Filme do Dia: Bela Vingança (2020), Emerald Fennell

 


Bela Vingança (Promising Young Woman, EUA, 2020). Direção e Rot. Adaptado: Emerald Fennell. Fotografia: Benjamin Kracun. Música: Anthony Willis. Montagem: Frédéric Thoraval. Dir. de arte: Michael Perry & Liz Kloczkowski. Cenografia: Rae Deslich. Figurinos: Nancy Steiner. Com: Carey Mulligan, Bo Burnham, Adam Brody, Connie Britton, Alison Brie, Alli Hart, Chris Lowell, Steve Monroe, Molly Shannon.

Cassie (Mulligan), após ter cursado uma faculdade de medicina, trabalha como atendente de um café e ainda mora com os pais. Em seu tempo livre, marca encontros com homens contra os quais ativa o seu ressentimento contra o suicídio de sua melhor amiga de faculdade, Nina Fischer, após a exposição de uma orgia da qual ela, alcoolizada, foi filmada pelos colegas, vídeo que circulou no grupo. As resistências de Cassie apenas arrefecem quando ela conhece um rapaz com pinta de bom moço, Ryan (Burnham), que mesmo após flagrá-la em uma dessas saídas ocasionais, pretende estabelecer uma relação com ela. Através dele, Cassie fica sabendo que o autor da noitada que levou a amiga a morte, Al Monroe (Lowell), retornou de sua estadia em Londres, para seu casamento. Para Cassie, a ocasião surge como a possibilidade máxima de vingar-se e talvez superar o trauma que carrega consigo desde então, porém as coisas não funcionam exatamente como previra em seu plano.

Há um evidente mérito de se ter guinadas radicais em sua narrativa. Primeiro, quando sai do que poderia se pensar ser uma comédia cínica descerebrada para um drama cínico, logo de início. Depois, quando esse drama cínico se transforma, muito momentaneamente em uma love story, trabalhada de forma igualmente cínica, mas que se imagina que será bastante temporária, até pela forma que é apresentada. Por fim, a radical opção de se eliminar o próprio ponto de vista ao final, provocando um efeito calculado e sentido dessa ausência como reforço significativo desse argumento. E o argumento não poderia ser outro que, homens são porcos chauvinistas, misóginos, violentos e predadores. E , na melhor das opções, como o advogado arrependido ou o namoradinho de  Cassie, dignos de certa autocondescendência da personagem. E as personagens parecem ficar tão chapadas, pelo filme, que corresponde ao ponto de vista de Cassie, quanto a própria Cassie, que apenas tem como único motivo de sua existência, vingar a humilhação e morte de sua melhor amiga. Embora tal obsessão não pareça exatamente verossímil, isso está longe de ser o que mais se torna incômodo no filme, que rapidamente transforma a figura algo enigmática de seu início –  tão aparentemente ímpar quanto qualquer figura feminina (ou masculina) desajustada de Cassavetes, a seu modo e seu tempo bem entendido, e evidentemente sem a finesse e sofisticação daquele, em um ser neuroticamente unidimensional. Ainda por cima movido, como nos velhos tempos, pela motivação psicológica que logo ficamos a par. E conseguindo efetivar uma catarse,  que seria, a seu modo, um happy end, inclusive idealizado como possível dessa maneira – tal como os roteiristas/produtores filmam ou pensam mais de uma versão para o final de seu filme. É muito pouco para servir de antena às malaisies contemporâneas. Pode, no máximo, servir como uma identificação fácil ao espectador previamente motivado para tanto, selada pela doação da própria vida aos ideais que defendia, mas muito pouco para se ir além das certezas que as bolhas das redes sociais, a seu modo, já replicam incessantemente. E isso a partir de recursos um tanto novelescos, em que o domínio de Cassie sobre suas ações, faz com que provoque tiradas humilhantes e triunfais sobre a administradora que fizera vista grossa ao caso, partindo de uma situação de tentar visualizá-la em uma situação semelhante envolvendo sua filha, ou mesmo antecipando uma saída caso sua estratégia não vingasse da maneira como planejara, o que acaba ocorrendo. Ou apresentando assimetrias morais grotescas, pois enquanto a sororidade de Cassie faz com que, em última instância, ela se encontre disposta a perder a vida para vingar a memória da amiga falecida, seu equivalente masculino, em termos de cumplicidade e lealdade, cria o personagem de longe mais caricato do filme, e que rouba a cena do vilão, sendo seu melhor amigo. Destaque para a excelente interpretação de Mulligan, uma das atrizes mais talentosas de sua geração e linha de filmes, assim como pelos pais dela estarem assistindo na TV o clássico O Mensageiro do Diabo, e numa de suas surpresas, a cena de fúria ao som da Liebstood wagneriana. Longa de estreia da realizadora e também atriz. FilmNation Ent./Focus Features/LuckyChap Ent. para Focus Features. 113 minutos.

 

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