Dicionário Histórico de Cinema Sul-Americano#140: Crónica de un Niño Solo
CRÓNICA DE UN NIÑO SOLO. (Argentina, 1965). Talvez influenciado pelo neorrealismo italiano, a nouvelle vague francesa (Os Incompreendidos, de François Truffaut, 1959) e os filmes de Robert Bresson (na França) e Luis Buñuel (no México), o parcialmente autobiográfico Crónica de un Niño Solo (Crônica de um Menino Só), de Leonardo Favio, é uma obra notavelmente original e um filme-chave na história do cinema argentino, assim como mundial, do "terceiro cinema" político. O persoangem principal de Favio, um rapaz chamado Polín (Diego Puente), possui uma idade semelhante ao do Antoine Doinel de Truffaut, e igualmente foge de um reformatório; porém o mundo que encontra fora dos muros da instituição, demonstra-se ainda mais cruel que em seu interior, e o personagem de Polín é dificilmente simpático. Cinematográficamente, Crónica é realista, em sua segunda metade, predominantemente em externas, mais agudamente expressionista em seu início, com câmeras alta e baixa refletindo o opressivo e alienado aprisionamento do protagonista. Pode-se reconhecer o ascetismo de Robert Bresson na escolha cuidadosa das composições de Favio e o empenho solitário de Polín, enquanto pode-se perceber uma forte conexão com a descrição de crianças cruéis de Los Olvidados (Os Esquecidos, México, 1950), de Luis Buñuel. Mas a insistência de Favio em incansáveis descrições - das tentativas de Polín de escapar e sua recusa deliberada de contato social - e sua resistência à sentimentalização e análise põe Crónica à parte de todos seus antecedentes.
O filme se inicia com uma extrema câmera alta obsevando um professor e um aluno, e a câmera inclina-se para baixo, criando uma sensação máxima de aprisionamento, por meio de uma visão vertical de 90 graus. Não há falas. Escutamos apenas o apito do comandante/professor e o movimento dos garotos em resposta: tirando suas roupas e ficando de cuecas; outro apito, deitam-se em suas camas. Os rapazes brigam e Celedon Rosa - apaelidado de Polín - é punido. Forçado a utilizar uma faixa marcando-o como um fugitivo, ele corre sem rumo, iniciando um motivo de "fuga", enquanto a câmera de Ignacio Souto acompanha o menino e apresenta seu ponto de vista das luzes no teto. Injustamente punido outra vez, talvez por bater em seu mestre, seu cabelo é raspado e ele é posto em uma cela. Uma longa cena de sua fuga, contém planos ponto de vista, montagem, movimentos de câmera e enquadramentos dinâmicos, culminando com o movimento de câmera que Polín corre para a rua aberta. Em um ônibus bate uma carteira, e quando vai para casa, para cumprimentar sua mãe, afundada na pobreza, ela permanece fora de quadro, talvez demarcando seu descolamento da família e da sociedade. Ao final, em uma cena idílica, na qual nada nu em um rio, abandona seu amigo aos caprichos de três outros garotos - que provavelmente o estupram - e continua sua jornada picaresca, sendo enganado e perdendo seu dinheiro, libertando o cavalo branco do ladrão de sua carroça, e acabando por ser preso outra vez. Em um divertido plano final, Polín e um policial andam em direção à câmera. Quando se aproximam, o garoto olha diretamente à câmera, que efetua uma panorâmica para seguir o movimento deles, virando à esquerda. Enquanto se encaminham ao fundo, Polín volta-se outra vez para olhar à câmera novamente. Nestes momentos finais de reflexividade, é como se Diego Puente, enquanto o jovem rapaz, confrontasse os realizadores, e por consequencia o público, e questionasse a sociedade argentina por permitir o abandono de crianças à vida criminal. Ainda que Favio não nos peça a se identificar com o garoto senão no extremo final, estamos em seu espaço e somos testemunhas de sua visão subjetiva de mundo do início ao final de Crónica de un Niño Solo, uma das descrições mais honestas e persicazes dos esforços das populações marginalizadas e subproletárias, e das crianças em geral, na história do cinema.
Crónica foi recebido muito positivamente pelos críticos, por sua descrição da juventude rebelde em um ambiente hostil e um médico escreveu a Favio, elogiando a "perfeição clínica" de seu filme. De acordo com Timothy Bernard Crónica foi, "de muitas maneiras o auge do nuevo cine argentino", dos primórdios dos anos 60, a censura piorando após o golpe militar de 1966 e muitos outros diretores (Fernando Ayala, Lautauro Múrua, David José Kohon, Fernando Birri) encontrando dificuldades em continuar a realizar filmes (1996, p. 42). Favio dedicou seu primeiro filme enquanto diretor ao seu mentor, Leopoldo Torre Nilsson, e eventualmente iria ultrapassá-lo e se tornar o mais amado cineasta da Argentina. O início desta trajetória foi bastante auspiciosa.
Texto: Rist, Peter H. Historical Dictionary of South American Film. Plymouth: Rowman & Littlefield, 2014, pp. 194-96.

Comentários
Postar um comentário