Filme do Dia: Dois Papas (2019), Fernando Meirelles
Dois Papas (The Two Popes, Reino Unido/Itália,
2019). Direção: Fernando Meirelles. Rot. Adaptado: Anthony McCarten, a partir
de sua própria peça. Fotografia: César Charlone. Música: Bryce Dessner.
Montagem: Fernando Stutz. Dir. de arte: Mark Tildesley & Saverio
Sammali. Cenografia: Véronique Melery.
Figurinos: Luca Canfora & Beatriz De Benedetto. Com: Jonathan Pryce,
Anthony Hopkins, Juan Minujín, Luis Gnecco, Cristina Banegas, María Ucedo,
Renato Scarpa, Sidney Cole, Germán de Silva, Lisandro Fiks.
Os
cardeais se reúnem para a escolha de um novo papa. Há rumores de que ele pode
vir a ser o primeiro papa africano, Turksono (Cole) ou latino-americano, como é
o caso do argentino Jorge Bergoglio (Pryce), mas a escolha cai sobre o ortodoxo
e conservador Ratzinger (Hopkins), consagrado Bento XVI. Bergoglio, tempos
depois, tem planos de se aposentar e compra uma passagem para o Vaticano. Mal
sabe ele que o Vaticano também o deseja por lá. O papa decide se aproximar de
Bergoglio. De temperamentos diametralmente opostos, ambos fazem confissões
sobre erros do passado. Ratzinger por
ter silenciado sobre os escândalos envolvendo abusos praticados pela alta cúria
da igreja, incluindo figuras próximas de si, Bergoglio (Minujín) por sua
postura de mediação mais que de enfrentamento direto durante a ditadura militar
argentina, que lhe custou a prisão e tortura de subordinados jesuítas seus,
assim como a morte de uma cara amiga, Esther (Ucedo). Tendo optado pelo caminho
religioso relativamente tarde, após romper o noivado com Lisabetta (Banegas),
Bergoglio agora terá que lidar com a confissão prévia de Ratzinger, de seu
desejo de renúncia ao cargo, algo inédito em sete séculos de papado e uma forte
propensão a privilegiar alguém com uma postura mais próxima do argentino. É o
que ocorrerá algum tempo depois, com Bergoglio sendo sagrado Francisco II.
Meirelles
parece, bem ou mal – a valer da perspectiva, compreensão do filme ou de trechos
do mesmo – um realizador mais que adequado a comandar essa produção, com seu
populismo pop nitidamente deixando claro sua convergência com a do carismático
Bergoglio, mesmo que sem deixar de se defrontar com a aridez dos excessivos
diálogos de um texto proveniente originalmente de uma peça. E para evitar que
seu populismo em termos de elaboração visual e dramatúrgica redunde em um
perfil demasiado maniqueísta dos pontífices, com Bergoglio o comunicador, o
humano, aberto às questões da contemporaneidade e sedento por transformações no
que há de excessivamente submisso aos rituais que se sacralizaram com o tempo
(vestes e até mesmo o celibato) e Ratzinger como um erudito, admirador de
música clássica e apegado a esses dogmas como se deles dependesse a
sobrevivência da igreja e, em última instância, de si, busca-se, em um segundo
momento, nuançar um pouco tal contraposição. Vividos com brilho e intensidade
pelos veteranos Pryce e Hopkins, que talvez o filme deva mais que tudo – suas
firulas para tentar não fazer adormecer o espectador com os diálogos
excessivos, não deixam de pecar pelo excesso com que buscam os afrescos de
Michelangelo como pontuação dramática, o mesmo valendo para os registros de
arquivos, funcionando melhor quanto mais comezinhos são em sua pretensão – como
as cenas de jogos de futebol – e se tornando gradativamente vulneráveis quando
fazem uso de imagens da ditadura, ou, ainda pior, das injustiças da
globalização contemporânea. E, tal como as imagens de arquivo, os arquivos
sonoros de bandas demasiado populares
(ABBA, The Beatles) são pinçados, em forma de arranjo musical sinfônico ou
vocal, mais que literalmente, como uma peça a mais em uma orquestração que
busca o senso comum, o mediano, e nesse
consegue se resolver melhor que outras produções contemporâneas também de fácil
circulação internacional e visibilidade midiática, também demasiado centradas
em diálogos, como é o caso de O Farol,
que almejam algo mais e conquistam algo menos. As barreiras para se ir além do
que o filme propõe, enveredando por um campo minado que talvez vá além do que
as licenças humanas tornariam mais prontamente aceitas por um público mais
amplo, surgem na supressão sonora dos detalhes da revelação que Bento XVI faz
para o seu futuro sucessor. Existem algumas piscadelas para o espectador
brasileiro contemporâneo, seja na incorporação do hino antifascista Bella Ciao em sua trilha ou na imagem
contrafeita da então presidenta Dilma Rousseff ao entregar a taça da Copa do
Mundo de 2014 nos créditos finais.
Netflix. 125 minutos.

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