Filme do Dia: Porto das Caixas (1962), Paulo César Saraceni

 


Porto das Caixas (Brasil, 1962). Direção: Paulo César Saraceni. Rot. Adaptado: Paulo César Saraceni, baseado em conto de Lúcio Cardoso. Fotografia: Mário Carneiro. Música: Antônio Carlos Jobim. Montagem: Nello Melli. Cenografia: José Henrique Bello. Com: Irma Alvarez, Reginaldo Farias, Paulo Padilha, Joseph Guerreiro,  Margarida Rey, Sérgio Sanz, Henrique Bello.

Mulher (Alvarez) vive uma relação precária com um marido (Padilha), empregado na ferrovia, que nunca traz dinheiro para casa e a destrata. Eles vivem numa cidade igualmente estagnada e sem maiores opções. Ela consegue alimentos através de sexo com o dono da mercearia (Farias). Um ensaio de recomeço do amor entre ambos chega a ser esboçado, mas após se ferir com um martelo que pedira para a mulher comprar, ele passa novamente a tratá-la com arrogância e ficar recluso em casa. Ela, por sua vez, testa o comerciante, um barbeiro e um militar, para ver se seriam capazes de assassinar o marido, e consegue motivar o comerciante que, na última hora, desiste. Ela comete o crime então, e ele ajuda a esconder o cadáver. Propõe que fujam juntos, mas cada um segue seu rumo.

Sensível retrato feminino em que a mulher, longe de ser apenas uma vítima da opressão que parece corroer igualmente  tanto o marido quanto o universo em que vivem, também demonstra suas estratégias de reação. Inicialmente, através do sexo com outros homens. Depois, procurando se livrar do marido. Nenhum perfil psicológico mais acurado chega a ser esboçado, e a trilha sonora reiterativa de Jobim salienta a falta de saída para os personagens, presas de suas próprias mediocridades, assim como as limitações do ambiente que vivem, ao ser executada através de inúmeras variações, inclusive no plano diegético (seja na bandinha da feira ou na música do parque de diversões). Também a fotografia, que acentua os fortes contrastes entre luz e sombras, adequa-se à construção da atmosfera opressiva. As locações em ruínas, onde se dão os encontros fortuitos da mulher com o comerciante podem ser associadas mais com a pulsão de morte da protagonista que com qualquer ato criador e positivo. Porém, sua morbidez mesmo possuindo um que de gótica, afasta-se grandemente do perfil caricatural que é evocado na produção imediatamente anterior, como em Ravina (1958), de Rubem Biáfora. Enquanto retrato da mulher que se associa ao amante para assassinar o marido, faz parte de uma longa tradição cinematográfica de tipos semelhantes como Pacto de Sangue (1944), de Billy Wilder e Crimes D´Alma (1950), de Antonioni. Sendo que em todos, a culpa acaba destruindo qualquer possibilidade de continuidade na relação entre os amantes. Aqui, tal culpa chega a ser exibida de forma quase didática, quando o apito do trem faz com que os dois personagens se contorçam, mesmo que os esgares da mulher traiam uma certa dimensão de prazer no seu sofrimento. Primeiro longa-metragem de Saraceni – que havia dirigido anteriormente o curta Arraial do Cabo (1960) – e um dos primeiros a se identificar com a estética do Cinema Novo. Compõe uma trilogia de adaptações da obra de Lúcio Cardoso, juntamente com A Casa Assassinada (1968) e O Viajante (1999).  Equipe Produções Cinematográficas/Everon Filmes. 80 minutos.

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