Filme do Dia: JFK Revisitado: Através do Espelho (2021), Oliver Stone
JFK Revisitado: Através do Espelho (JFK Revisited Through
the Looking Glass, EUA, 2021). Direção
Oliver Stone. Rot. Adaptado: James DiEugenio, baseado no seu próprio livro.
Fotografia Robert Richardson. Música Jeff Beal. Montagem Brian Berden, Kurt
Mattila & Richard B. Molina.
A sanha com que esse documentário se lança em
buscar a comprovação de que as investigações que se sucederam ao assassinato do
presidente Kennedy foram manipuladas talvez possua um efeito colateral não
previsto por seus realizadores – e Stone é um conhecido militante na área,
tendo realizado um longa ficcional (JFK: A Pergunta que Não Quer Calar)
de impacto sobre o tema, além de paralelamente a este documentário, ter
dirigido uma minissérie para TV com título próximo. E qual seria este
efeito? O de não emergir nenhuma voz
dissonante que se contraponha à conspiração pela CIA, tal qual um filme
ficcional clássico (e a maior parte dos que são feitos até hoje), em que tudo
parece à serviço da redundância (lá diálogos, aqui depoimentos, música, imagens
de arquivo). O que dá a incômoda impressão que se emergisse ou caso tenha
emergido, seria limada da montagem final. Montagem essa que alinhava em boa
parte de sua metragem, dezenas de nomes (a ponto de deixa-lo , espectador, mais
confuso que muitos filmes noirs) que demonstram as inúmeras
inconsistências da Comissão Warren. E o faz com a competência profissional de
quem teve tempo e dinheiro para fazê-lo com toda obsessiva minúcia. O que já parece um ponto pacífico para boa
parte da sociedade americana. Menos pacífica seria a execução por mando da CIA,
ao qual infelizmente o filme discrimina menos tempo que o gasto com as
inconsistências múltiplas do laudo necroscópico. E a infelicidade corre em
dupla mão, pois haveria mais tempo para aprofundar sua promissora hipótese e
também porque o filme se torna bem mais interessante a partir dessa mudança.
Não se sente tanto nesse outro momento o que parece recorrente no primeiro,
partindo de uma ótica que tem a conspiração como certa, que muitas peças nesse
quebra-cabeça se somam com a naturalidade de quem delineia o verdadeiro
ocorrido, sem levar em conta o estresse e desnorteio a que todos estavam
submetidos nas horas que se seguem a declaração da morte do presidente,
palpável em várias declarações e imagens filmadas, e não apenas do público em
geral, mas das próprias autoridades. Em termos formais, não se encontra
distante do modelo documentário-cabo, com os entrevistados falando sobre fundo
neutro, e por vezes o próprio Stone surgindo como entrevistador. Outro incômodo
compartilhado com o campo ficcional dominante, é o do peso que a figura de John
Kennedy incorpora enquanto liderança, capaz de:
frear as pressões para um envolvimento bélico efetivo, e não apenas
apoio, a Guerra do Vietnã; ser catalizador de posturas antirracistas que
encontrarão resistência nos estados sulistas, como observado nas clássicas
cenas de Crise: Por Trás de um Compromisso Presidencial), da resistência
do governador do Alabama a que uma estudante e um estudante negros se
matriculem em uma universidade estadual; promover um pretenso futuro degelo em
relação à política da Guerra Fria e buscar uma aproximação com Kruschev e um
diálogo com Castro. No entender de Stone, e aí mora o perigo da proximidade com
o protagonista ficcional habitual, o desaparecimento de Kennedy desencadearia
um inevitável declínio da democracia americana enquanto valor máximo (uma
exceção, já que anteriormente os governos tampouco despertavam este clamor?). E
o que se seguirá, os conflitos raciais (e o assassinato de lideranças cruciais
como Martin Luther King), a escalada de envolvimento no Vietnã e suas reações
internas (a foto clássica do protesto que resultaria na morte de quatro
estudantes em uma universidade em Ohio), as desconfianças com o sistema
político e a renúncia de Nixon, viriam no bojo disso, e de uma incredulidade em
relação ao que fora divulgado pela Comissão Warren. Tal como em um filme de
Hitchcock de uso maquínico da psicanálise, o retorno e a resolução de tal
trauma, a possibilidade de olhá-lo e comentá-lo como algo resolvido, seria um
gigantesco movimento de correção em uma bússola que se encontra distante de seu
norte. Tocante enquanto efeito retórico, mas não sob a fria análise racional. E
aí se pode pegar tudo que se encontra fora desse escopo idealizado da charmosa
Camelot (nome pelo qual ficou
popularizado na imprensa o círculo social e administrativo do governo Kennedy,
e também uma produtora desse documentário) moderna e se pôr na conta do que o
próprio presidente não possuía controle, como ele se referiu a várias ações da
CIA, relegando o que ficara fora de sua alçada ao eixo do mal. Pegando carona em seu título, expressão
referida em sua ficção de duas décadas antes - que também faz que o personagem
de Donald Sutherland proclame uma das frases de efeito mais sonoras desse
documentário, não necessariamente quem o matou ou como, mas por qual motivo -
talvez não fizesse sentido a forma como está disposto, partindo de sua morte,
que se torna o elemento central do documentário, para somente ao final realizar
uma verdadeira hagiografia de Kennedy. É a morte de Kennedy que está sendo
revista ou sua administração? Mesmo que uma esteja umbilicalmente unida a
outra, o método da exumação aqui disposto contribui para uma análise mais
distanciada – a exemplo de Sob a Névoa da Guerra e o que é trazido por
Robert McNamara, figura crucial em diversas administrações federais, inclusive
a Kennedy, e citado rapidamente – ou apenas para engrandecer o mito? Stone faz
uso, em ao menos dois momentos, de cenas de seu longa de ficção sobre o tema. E
se encontra pessoalmente profundamente relacionado com o mesmo, a se comprar
sua narrativa mais ampla aqui esboçada, pois foi combatente no Vietnã – e não
apenas Platoon e Nascido em 4 de Julho reverberam isso,
mas já seu primeiro curta estudantil, Last Year in Viet Nam, senão o
melhor, o mais honesto que fez no campo
não documental. | Ixtlan
Prod./Pantagruel Prod. 118 minutos.
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