O Dicionário Biográfico de Cinema#212: Jean Harlow



Jean Harlow (Harlean Carpenter) (1911-37), n. Kansas City, Missouri

A vida impagável de David Stenn e a morte de Jean Harlow - pode ser a última palavra em uma carreira curta e caótica? - torna claro que a criança Harlean, nascida em 1911, já era filha de "Jean Harlow" - Jean Harlow Carpenter, a mãe da estrela, chefe de torcida, carcereira eficaz, que buscava por realização e continuidade. Foi um fator determinante na glória sinistra de sua filha.

Ainda é chocante se dar conta que a famosa Harlow tinha apenas 26 anos quando morreu, ainda que em alguns poucos de seus filmes aparente ainda menos que esta idade. Sua persona na tela não era apenas mundana, salgada e indisfarçavelmente satisfeita com sua própria sexualidade; seu olhar parece ferido pelo conhecimento adquirido com o suor da experiência de alguém de quarenta anos. Nunca há o brilho da juventude ou da inocência. Possuía o corpo de uma jovem mulher - por um momento - mas se oferecia à câmera maternalmente ou como uma prostituta experiente. Sua negligência com a roupa de baixo soa agressiva apenas porque seus seios e as voltas oceânicas de seus mamilos eram tão maduros. O voyeur de cinema prefere uma borda de juventude, que não alcance o quanto é mostrado. Esta dissimulada inocência não era o modo de Harlow. Era muito sincera. Piscava, gostava que seus mamilos fizessem beicinho, como se dissessem, "pegue um bocado disso." E a carga total sempre alimentou a natureza de Harlow como atriz - sua comédia. 

Em um momento glorioso de Dinner at Eight [Jantar às Oito], onde Harlow e Marie Dressler estão conversando -

Harlow: Voce sabia que o rapaz disse que a maquinaria substituirá todas as profissões?

Dressler: Oh, minha querida, isto é algo que você não deve nunca se preocupar.

 Harlow não é apenas uma brilhante e excitante branca. É dificilmente menos radiante ou fofa que Dressler - o corpo voluptuoso, as madeixas em cascata, as bochechas de maçã e a pura diversão crescente de Harlow. É tão roliça quanto as jovens de Boucher - e se expandindo diante de nossos olhos. 

No entanto, raramente parecia bem: seus olhos miravam tristemente das olheiras ao redor, seu cabelo parecia tratado por um maçarico ou por uma fórmula de alquimia - o louro platinado foi uma marca registrada, mas se você observar o rosto, pensará nas associações com tóxicos;  e a pele de Harlow, desde o princípio, parecia inchada e não saudável. Quando a morte adveio, de nefrite aguda, seu corpo estava terrivelmente inchado dos resíduos que não conseguia liberar - foi o mais feio fim para uma deusa, deixando-lhe com a aparência de oitenta anos.

Aos 16 fugiu com um milionário, e após um divórcio rápido, começou a trabalhar como extra em filmes, incluindo The Love Parade [Alvorada do Amor] (29, Ernest Lubitsch) e City Lights [Luzes da Cidade] (31, Charles Chaplin). Trabalhou para Hal Roach em uns poucos filmes de O Gordo e o Magro, e então intepretou seu primeiro papel substancioso na Paramount, em The Saturday Night Kid [Uma Pequena das Minhas] (29), de Edward Sutherland. Mas sua real fama deveu-se ela própria a escolha de Howard Hughes , que a selecionou para substituir Greta Nissen em Hell's Angels [Anjos do Inferno] (1930). Pode não ter agradado Hughes, mas as insensatas aventuras sexuais de Harlow eclipsaram um tanto à dinâmica aérea. Um mestre arbitrário de suas próprias invenções, Hughes emprestou Harlow indiscriminadamente: The Secret Six [A Guarda Secreta] (31, George Hill), The Iron Man [Por Uma Mulher] (31), de Tod Browning; Public Enemy [Inimigo Público] (31), de Wellman; Goldie [Por uma Mulher*] (31), de Benjamin Stoloff; e o maior sucesso de todos, Platinum Blonde [Loura e Sedutora] (31), de Frank Capra, uma genuína comédia sexual, na qual Capra fotografou randomicamente o corpo de Harlow. Um plano, rastreando Harlow, é uma desavergonhada homenagem sexual, um plano numa ilha deserta.

Por esta época, Harlow destacou-se o suficiente para um contrato com um estúdio, e Hughes vendeu-a  a MGM. Seu primeiro filme lá, The Beast of the City [A Fera da Cidade), não foi bem sucedido, mas o seguinte, Red-Headed Woman [A Mulher Parisiense dos Cabelos de Fogo] (32), de Jack Conway, alcançou a notoriedade de incitar o Código Hays a emitir editais contra adultérios não punidos nas telas. Casou-se com Paul Bern, braço direito de Irving Thalberg na MGM, e sobreviveu ao escândalo que seguiu seu suicídio poucas semanas após. 

Bern nunca descansou em paz. Mas seu mistério, torna-se um tanto menos misterioso porque ele e Harlow sempre sonharam em se casar. Bern era um intelectual, um observador, um homem inseguro. Não existe melhor exemplo, na história de Hollywood, do desejo de classe e do sonho de uma vitalidade terrena a fazer uma tragédia. Seria Bern impotente? Poderia Harlow ser tão potente quanto nas telas ou nas grandes fotografias de George Hurrell? Bern possuía uma mulher, com qum não era casado, no passado, que chegou a casa na noite fatídica. David Stenn acredita que as duas esposas se encontraram, e que Harlow se retirou de forma violenta, dizendo a Bern para ordenar a bagunça fora de casa. Então ele atirou contra si, incapaz de parar de se comportar como alguém em um melodrama da Metro. Comprei esta versão: em Hollywood, sempre confiei na resposta simplesmente confusa que no segredo sinistro. Uns poucos dias depois, a companheira não casada se mataria. Harlow seguiu em frente - teve outro casamento, de oito meses, com o cameraman Hal Rosson - agia como uma idiota fora das telas - qual razão melhor para permanecer nas telas o tanto quanto possível? Mas verdadeiramente amou William Powell, ou quem quer que seja. Foi verdadeiramente a criação de sua mãe e de sua própria parvoíce. A MGM tentou maquiar a morte de Bern, mas foi incapaz. Queriam Jean longe do escândalo - então poderiam explorá-la. 

O filme seguinte de Harlow, Red Dust [Terra de Paixões] (32), de Victor Fleming - no qual pela primeira vez contracenou com Clark Gable - foi seu mais desinibido encontro sexual, e a prova mais evidente que era uma mulher que gostava de homens. Foi tanto a atitude de Harlow quanto seu depoimento que atingiram o efeito de franqueza.

Esteve com Gable em Hold Your Man [Para Amar e Ser Amada] (33), de Sam Wood, o agradável China Seas [Mares da China], de Tay Garnett, Wife vs. Secretary [Ciúmes] (36, Clarence Brown), e seu último filme, Saratoga (37, Conway). Em acréscimo a estes, antes de sua morte, fez Bombshell [Mademoiselle Dinamite] (33, Fleming), Dinner at Eight [Jantar às Oito] (33, George Cukor), The Girl from Missouri [Boca para Beijar] (34, Conway), Reckless [Tentação dos Outros] (35, Fleming), com William Powell, no qual casa com o perdulário Franchot Tone e, quando este se suicida, sofre a desaprovação hipócrita das amigas socialites de Tone; Riffraff [Raia Miúda] (36, George Fitzmaurice); Libeled Lady [Casado com Minha Noiva] (36, Conway); Personal Property [Seu Criado, Obrigado] (37, W.S. Van Dyke).

Texto: Thomson, Daniel. The New Biographical Dictionary of Film. N. York: Alfred A. Knopf, 2014, pp. 1149-53. 

(*) N. do E: Curiosamente, segundo o IMDB, ambos filmes lançados com Harlow em 1931 tiveram o mesmo título no Brasil, em uma nada improvável ou possível jogada de marketing de um parasitar o sucesso do outro. 

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