Diretoras de Cinema#10: Ulrike Ottinger

 


OTTINGER, Ulrike (1942-). Alemanha. Ulrike é conhecida como a rainha do cinema underground berlinense. Seu filme feminista lésbico Madame X - Eine Absolute Hersscherin [Madame X - An Absolute Ruler] é internacionalmente celebrado como a corporificação do feminismo surrealista e o melhor do cinema queer (White, Weiss). Os filmes de Ottinger imaginam alegorias útopicas feministas onde as mulheres confrontam as políticas do prazer unindo à questão a história da arte, práticas etnográficas e a noção de poder. Ottinger nasceu Ulrike Weinbery em Constance, Alemanha, em 1942. Estudou arte e trabalhou como artista plástica e fotógrafa antes de se mover para o cinema. Viveu em Paris entre 1962 e 1968, onde se envolveu com o teatro experimental e "happenings", assim como com fotografia. A seguir voltou à Alemanha após as autoridades parisienses confiscaram o roteiro para seu filme Laokoon & Sohne [Lacoon and Sons], filme que questiona a história do cinema e do gênero fílmico. Na verdade, Ottinger estava forjando seu estilo pessoal de cinema anti-narrativo.

Os filmes de Ulrike Ottinger, como muitos outros filmes do Novo Cinema Alemão,  preenchem uma lacuna entre o teatro e as tradições do cinema. Seus filmes não somente questionam as práticas cinematográficas, mas também rejeitam e parodiam as convenções do cinema de arte. Madame X, por exemplo é uma comédia do Novo Cinema e desconstrução do movimento de mulheres. No filme, uma rainha pirata viaja para uma ilha nos Mares da China, onde encontra um local habitado por turistas mulheres. Ottinger descreve a trama em uma sentença como "um confronto com a natureza do movimento de mulheres". Como Patricia White observa, as mulheres de Ottinger não são nem "realistas" nem "alegóricas". "Funcionam como tantas figuras em uma mise en scene de corpos femininos que trabalham (...) através de cenários de desejo, dentro do pano de fundo fantástico do navio pirata, do movimento feminista, e da utopia lésbica." As  mulheres terminam por refazer as estruturas de poder do patriarcado que tentam escapar. Morrem e são ressuscitadas. Ottinger disse a Marc Silberman que "achava irrealista realizar um filme no qual a revolta das mulheres triunfasse gloriosamente." (1993, 207). Explica o quanto o filme é situado dentro de um contexto de problematização do movimento de mulheres: 

  Eu acho o movimento em si muito importante, mas ainda preciso criticá-lo com delicadeza. Temos dado pouca atenção ao poder das estruturas tradicionais." (p. 207).

Madame X não somente critica as estruturas de poder do movimento de mulheres, mas também apresenta a sexualidade feminina como inerentemente definida pelo poder. Como Andrea Weiss observou, Ottinger abriu um novo território na sexualidade lésbica, "rejeitando a seriedade com a qual a sexualidade é tão frequentemente carregada." (p. 130). As cenas de sexo entre Madame X e sua protegida, Noa-Noa, são marcadas por um senso do teatro do absurdo, com as figuras interpretando seus papéis em figurinos exageradamente teatrais. Algumas feministas criticaram Madame X como uma apresentação voyeurística do fetichismo do corpo feminino, mas Ottinger desqualifica a crítica como antiquada. Comentou a Theresa Grisham, "penso simplesmente que minha obra chegou cedo demais." (p. 30).

Os filmes de Ulrike Ottinger são geralmente centrados em torno de párias sociais e exilados. Um destes, Bildnis einer Trinkerin [Retrato de uma Bêbada - Caminho sem Volta], é o retrato de duas mulheres alcóolatras, que são perseguidas pelas figuras alegóricas "Estatísticas Confiáveis", "Senso Comum" e "Problema Social". O filme foi entusiasticamente resenhado como "uma celebração do punk lésbico antirealista." (McRobbie, p. 34). Em Retrato de uma Bêbada, como em Madame X, Ottinger "subverte radicalmente os termos nos quais o cinema patriarcal tem monopolizado o prazer visual  em benefício do olhar masculino." (Hansen, p. 194). Freak Orlando (1981) trabalha em similar território pós-estruturalista, reposicionando o personagem de Virginia Wolf como uma mulher desejosa de subverter as normas patriarcais em diferentes épocas. Dorian Gray im Spiegel der Boulevardpresse [Dorian Gray in the Mirror of the Yellow Press] (1983) é uma releitura feminista da figura do mal de Fritz Lang, Dr. Mabuse. Ottinger questiona a base da "verdade objetiva" das notícias de jornais que descrevem Mabuse, pondo a imprensa em questão como o ocaso da "verdade".

Johanna d'Arc of Mongolia [Joana d'Arc da Mongólia] (1988), apresenta uma figura de guerreira sob a forma de uma guerreira mongol, uma garota europeia, e uma velha chamada "Lady Windermere". Neste filme, mulheres modernas encontram seus pares no passado remoto e participam de uma série de rituais centrados na mulher mongol. Traz à tona a questão da "outridade" e do Orientalismo na etnografia e na prática histórica. E é uma desmitologização do filme "histórico" a subverter as normas da "reencenação" histórica e da própria história. O final do filme contém um segmento de rolagem de textos sobre os supostos eventos que ocorrerão nas vidas futuras das personagens, transgrendindo efetivamente as fronteiras da "realidade" fílmica. 

A aproximação de Ottinger do cinema, sob certos aspectos, é comparável a de Rainer Werner Fassbinder, no que frequentemente faz uso de atores tanto profissionais quanto amadores. Além do que, é desvinculada de fórmulas ou gêneros cinematográficos, e abraça livremente a teatralidade e a alegoria. Sua visão artística é completamente não comprometida; portanto, persistentemente encontra dificuldade de ser financiada. "80% da minha energia e esforço é devotado a conseguir financiamento" disse a Therese Grisham (p.32). Em termos temáticos, Ottinger reposiciona o outsider como participante e os "outros" são figuras normativas. Ela desmantela o poder como um instrumento ideologicamente pervasivo de opressão. Rearticula o prazer em uma forma feminina do olhar cinematográfico e define um contra-cinema espectatorial feminista lésbico.

FILMOGRAFIA SELECIONADA

Lakoon & Sohne (Laocoon and Sons) (1972-74)

Vostell - Berlin-Fieber (Vostel-Berlin Fever) (1973)

Madame XEine Absolute Hersscherin (Madame X - An Absolute Ruler) (1977)

Bildnis einer Trinkerin (Retrato de uma Bêbada - Caminho sem Volta) (1979)

Freak Orlando (1981)

 Dorian Gray im Spiegel der Boulevardpresse (Dorian Gray in the Mirror of the Yellow Press) (1983)

China. Die Künste - der Alltag  (China - The Arts - The People) (1985) 

Sieben Frauen - Sieben Sünden (Seven Woomen - Seven Sins) (co-diretora) (1986)

Usinimage (1987)

Johanna d'Arc of Mongolia (Joana d'Arc da Mongólia) (1988)

Countdown (1990)

BIBLIOGRAFIA SELECIONADA

Bergstrom, Janet. "The Theatre of Everyday Life: Ulrike Ottinger's China: The Arts, Everyday Life." Camera Obscura 18 (September 1988): 43-51. 

 Fischetti, Renate. "Ecriture Feminine in the New German Cinema." Women in German Yearbook 4 (1988): 47-67.

 Grisham, Therese. "Uma Entrevisa com Ulrike Ottinger." Wide Angle 14.2 (April 1992): 28-36. 

 Hansen, Miriam. "Visual Pleasure, Fetishism, and the Problem of Feminine/Feminist Discourse: Ulrike Ottinger's Ticket of No Return.'"' In Gender and German Cinema: Feminist Intervention Volume 1: Gender and Representation in New German Cinema, (orgs.) Sandra Frieden, Richard W. McCormick, Vibeke R. Petersen, and Laurie Melissa Vogelsang, 189-207. Oxford: Berg, 1993.

 Knight, Julia. Women and the New German Cinema. London: Verso, 1992. 

 Kuhn, Annette. "Encounter between Two Cultures (a discussion with Ulrike Ottinger)." Screen 28 (outono 1987): 74-79.

 McRobbie, Angela. "Introdução a uma Entrevista com Ulrike Ottinger." Screen 4 (inverno-primavera 1982): 34. 

 Sabine, Hake. " 'Gold, Love, Adventure': The Postmodern Conspiracy of Madame X." Discourse 11.1 (outono-inverno 1988-89): 88-110. 

 Silberman, Marc. "Women Filmmakers in West Germany: A Catalogue." Camera Obscura 6 (fall 1990): 123-52. . "Entrevista com Ulrike Ottinger: Imagens Surreais." In Gender and German Cinema: Feminist Intervention Volume 1: Gender and Representation in New German Cinema, (orgs.) Sandra Frieden, Richard W. McCormick, Vibeke R. Petersen, and Laurie Melissa Vogelsang, 205-7. Oxford: Berg, 1993. 

 Treut, Monika. "Ein Nachtrag zu Ulrike Ottinger's film Madame X." Frauen und Film 28 (1981): 15-21. 

 Weiss, Andrea. Vampires and Violets: Lesbians in Film. New York: Penguin, 1993. 

 White, Patricia. "Madame X of the China Seas." In Queer Looks: Perspectives on Lesbian and Gay Film and Video,  (orgs.) Martha Gever, John Greyson, and Pratibha Parmar, 275-91. New York: Routledge, 1993. 

 Women Make Movies. Women Make Movies Catalogue. New York: Women Make Movies, 1994.  

Texto:  Foster, Gwendolyn Audrey. Women Film Directors - An International Bio-Critical Dictionary. Westport/Londres: Greenwood, 1995, pp. 294-96. 

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