Filme do Dia: A Vida é uma Dança (1940), Dorothy Arzner
A Vida é uma Dança (Dance, Girl,
Dance, EUA, 1940). Direção Dorothy Arzner. Rot. Adaptado Tess Slesinger
& Frank Davis, a partir do argumento de Vicki Baum. Fotografia Russell
Metty. Música: Edward Ward. Montagem Robert Wise. Dir. de arte Van Nest
Polglase. Cenografia Darrell Silvera. Figurinos Edward Stevenson.
Com Maureen O’Hara, Louis Hayward, Lucille Ball, Virginia Field, Ralph Bellamy,
Maria Ouspenskaya, Mary Carlisle, Katharine Alexander.
Judy
(O’Hara) é uma aspirante a bailarina que trabalha como corista do burlesco,
onde faz escada para alguém que não apenas acha insuportável, Bubbles (Ball),
como ainda se engraçou com o playboy que ela estava interessada, Jimmy Harris
(Hayward), em processo eterno de separação de sua esposa, Elinor (Field). Judy
acredita que seu passaporte para a dança chegou quando a professora de dança,
Madame Lydia Basilova (Ouspenskaya), combina de ir com ela até o escritório de
Steve Adams (Bellamy), diretor de uma renomada companhia de dança. Porém Madame
Lydia é atropelada logo ao descerem do ônibus e Judy ao observar os bailarinos
em treino, desiste de ser recebida, por se achar muito aquém do nível técnico
dos mesmos. Ao descer no elevador chama a atenção de Steve, que tenta um
contato com ela, que o repele. Bubbles agora ganha bastante dinheiro como
destaque do burlesco e chama Judy para ser a escada cômica de seu show. Porém o
interesse de ambas, por motivos diversos, em Jimmy, provocará uma briga que irá
parar no tribunal.
Um
verdadeiro tributo ao que Bazin chamaria de “gênio do estúdio” ou um tour de
force visual a demonstrar a pujança de Arzner, uma das duas únicas
diretoras a sobreviver no prolificamente árduo período do cinema clássico
americano? Alguém associaria Cidadão Kane apenas ao gênio do mesmo
estúdio e produzido quase contemporaneamente a esse? Certamente que não. E
certamente que há outros filmes produzidos nele que possuem visualidades
bastante distintas. Há aqui o somatório dessas forças. Presente desde sua virtuosa
e fluida abertura, quando descreve toda a vivacidade – e também tédio, a
depender do estado de espírito de cada um, como Jimmy – que circunda o mundo do
espetáculo e suas coristas. A fotografia é de marejar os olhos e a decupagem
quase um tributo a um padrão de eficiência inigualável no resto do mundo,
levado aqui ao paroxismo (a cargo do futuro realizador, do próprio estúdio
inicialmente, e longa carreira, Robert Wise). Alguém poderia observar a mão de
Arzner, já ao início, na demonstração de desprezo superior pelos homens, da
personagem feminina menos romântica e mais preocupada com sua carreira,
Bubbles. Mas teria mesmo uma inflexão assim tão diferente das dos olhares
masculinos sobre personagens similares? Mais
indubitável é a presença da masculinizada Madame Lydia Basilova – um
espelhamento da própria persona de Arzner. E a mostra-la de uma forma simpática
e generosa, ao contrário de tipos semelhantes, e mais insinuados que Basilova,
como a governanta de Rebecca. Pérfida, por sinal. Curiosamente, no
entanto, terá o mesmo fim das
personagens do tipo então. Uma morte trágica, mais alinhada com os ditames
contemporâneos que góticos. Ao invés de queimada como bruxa em um incêndio,
atropelada por um carro em uma rua nova-iorquina. As mulheres se tornam mais
resilientes às cantadas masculinas em um filme dirigido por uma mulher? A Judy
de O’Brien nega uma carona em meio a forte chuva. Algo que sua antecessora em A
Mancha, de Lois Weber, em situação semelhante, e com chuva até mais fraca,
não o faz. Com a diferença de que ela vem sendo assediada a tempos pelo homem,
ao contrário daqui. E quanto ao comportamento entre as mulheres, embora se
tenha uma briga fenomenal entre as duas personagens femininas principais,
inclusive chegando às vias de fato em um palco, ao final as tensões se
dissipam, e ainda se tem a nota de rodapé, da secretária de Steve, vivida de
forma carismática por Katharine Alexander, sempre disposta a defender a
integridade moral de uma corista contra o preconceito automático do meio, ou puxar
palmas de apoio ao discurso/desabafo de Judy. Há sinais trocados com relação a
sororidade/competição, ou melhor, muito bem demarcados nas convenções de
gênero, as que pertencem ao eixo do bem e
do mal. Ou talvez, em um exercício um pouco mais detido, o que seria
inicialmente apostado como eixos que colocam as duas em polos distintos -de
interesse pela dança, de postura ética, de relação com os homens – é
complexificado, quando se pensa a ajuda que Bubbles propicia a Judy, ainda que
tendo essa que encarar os insultos no palco. E, por outro lado, como não se
indagar da ausência de reação de Judy a morte, na sua frente, daquela que
apostara em seu futuro? Podem ser falhas de roteiro, no último caso, mas que
também sugeririam a possibilidade de leitura a contrapelo, que Judy, a
“idealista”, das duas, estaria tão disposta a tudo quanto Bubbles, por seu
objetivo, inclusive apagar automaticamente a morte que testemunhara. Dito tudo
isso, não se deve deixar de observar, que nem a beleza de sua fotografia, nem a
virtuosidade de sua decupagem escapam incólumes de uma história de triangulação
amorosa, de quarteto, levando-se em
conta o elemento que corre por fora tão pouco estimulante, apesar de
todos os esforços e talento de seu elenco. O bonequinho do touro Ferdinando é
um exemplo precoce de como a Disney (na época distribuída pelo estúdio)
trabalharia a divulgação de seus produtos diversos, atrelados às personagens de
seus filmes, já que é um personagem do curta Ferdinando, o Touro (1938). National Film Registry em 2007.| RKO
Radio Pictures. 90 minutos.
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