O Dicionário Biográfico de Cinema#171: Sir Charles Chaplin



Sir Charles Chaplin (1889-1977), n. Londres

1914: Making a Living [Carlitos Repórter]; Kid Auto Races at Venice [Corrida de Automóveis para Meninos]; Mabel's Strange Predicament [Carlitos no Hotel]; Between Showers [Dia Chuvoso]; A Film Johnnie [Joãozinho na Película]; Tango Tangles [Carlitos Dançarino]; His Favourite Pastime [Carlitos Entre o Bar e o Amor]; Cruel, Cruel Love [O Marquês]; The Star Boarder [Carlitos e a Patroa]; Mabel at the Wheel [Carlitos Banca o Tirano]; Twenty Minutes of Love; Caught in a Cabaret; Caught in the Rain; A Busy Day; The Fatal Mallet; Her Friend the Bandit; The Knockout; Mabel's Busy Day; Mabel's Married Life; Laughing Gas [Carlitos Dentista]; The Property Man [Carlitos na Contrarregra]; The Face on the Bar-Room Floor; Recreation; The Masquerader; His New Profession; The Rounders; The New Janitor; Those Love Pangs; Dough and Dynamite; Gentlemen of Nerve; His Musical Career; His Trysting Place; Tillie's Punctured Romance; Getting Acquainted; His Prehistoric Past. 1915: His New Job; A Night Out; The Champion [Campeão de Boxe]; In the Park; The Jitney Elopement (*); The Tramp; By the Sea; Work; A Woman; The Bank; Shanghaied; A Night in the Show [Carlitos no Teatro]. 1916: The Burlesque on Carmen; Police; The Floorwalker [Carlitos no Armazém]; The Fireman [Carlitos Bombeiro]; The Rink. 1917: Easy Street [Rua da Paz]; The Cure [O Balneário]; The Immigrant [O Imigrante]; The Adventurer [O Aventureiro]. 1918: Triple Trouble; A Dog's Life [Vida de Cachorro]; The Bond; Shoulder Arms [Carlitos nas Trincheiras]. 1919: Sunnyside [Idílio Campestre]; A Day's Pleasure [Um Dia Bem Passado]. 1920: The Kid [O Garoto]; The Idle Class [Os Clássicos Vadios]. 1922: Pay Day [Dia de Pagamento]. 1923: The Pilgrim [Pastor de Almas]; A Woman of Paris [Casamento ou Luxo]. 1925: The Gold Rush [Em Busca do Ouro]. 1928: The Circus [O Circo]. 1931: City Lights [Luzes da Cidade]. 1936: Modern Times [Tempos Modernos]. 1940: The Great Dictator [O Grande Ditador]. 1947: Monsieur Verdoux. 1952: Limelight [Luzes da Ribalta]. 1957: A King in New York [Um Rei em Nova York]. 1967: A Countess from Hong Kong [A Condessa de Hong Kong].

O apelo mundial de Charles Chaplin e suas persistentes dificuldades estavam na medida do que sempre viveu, em um reino seu próprio - aquele do delirante egotismo. Há algo mais típico ou peça mais reveladora do clássico Chaplin que One A.M. [Carlitos Boêmio], no qual ele existe em virtual isolamento por quinze minutos, executando cada variação sobre o tema do bêbado voltando para casa? E é como um dançarino em um bar, confrontando a si próprio no espelho.

A lista acima inclui filmes do início da carreira, dos quais Chaplin era apenas ator, e que eram creditados a diretores como Mabel Normand ou Mack Sennett. Mas para o mundo e para o próprio Chaplin cada filme no qual aparece era seu. Em A Condessa de Hong Kong, ele demonstrava cada detalhe da empreitada para Marlon Brando e Sophia Loren copiarem o melhor que pudessem; e Chaplin, o ator, tem uma personalidade arrogantemente cativante que transforma seus filmes em pieguice. Chaplin foi levado a dirigir por conta de ser uma extensão lógica do poder que obteria sobre a atuação. Portanto há um paradoxo entre o lamentável simplório do personagem do vagabundo e da curiosidade lúcida com o qual Chaplin, o diretor, e proprietário do filme, incita nossa reação. Há um momento fascinante em sua autobiografia, quando nos conta que aos cinco anos foi forçado ao palco de um music-hall, quando a voz de sua mãe falhou e foi vaiada pelo público insensível. A criança foi adiante e executou uma canção:

No meio do caminho uma chuva de dinheiro caiu no palco. Imediatamente parei e anunciei que iria pegar o dinheiro primeiro e cantar depois. O que causou muita gargalhada. O gerente de palco veio com um lenço e ajudou-me a recolhê-lo. Eu pensava que ele estava indo para pegá-lo. Este pensamento foi transmitido para o público e aumentaram suas gargalhadas, especialmente quando ele saiu do palco com ele, comigo seguindo-o ansiosamente. Não antes de entregá-lo nas mãos de minha mãe eu retornaria e continuaria a cantar. Estava em casa. Falei ao público, dancei e fiz diversas imitações, incluindo uma da mãe cantando sua marcha militar irlandesa.

Uma série de inferências pode ser legitimamente baseada nesta passagem, que lançam luzes na carreira posterior de Chaplin: 

Primeiro, a vida pregressa de Chaplin foi um tempo de dificuldades emocionais consideráveis. Seu pai abandonou a família quando ele era criança e posteriomente morreu de alcoolismo. A tensão afetou a sanidade de sua mãe, cuja carreira no music-hall foi arruinada. Quando ela teve que de  ir para um asilo, Charlie foi enviado a um orfanato - isto depois de ter nascido em uma casa de distinção o suficiente para ter uma criada. Ele não nasceu desprivilegiado, porém viu sua família perder quase tudo enquanto ainda criança. "Estava em casa" no palco é não apenas uma conclusão narrativa da primeira parte de Minha Autobiografia**, como o escape emocional de tal perda e dor reais. 

Segundo, há em Chaplin uma estranha mescla de charme recatado e de um frio sem coração, e isto não é muito improvável de se ver como uma resposta ao sofrimento infligido a uma criança sensível e solitária. O páthos na obra de Chaplin é sempre focado em si próprio. Esta lembrança da tranquilidade de sua primeira aparição no palco é colorido pelo drama de uma criança enfrentando uma multidão, pelo romance da defesa de sua mãe, e então pela revelação inconsciente que passou a imitá-la para ganhar mais aplausos. 

Chaplin adorava sua mãe, e seus filmes cultuam mulheres com uma insinuante admiração, mas aleijada. As belas mulheres em seus filmes são não apenas mulheres dos sonhos que Charlie amava à distância, mas emblemas de uma graça que ele aspira. A delicadeza das próprias características de Chaplin, a doçura italianada de seus gestos e, sobretudo, o luar após o enevoado contentamento emocional são características femininas enquanto concebidas por um homem exótico. De fato, a persona de Chaplin é frequentemente muito próxima da sentimentalidade do século dezoito: um belo sonhador maneirista que treinou a si próprio na sensibilidade emocional que algumas vezes envergonharia uma mulher com seu refinamento. A história da bissexualidade no cinema se inicia com Chaplin, e a impressão de sofisticação que deu a sua obra inicial é menos a qualidade de seus filmes que seu próprio refinamento querubínico em meio a tantos assaltos. 

Mas a crueldade em Chaplin é também feminina, impetuosa, e instintiva. Chaplin foi sempre vingando-se de homens brutos e feios. Seu pastelão é frequentemente violento e uma das imagens duradouras de Chaplin, é da bailarina de  sapatos de ponta afiada chutando a bunda de um bandido. Como um mimo, ele usou a personificação como uma arma. O mais famoso exemplo disso é a caricatura de Hitler em O Grande Ditador. Mas como ele é preparado e capaz de imitar a mãe aos cinco anos, o vagabundo relaciona-se com o mundo exterior através de sua habilidade de dominá-lo com mímica. 

Tal egotismo expressa a hostilidade de Chaplin com o mundo, e sugere o quanto seu retrato do homem comum favoreceu o desejo de reconhecimento de públicos anônimos. Semelhantemente, a melancólica admiração de Chaplin das mulheres parece, em última instância, mais bonita e rarefeita que qualquer mulher é capaz de - como testemunha o último e trêmulo primeiro plano de Luzes da Cidade. O homem comum de Chaplin era tão distante de Hitler? Ele fala para sentimentos desapontados, brutalizados, e falidos e vê que através do cinema podia inventar um universo de devaneio no qual o vagabundo floresce e no qual seu ethos completo de auto-piedade é justificado.

Terceiro, em sua linha "[e]ste pensamento foi transmitido ao público", há uma apreciação inicial do desejo de sinalizar uma emoção e risos ao público. O famoso olhar do vagabundo à câmera, com todo o seu sorriso, é um arrebatamento agudo de simpatia. Assim como Carlitos no Teatro - o filme do mais bem sucedido ato de music hall de Chaplin - como o dândi bêbado na galeria do teatro destruindo o palco do espetáculo, ele olha para a câmera como se dissesse: "Podemos? Vamos...", então o universo privado de Chaplin é aquele sobre o qual somente poderia atingir através da retórica pessoal. Ele não faz uma consideração artística ou cômica sobre o mundo, mas canaliza através dele próprio e este momento demagógico quando sabe ter a atenção do público. O instinto para esta atenção é central para as obras cinematográficas, e acredito que Chaplin compreende anos antes de qualquer um o modo que o público poderia se identificar com a estrela. E não é acidental que frequentemente empregue seqüencias oníricas em seus primeiros filmes - por exemplo The Bank e Carlitos nas Trincheiras. Intuitivamente, percebeu quão pronto os espectadores teriam suas fantasias satisfeitas. 

Mas este instinto geralmente é destituído de inteligência artística, real simpatia humana, e mesmo humor. O isolamento de Chaplin impediu-o de trabalhar com quem quer que fosse. Ele precisava preencher toda função criativa de um filme, fosse ela roteirização, composição das trilhas ou direção de atores. Isolou-se igualmente, no sentido de que seus filmes posteriores aparenteram ser desgarrados de qualquer período ou realidade tanto quanto os iniciais. Esta sensação estranha se tem lendo os últimos segmentos de Minha Autobiografia - que Chaplin ainda era incapaz de apreciar o mundo de outra forma que em seus próprios termos sendo confirmada pelos filmes que supostamente lidam com problemas do mundo, mas em um ambiente social que parece crescentemente implausível. Somente um grande egotista poderia ter feito filmes tão pouco específicos quanto Luzes da Ribalta, Um Rei em Nova York e A Condessa de Hong Kong. Naturalmente, a comédia poderia ser seu próprio mundo, mas Chaplin parece inocente das realidades de lugar, tempo, personagem e situação. E, ao final, tal dormência é perturbadora, tal como a velhice estranha do ator parecia irreal e ilusória. Mais e mais com esta fina e não localizada voz, sempre falando o dicionário, e com a beleza dos cabelos prateados intocada, Chaplin se assemelha a um grande instinto estreitado pela ausência de outras qualidades que amadureceriam um artista.

Seus últimos filmes são medonhos, e são poucos e distantes uns dos outros. A obra inicial me parece rasa, quando posta ao lado dos filmes de Keaton ou dos Irmãos Marx. Mas os primeiros curtas possuem uma estranha sofisticação que derivam da habilidade intuitiva de Chaplin de aliviar-se nas mentes do público. Suas piadas são geralmente sentimentais e repetitivas, mas a tentativa dele de jogar charme ao espectador é magistral. Estas conclusões recorrentes que abrem com uma íris na figura de Chaplin se distanciando de nós são engenhosos amparos de nosso próprio senso de perda e nossa esperança que retornará logo. E como um ator/performer que impôs a uma multidão ao redor do mundo a ideia do pequeno homem oprimido, Chaplin pode ser a mais famosa imagem do século XX. E é uma história maravilhosa e intrigante, e que necessita de biografias maiores para reparar as inconsequencias da maior parte de seu próprio livro. 

Os fatos da carreira de Chaplin confirmam amplamente a teoria da abstração arrogante do mundo. Viajou pela América com Fred Karno duas vezes antes de 1914, quando foi trabalhar para Sennett na Keystone. Em 1915 mudou-se para a Essanay, agora roteirista e diretor de seus próprios filmes. Seu salário ascendeu prodigiosamente quando em 1916 foi para a Mutual. A partir de 1917 estava produzindo seus filmes independentemente, sendo contratado pela First National. Então, em 1919, foi um dos membros fundadores da United Artists, para o qual Casamento ou Luxo foi seu primeiro filme. Foi também seu primeiro filme de longa metragem. Depois disso, em cinquenta anos, ele realizou somente dez filmes. Crescentemente, por volta do período 1935-50, sua insatisfação com o mundo foi veiculada  em filmes. Como a maioria dos homens instruídos, temeu o progresso e a agonia de escolher entre o capitalismo e o socialismo. Foi somente a petulância que o fez resistir ao som até 1936, e então horrivelmente fez mau uso dele. O Grande Ditador é uma extraordinária mescla de mímica cômica, construção hesitante e um embaraçoso discurso ao final. 

A crise em sua vida veio após a guerra. Monsieur Verdoux é de longe seu filme mais interessante, a história de uma figura como Landru e é somente uma expressão não dissimulada de seu desgosto pelas mulheres e pelo mundo. Por esta época era levemente simpático ao comunismo e, em 1952, escolheu,  abandonar a América, ferido pela hostilidade oficial. Sua filosofia política, na verdade, trivial e sua mudança agora como para um retiro final na enevoada terra do cuco na Suiça. Tão cedo quanto Rua da Paz, a sensibilidade arredia de Chaplin descreveu uma cidade intratável, dominada por valentões, que o tira Charlie tornou seguro para o burguês andar. O retorno de Chaplin à Europa foi um lamenável gesto que somente poderia, eventualmente, induzir a uma mudança culpada do coração na América. Na verdade, Chaplin é o emimente louco político do século, o demônio vagabundo. E é um personagem baseado na crença da existência de "pessoas menores". Enquanto a arte deveria insistir que as pessoas são da mesma dimensão.

Texto: Thomson, David. The New Biographical Dictionary of Film. N. York: Alfred A. Knofp, 2014, pp. 452-57. 

(*) N. do E: No IMDB A Jitney Elopement

(**) N. do T: No Brasil, lançado como História da Minha Vida; preferi manter a tradução literal, por achar que provoca um vínculo maior com o contexto onde vem a ser citada.

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