Filme do Dia: Triângulo da Tristeza (2022), Ruben Östlund
Triângulo da Tristeza (Triangle of Sadness,
Suécia/França/Reino Unido/Alemanha/México/Turquia/Grécia/EUA/Dinamarca/Suíça,
2022). Direção e Rot. Original Ruben Östlund. Fotografia Fredrik Wenzel.
Montagem Mikel Cee Karlsson & Ruben Östlund. Dir. de arte Josefin Ǻsberg,
Gabriel de Knoop & Daphne Koutra. Figurinos Sophie Krunegård. Maquiagem e cabelos Stephanie Gredig. Com Charlbi Dean, Harris Dickinson, Woody Harrelson,
Zlatko Buric, Dolly De Leon, Alicia Eriksson, Carolina Gynning, Vicki Berlin,
Jean-Christophe Folly, Sunnyi Melles, Hanna Oldenburg, Arvin Kananian, Oliver
Ford Davies, Iris Berben, Henrik Dorsin, Amanda Walker.
O casal de modelos Yaya (Dean) e Carl
(Dickinson) tem um momento de forte tensão, após Yaya não parecer ter dinheiro
o suficiente para pagar o sofisticado restaurante ao qual convidara o namorado,
mesmo ganhando mais que ele. Após uma explosiva discussão no hotel, o casal
volta a se encontrar no quarto de hotel tempos depois, e Yaya admite saber que
não tinha dinheiro o suficiente para pagar o jantar, mas que fora um teste para
caso ela venha a engravidar e se afastar do mundo da moda. Como Yaya é também
influencer, ambos conseguem passagens em um iate de luxo, no qual convivem com
figuras como o empresário do Leste Europeu que diz vender merda (adubo),
Dimitry (Buric), o casal que vende armamentos bélicos Winston (Davies) e
Therese (Berben), o milionário Jarmo (Dorsin), a mulher de Dimity, Vera
(Melles) e a vítima de um derrame Clementine. O comandante (Harrelson) se
recusa a aceder aos apelos da coordenadora geral dos tripulantes, Paula
(Berlin) e sair de sua cabine. E quando decide, numa quinta-feira, é justamente
o dia que estava previsto uma maior agitação do mar. A previsão se concretiza,
provocando muito vômito e desarranjo entre os seus ricos convidados, enquanto o
capitão e Dimitry se divertem, embriagados, no sistema de som do mesmo, e os
convidados deslizam no mar de lama e vômito. A aproximação de uma embarcação
pirata joga uma granada contra o navio, que explode, provocando a sua
submersão. Alguns conseguem sobrevivem e reconstruir suas vidas em uma ilha
desabitada. Nesse pequeno grupo se encontra Yaya, Carl, Dimitry, Paula, Jarmo,
Clementine, o caldeireiro que acusa de preconceito quem lhe chama de pirata,
Nelson (Folly) e a dinâmica líder das camareiras Abigail (De Leon).
Decepcionantemente tão perdido quanto
a nau que surpreende (?) a todos na noite de jantar. A isso se soma um
comentário social trivial, que vale para um momento de revanche na ilha, quando
uma até então apagada Abigail se torna a liderança, por conseguir ter acesso ao
bem mais necessitado por todos: peixes. Se a revolta ludista nem de longe
ameaçou o capitalismo o que dizer do sofrimento infligido a este grupo de
bilionários (e alguns penetras como o casal de modelos) e, de quebra,
representantes da branquitude, elegância e europeísmo, a serem espezinhados em relação a figuras como a
trabalhadora, mulher e oriental Abigail? A primeira cena do filme seria uma
tentativa de súmula do que está por vir? Nela, ao final, encontramos um
descamisado Carl, em meio a outros jovens atraentes, tendo que fazer uma cara
simpática ou de macho enfurecido, a depender da marca ser Balenciaga ou uma
popular. O filme, como outros de Östlund, pretende-se situar neste entreposto
incômodo entre o riso e a sisudez? Não parece ser o caso. Há cenas efetivamente
divertidas, outras nem um pouco – como a de uma senhora, de quem posteriormente
seu marido encontrará o cadáver, e de quem tirará as joias em meio as carícias,
patinando em seus próprios excrementos, e com o avario do navio, indo trombar o
próprio corpo contra a parede várias vezes – e outras que são apenas
aborrecidas, como a dos dois bêbados a fazerem uso do sistema de som do barco.
Voltando ao momento inicial, sua inteligência consiste em apresentar uma
plateia excludente, a depender da alteza das celebridades em questão, para um
desfile que irromperá pregando a igualdade pouco depois. É isto mesmo? Porque
se o for, Sergio Bianchi consegue fazer algo de longe mais inteligente e
provocador. Seu sistema de divisão por partes também sugere uma paródia do uso
mais ou menos recorrente de tal recurso por alguns realizadores autorais
contemporâneos, a exemplo de Lars Von Trier. Porém se divide, tal como o mundo
pretensamente criticado pela produção, de forma desigual, com uma parte mais
curta (Carl & Yaya), outra bem mais longa (O Iate), e uma
terceira mais ou menos equiparável a segunda, senão ainda mais longa (A Ilha),
um pouco mais divertida que as anteriores. Os princípios poderiam ser os do
Buñuel de O Anjo Exterminador. A pose e o parasitismo da elite global se
vê alimentada, e evidentemente subordinada, a uma chefe de camareiras, que
escolhe Carl como prenda. Retirada a referência a ser uma mulher (a criar um
“matriarcado” nas palavras de Yaya), encontramos o mesmo princípio de uma
situação como a trazida mais de meio século antes por uma produção britânica
nada pretensiosa, ou ao menos aos olhos da época desta segunda produção assim
parece, O Mordomo e a Dama, hoje virtualmente esquecida. Com o
diferencial que a produção britânica, baseada em uma peça do início do século
XX, se resolve de forma mais econômica,
envolve mais o espectador e o cansa menos. Até mesmo nesta construção sobre o
reverso da fortuna em situações limítrofes, há arestas propositais, que não diz
a que vieram, como a do milionário Jarmo, capaz de matar um jumento, com
quantidade de carne bem mais ampla que os parcos peixes trazidos por Abigail,
mas depois nada vemos seja em termos de consequência imediata para além da
comemoração coletiva, de um banquete ou de seu crescimento de status no grupo.
O que também vale para seu final em aberto. E sua vitória de um dos prêmios
mais cobiçados da indústria e indicação para vários outros sinaliza para uma
desorientação destes mecanismos de valoração de segmentos dela em tempos de
crise. Uma vez mais tão baratinados quanto os sistemas sociais e políticos à
mercê da economia que o barco meio que propositalmente à deriva sugere. A bela
Charlbi Dean faleceu precocemente pouco após a estreia do filme. Palma de Ouro
em Cannes. |Imperative Ent./Film i Väst/BBC Films/30 West/Plattform
Produktion/Essential Filmproduktion GmbH/Coproduction Office/SVT/ZDF-Arte/Arte
France Cinéma/TRT/DR. 147 minutos.
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