Filme do Dia: Sob o Domínio do Medo (1971), Sam Peckinpah
Sob o Domínio do Medo (Straw Dogs, Estados Unidos/Reino Unido,
1971). Direção: Sam Peckinpah. Rot. Adaptado: David Zelag Goodman & Sam Peckinpah, baseado no
romance The Siege of Trench´s Farm,
de Gordon Williams. Fotografia: John Coquillon. Música: John Coquillon.
Montagem: Paul Davies, Tony Lawson & Roger Spottiswoode. Dir. de arte: Ray
Simm & Ken Bridgeman. Com: Dustin Hoffman, Susan George, Peter Vaughan,
T.P. McKenna, Del Henney, Jim Norton, Donald Webster, Ken Hutchinson, Peter
Arne.
O americano David Summer (Hoffman)
decide morar em um pequeno vilarejo inglês com sua esposa inglesa, Amy
(George). David sente um clima de hostilidade por parte dos homens do pacato
vilarejo, sobretudo os que trabalham completando a reforma da casa. Ele é matemático e passa boa parte do tempo
tentando resolver seus cálculos, para a aflição de Amy. Entre os homens que
trabalham na casa se encontra Charlie Venner (Henney), ex-amante de Amy e com
que ela acaba voltando a se encontrar, enquanto o marido saiu para caçar com os
outros trabalhadores. Charlie a força a ter sexo com ela, porém o estupro de
fato ocorre com a chegada de Norman (Hutchinson), que aponta a arma para
Charlie e a violenta. Irritado com a troça que fazem de sua falta de jeito e
inadaptação aos costumes locais, David despede todos os trabalhadores. O
patriarca da cidade Tom Hedden (Vaughan), tio de Charlie, sabe do sumiço de sua
filha, Janice. Suas suspeitas imediatamente recaem sobre John Niles (Arne),
tido como pedófilo. Niles, após matar Janice, parte desorientado. A neblina faz
com que acabe sendo atropelado por David que o leva para casa. Quando Hedden
descobre onde se encontra Niles ele parte com todos os trabalhadores que haviam
sido demitidos por David para sua casa. David não os permite entrar e um
conflito sanguinolento se instaura, sendo a primeira vítima o prefeito John
Scott (McKenna), que fora até lá tentar apaziguar os ânimos.
Juntamente com Meu Ódio Será Tua Herança (1969), provavelmente o filme mais famoso
de Peckinpah. A sufocante tensão que o impregna desde o início culmina numa
violência cuja complexidade, tal como a de Rastros de Ódio (1956), agrega todo o clima americano contemporâneo de protestos e
da Guerra do Vietnã – tensão aliás curiosamente referida por dois operários que
perguntam se ele havia ido se refugiar lá para fugir da violência americana; ao
que David responderá que somente a conhecia entre os comerciais de tv. O filme,
antes de mais nada, representa a paranoia de uma masculinidade ameaçada pelos
valores civilizados que a deixa a mercê da selvageria. E a forma que a lei, a
razão e um pensamento aparentemente mais progressista tem para enfrentar o rude
conservadorismo reinante nesse universo hostil, no limite, apela a uma dose de
violência ainda maior. O verdadeiro massacre perpetrado por David Summer, rito de provação de sua
masculinidade para sua aturdida esposa que o chamara e a si própria de
covardes, é também uma ironia com o próprio humanismo e apego a legalidade que,
em nome desses valores, provoca muito mais mortes do que a própria violência
dos caipiras. A misoginia e o cinismo que estão presentes do início ao final do
filme tampouco deixam de flertar com os rudes homens que fazem gracejos do “civilizado” protagonista, vivido
brilhantemente por Hoffman, ainda que não de modo abertamente simpático para
com os “invasores” como é o caso de Armadilha do Destino (1966), de Polanski. Tampouco lá como aqui, ocorre esse
processo, pouco verossímil em termos dramáticos mas não pouco improvável, de
transformação de um pacato cientista em um sanguinário matador – apesar do
equivalente, bem mais patético, de Summer matar, ele em nenhum momento deixa de
ter a mesma aparência amedrontada. O que não importa, ao final das contas, pois
Peckinpah não tem pretensões realistas. O meio-sorriso do protagonista ao final
e sua afirmação de que tampouco sabe para onde está seguindo soa como um
auto-consciente tributo aos indômitos heróis dos faroestes que Peckinpah tanto
admirava, ironicamente encarnado no ator-personagem mais distante de tal
perfil. Como se o tímido homem comum de
classe média pudesse agora ascender ao patamar dessas figuras lendárias. As
gráficas seqüências de violência em câmera lenta, marca registrada do
realizador, mesmo que não tão presentes, também fazem parte da alucinante
seqüência final, assim como uma montagem bastante dinâmica, presente igualmente
na seqüência da festa na igreja, para representar o mal-estar de Amy ao
reencontrar seus estupradores. Por conta dessas cenas sua versão em DVD foi
vários anos proibida na Inglaterra. ABC Pictures/Amerbroco/Talent Associates
para Cinerama Releasing Corp. 118 minutos.
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