Filme do Dia: Ghost - Do Outro Lado da Vida (1990), Jerry Zucker
Ghost – Do
Outro Lado da Vida (Ghost, EUA, 1990). Direção Jerry Zucker. Rot.
Original Bruce Joel Rubin. Fotografia Adam Greenberg. Música Maurice Jarre.
Montagem Walter Murch. Dir. de arte Jane Musky & Mark W. Mansbridge.
Cenografia Joe D. Mitchell. Figurinos Ruth Morley. Maquiagem e Cabelos Ben Nye III & Dione Taylor. Com Patrick Swayze, Demi
Moore, Whoopi Goldberg, Tony Goldwyn, Stanley Lawrence, Christopher J. Keene,
Susan Breslau, Martina Deignan, Rick Aviles, Vincent Shciavelli.
O casal
Sam Wheat (Swayze) e Molly (Moore) mal começa a apreciar sua vida juntos, em
loft muito bem decorado, afinal não falta dinheiro a Sam, um especulador da
bolsa, quando ele é assassinado em um assalto ao lado dela, por um homem,
Willie Lopez (Aviles), morador da periferia do Brooklyn. O espírito de Sam
passa a ter contatos com uma médium canastrã, Oda Mae (Goldberg). Ele consegue
ter acesso ao endereço do assassino, e faz com que o mais próximo amigo do
casal, Carl (Goldwyn) vá até o apartamento deste. Lá ele fica estarrecido ao
saber que o amigo foi que planejara o roubo, não a morte, pois estava interessado
no acesso a uma senha de computador para efetuar uma transação escusa da ordem
de 4 milhões de dólares. O espírito, tendo como aliada Oda Mae, consegue fechar
a conta antes disso. Agora, resta a Oda e também Molly, a partir de então
crédula dela não ser uma farsa – quando fora à polícia buscar informações de
Rick, apenas descobriu a extensa ficha policial dela – escaparem da fúria de
Sam, já sabedor golpe efetuado contra o golpe dele.
Por um longo momento, acreditamos assistir algo que possui sua essência no melodrama griffitheano, indo obviamente além deste quando avança no campo do sobrenatural, algo que nem Griffith ousou fazer. E Frank Capra quando o fez, em A Felicidade Não Se Compra, foi mais modesto no grau– o anjo surge para alguém vivo – de sobrenaturalidade. E será um efeito do tempo que meio século após os antagonistas da alma boa tenham mortes horríveis, e quando mortos sejam rapidamente devorados pelas penadas (numa demonstração canhestramente simpática da infância dos efeitos visuais, tal como as telas do computador observadas)? Ou seja, nem enquanto mortos teriam um milésimo da complacência distribuída generosamente ao George Bailey de Jimmy Stewart? Ou, para ficarmos no que nos diz respeito de imediato, ao Sam de Swayze? Prenúncio de tempos crescentemente fascistas, nos quais se torna opaca a percepção do outro enquanto igualmente humano, como se o definidor único dele se concentrasse no que lhes seria reprochável? Ou, mais modestamente apenas a continuidade da mesma história do bem ou mal disneyana? Talvez uma precoce investida no subgênero espírita, que ganharia diversas encarnações mais o menos filiadas a uma noção religiosa. Seja como for, é aborrecida e tacanha o suficiente para sufocar até mesmo alguns bons golpes de roteiro, como o do amigo da onça Carl. Incluindo um hispânico, que bem poderia ser o equivalente cigano de Griffith como assassino, e uma mulher negra como “hospedeira”, que é o trambique em pessoa, mas uma alma agradável e boa pinta – as passagens pela polícia, ao contrário do latino que não as possuía, podem ser compreendidas como o jeitinho afro-americano de tocar a vida, ao menos segundo o filme, que não deixa de demonstrar suas marcas de racismo, na composição da Oda Mae, de Goldberg, bastante compreensiva não apenas em mediar espíritos do outro mundo, como preconceitos deste, sendo uma extensão dos cômicos do período clássico, durante muito tempo o espaço reservado aos negros no cinema hollywoodiano, e com menos amplitude de modulação que o equivalente brasileiro, encarnado por Grande Otelo. É datadamente constrangedora a tentativa de humor do que seria uma roupa sofisticada para Oda Mae, atrelando à raça o preconceito de classe, e um Swayze, não exatamente WASP, afirmando que a elegância ficara restrita aos sapatos. Tudo envelopado pela mais desavergonhada história de amor, de um yuppie com uma patricinha que nas horas vagas ou insones afoga as mãos na argila (símbolo, como Humberto Mauro já sabia, e fazia uso em Argila, da criação da vida, mas igualmente do seu oposto) ao som de Unchained Melody. Aqui a derrocada do que vem sendo desenhado a quatro mãos, pela força do desejo, também presente no filme brasileiro, tem um que de voluntariamente ou não fálico, mas poderia servir igualmente como antecipação da tensão de Sam de que algo de mal sempre surgira em sua vida nos momentos de calmaria. As lágrimas de Molly no momento da partida, mesmo brotando espontâneas como cogumelos da terra, após seu amor do outro mundo ter incorporado em Oda Mae, soam bem menos tocantes que as lágrimas reais de uma atriz como Kelly Lynch no documentário sobre o ator, Eu Sou Patrick Swayze.. Que o filme definitivamente não tenha encarado esta troca de carícias, entre amante e amado, através da ponte de Oda, convenientemente assexuada, da perspectiva material de uma situação lésbica interracial, ainda que por um lampejo, é tão certo quanto o finado disparar para seu amor, após uma frustração em suas não muito evidentes ambições no mundo da arte, que dane-se o The New York Times e seus milhares de leitores, pois para ela deveria bastar saber que ele acha bonita sua arte. Resta o consolo de Molly a escutar que é amada apenas pelo formato ectoplasma do amante e – em uma boa sacada – retribuir na mesma moeda dele. Foi um sucesso estrondoso de bilheteria, sendo exibido meses a fio em algumas salas e, pasmem, considerada a melhor interpretação do ator por muitos. A edição deve ter um toque da genialidade de Murch, pois apesar de sua extensão e vários obstáculos contrários, não se faz pesar.|Howard W. Koch Prod. para Paramount Pictures. 127 minutos.
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