na rua e de quem se torna amiga. Muito do filme é revelado em planos-sequencias a seguirem os dois personagens, através da câmera na mão digital de Behnisch, nas calçadas de Buenos Aires, intercaladas com planos de detalhes de outdoors, manequins e outras perspectivas que nos levam a questionar o funcionamento do capitalismo.
O plano final, seguindo Ari por trás, ladeando uma rodovia, enquanto parece refletir sobre a sabedoria das palavras de Danilo, demora quase dez minutos, e somos deixados com uma citação de Nietzsche sobre cada um de nós possuir um vulcão interior: "Sei que há algo não vulnereável em mim, algo que pode explodir atráves de pedras." Portanto este filme fascinante, ambíguo, e igualmente socialmente engajado, a emergir dos sentimentos de depressão da realizadora, sempre tentando lidar com a memória da "Guerra Suja", finda com a esperança que as pessoas comuns e destituídas de poder possam valer algo quando se conectam com outros seres humanos. La Fé del Volcán estreou no BAFICI, onde recebeu Menção Honrosa do júri de críticos internacionais FIPRESCI, mas não seria lançado na Argentina senão em outubro de 2002.
Para seu terceiro longa, Parapolos, Poliak recebeu apoio financeiro da Bélgica, Holanda, Suíça e dos Estados Unidos. A escolha por filmar em uma proporção aproximada de 1.8:1 tornou mais pungente o fato de que a maior parte do filme ocorrer no espaço incrivelmente claustrofóbico do final das pistas de boliche, onde adolescentes, rapazes e moças, são empregados para recolocar os pinos após cada bola lançada. Uma vez mais Poliak foca seu olhar poético nas vidas de pessoas pobres e jovens, que lutam de forma otimista para sobreviver ou para elucidar a luta contínua pela liberdade individual. Ironicamente, dado o sucesso doméstico do filme no BAFICI, Parapolos nem foi lançado nas salas de cinemas, nem em qualquer formato de vídeo doméstico. Poliak tem continuado a trabalhar como montadora - papel que sempre efetuou em seus próprios filmes como roteirista/diretora - e em 2009, o 11°BAFICI lhe concedeu uma retrospectiva completa, "vinte anos após seu impetuoso longa de estreia", de maneira a fazer "justiça à realizadora e montadora fundamental para compreender [sic] às múltiplas direções de nosso cinema, de nosso tempo, de nossas possibilidades de liberdade." (BAFICI, Catálogo 2009, p. 245). Ver também Nuevo Cine; Mulheres.
Texto: Rist, Peter H. Historical Dictionary of South American Film. Plymouth: Rowman & Littlefield, 2014, pp. 459-60.
N. do T: moradores de rua ou sem teto, embora o termo pareça possuir uma especificidade muito localizada na língua hispânica, portanto optei por manter o termo original.

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