Filme do Dia: Mutzenbacher (2022), Ruth Beckermann
Mutzenbacher (Áustria, 2022). Direção Ruth
Beckermann. Rot. Original Ruth Beckermann & Claus Philipp. Fotografia
Johannes Hammel. Montagem Dieter Pichler.
Documentário no qual Beckerman convida apenas
homens para uma espécie de teste de elenco sobre o texto a respeito de uma
libertina da virada do século XX que dá titulo ao mesmo e cuja centralidade é o
sexo. A proposta do ensaio, ou possibilidades de se pensar estes ensaios, traem
um princípio explorado com método por documentaristas como Eduardo Coutinho. E
de fazer os homens, das idades mais diveresificadas, refletirem sobre o
sexo. Homens, individualmente ou em
dupla, sentam-se em um sofá aparentemente antigo – e erótico segundo um dos
primeiros a ser filmado - e leem ou
comentam sobre o texto ou o projeto em si. Um deles, casado, chega a simular
com bastante descrição, após lido o texto, que achou erótico, mas que seria
muito tímido quando adolescente para vivenciar experiência similar, sugerindo a
possibilidade de ser um voyeur da cena, um encontro com outro homem,
este negro e se dizendo mais autoconfiante, e tendo vivenciado fantasias com
sua babá. Outro reflete sobre como serão editadas suas falas e como sua
representação surgirá no documentário. Outro ainda canta o texto, ao lado de um
piano, mesmo piano onde os dois homens anteriormente simularam sua cena de
amor, como se um deles fosse a libertina, mas apenas vendo um segurar a mão do
outro, já que se abaixam e o piano os cobre. O piano vem a ser o outro único
objeto de várias cena no galpão algo descuidado onde se filma. Depois se observa outros como um espelho. Um
homem de meia idade traz observações interessantes sobre o texto, como o que na
época as mulheres ainda podiam se divertir com os homens, já que hoje ele
observa haver uma castração do masculino, no termo masculinidade tóxica, que
não encontra um equivalente feminino e da inexistência do flerte, pois poderá
se voltar contra você (embora ele não pronuncie o termo, como assédio). Seu
colega mais jovem, discorda dele em relação a diversão das mulheres. Um senhor
lê um trecho relativamente longo do livro, com um sorriso ocasional, e ao final
pede desculpas ao gargalhar. O trecho diz respeito a mulher ter que se
satisfazer com outros homens, pois o marido goza muito rapidamente e a deixa
ainda com muito tesão, não aguentando uma segunda rodada, para que ela também
chegue ao clímax, há não ser após ocasionalmente ela fazer sexo oral nele ou
masturba-lo com certa energia. Um homem mais velho, que acredita ser o sexo
hoje mais criminalizado, disse que no pós-guerra as pessoas frequentavam praias
de nudismo, e conta sobre mulheres que se chegavam a ele, buscando sexo, e
tê-lo feito com mãe e uma filha de 14 anos certa vez. Após ler um trecho sobre
um serralheiro que voyeurizava e talvez abusasse ainda mais de uma menina de
cinco anos, a quem a mãe lhe deixava sob cuidados, um homem expressa nojo sobre
o que leu. Um homem mais velho e outro jovem. O mais velho lê uma cena de
incesto entre pai e filha. Acha-a natural e bem escrita. O mais jovem diz que
precisa de um tempo para pensar. O mais velho se lembra dos tempos de um
internato religioso, quando já sabia brincar com seu pênis por baixo dos
cobertores, enquanto acreditava que os outros meninos não. E a sensação de
prazer o fazia sentir estar no caminho certo. A cena de sedução é improvisada
pelo homem mais velho, mas o jovem não consegue fazê-la. Um homem da terceira
idade afirma que há sempre um dedo moralizante a apontar para as passagens do
texto no qual ocorre a violação de uma criança, e isso para ele tende a
obscurecer o restante de tudo. Há também um momento que um grupo grande dos
participantes repete. Num deles, o homem mais velho que tentara seduzir o mais
jovem, faz uma pergunta a ser respondida pelo grupo. Um homem de meia idade lê
um trecho sobre um momento a sós da libertina do livro e um homem. Quando
indagado sobre a motivação sexual específica, após muitas perguntas e erros,
como o uso de chicote ou sexo anal, descobre ela que o desejo dele se
encontrava em fotografá-la nas mais diversas posições. A realizadora indaga do
homem se já havia feito nus, e ele afirma que sim, mas em situações
específicas, com mulheres que sabia que no máximo fariam isso uma ou duas vezes
na vida, e tirando partido das sombras, para mais insinuar que de fato exibir.
A produção do filme enfatiza a resistência do olhar da lente sobre ele. Mas ele
não fraqueja. Pede que seja repetido um momento da fala e a indagação por conta
de um ruído de avião, ruído este não captado na banda sonora. Após dois homens
lerem um trecho na qual um padre faz sexo oral nela, e que ninguém havia feito
até então, os homens discutem sobre o desejo encoberto de homens realizarem
sexo com uma menina, que um deles não quer aceitar nem mesmo como uma faísca do
pensamento. Um homem após ler o texto diz que despertou para o sexo
tardiamente. Que aos 14 anos sentiu nojo de ver uma mulher fazendo um boquete
em um homem. Aos 16, quando viu cena familiar, aí já gostou porque também
passou a fazê-lo, descobrindo-se gay. E chegou a se prostituir, frequentando
banheiros públicos e se oferecendo por dinheiro para homens mais velhos. Dois
jovens, adolescentes ainda, e amigos. Um deles se ri do outro por ele fazer
menção a se massagear para chegar ao êxtase ao invés de punheta ou bater uma.
Pela primeira vez há uma leitura exata do mesmo trecho já lido por outros.
Suscitando reações distintas. No jovem que leu, que lhe faz pensar em várias
experiências vivenciadas por praticamente todos, mas em idades distintas,
reunidas na mesma cena. No maduro lembrar uma experiência da juventude que
jovens entravam em barracas com o objetivo de foder, mas quando ele entrou com
uma amiga apenas ficaram olhando um para o outro sem sequer se tocar. O mais
jovem traz uma observação interessante. Que a sexualidade de sua geração é
assombrada pelo fantasma da performance, extraindo a naturalidade do ato. Um
avô receoso que seus netos eventualmente o vissem pronunciado a palavra boceta
em um texto que considera vulgar, finda por ler um trecho inteiro como se
estivesse sendo penetrado por um homem. E ainda por cima fazendo uma pequena
interpretação vocal das falas da narradora. Trecho que já havia sido lido por
outro. Existem bons momentos e a proposta é mesmo a de um panorama sobre o que
estes homens se encontram dispostos a falar, assim como as “encenações”
coletivas ou em duplas, a recitarem ou bradarem o texto. Fica-se com a
impressão de um insuficiência ao final, também uma característica contemporânea
à época no qual foi produzido. |Ruth Beckermann Filmproduktion. 100 minutos.

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