O Dicionário Biográfico de Cinema#150: Don Siegel



Don Siegel (1912-1991), n. Chicago

1946: The Verdict [Justiça Tardia]. 1947: Night Unto Night. 1949: The Big Steal [Cais da Maldição]. 1952: No Time for Flowers [Adorável Tentação]; Duel at Silver Creek [Onde Impera a Traição]. 1953: Count the Hours [Medo Que Condena]; China Venture [Aventura na China]. 1954: Riot in Cell Block 11 [Rebelião no Presídio]; Private Hell 36 [Dinheiro Maldito]. 1955: An Annapolis Story [Dois Corações e uma Alma]. 1956: Invasion of the Body Snatchers [Vampiros de Almas]; Crime in the Streets [Rua do Crime]. 1957: Spanish Affair [Cigana Espanhola]; Baby Face Nelson [Assassino Público Número Um]. 1958: The Gun Runners [Contrabando de Armas]; The Line-Up [O Sádico Selvagem]. 1959: Edge of Eternity [O Covil da Morte]; Hound Dog Man [Uma Dívida de Amor]. 1960: Flaming Star [Estrela de Fogo]. 1962: Hell Is for Heroes [O Inferno é para os Heróis]. 1964: The Killers [Os Assassinos]; The Hanged Man. 1967: Stranger on the Run [A Caçada]. 1968: Madigan [Os Impiedosos]; Coogan's Bluff [Meu Nome é Coogan]. 1969: Death of a Gunfighter (co-dirigido com Robert Totten) [Só Matando]; Two Mules for Sister Sara [Os Abutres Têm Fome]. 1970: The Beguiled [O Estranho que Nós Amamos]. 1971: Dirty Harry [Perseguidor Implacável]. 1972: Charley Varrick [O Homem que Burlou a Máfia]. 1974: The Black Windmill [O Moinho Negro]. 1976: The Shootist [O Último Pistoleiro]. 1977: Telefon [O Telefone]. 1979: Escape from Alcatraz [Alcatraz: Fuga Impossível]. 1980: Rough Cut [Ladrão por Excelência]. 1982: Jinxed! [Jogando com a Vida]

Houve diretores americanos no pós-guerra que pareciam mais preocupados em manterem-se trabalhando que em perseguirem seus talentos, mas Siegel foi um dos mais admiráveis sobreviventes. Nunca um diretor de proa, ele reinvindicava modéstia na escala; deliberadamente observando a si próprio como alguém como um desajustado, parecia o último defensor da ortodoxia. Fez poucos filmes que não sejam pessoais, inventivos e interessantes. Alguns são obras excepcionais, que transcendem  as limitações de orçamento, tempo e roteiro. Quase sozinho, Siegel de forma útil extendeu a concepção do herói hawksiano, observando a ação sem brutalidade, a traição sem o desânimo, e o romance sem o glamour. Se qualquer coisa, seus filmes se tornaram mais concisos, mais secamente divertidos e mais economicamente excitantes. Ele é um caso-teste de realizador comercial inteligente e despretensioso.

Siegel foi educado no Jesus College, Cambridge e graduou-se como bacharel em artes. Na América, Hal Wallis arranjou-lhe um emprego nos arquivos dos Warners. De cortes de material bruto ascendeu a chefe do Departamento de Montagem, um montador, e ocasionalmente diretor de segundas unidades. O treinamento nos Warners foi o que fez de Siegel o que ele é, filmando sequencias de montagem no estilo dos diretores do estúdio. Suas montagens eram excelentes: particularmente boas são as observadas em Yankee Doodle Dandy [A Canção da Vitória] e Casablanca, de Curtiz

Em 1945, dirigiu dois curtas para os Warners, A Star in the Night  e Hilter Lives?, ambos premiados com Oscars. Então sua carreira como um diretor de longas foi lançada com Justiça Tardia, um thriller vitoriano estrelado por Sidney Greenstreet e Peter Lorre. Sua Londres enevoada efetua um sofisticado contraste com seus mordazes protagonistas. Este e Cais da Maldição, um delicioso thriller cômico da RKO, com Mitchum e Jane Greer, são seus melhores filmes dos primórdios. Outros são menos felizes: Onde Impera a Traição é um western narrado de forma bizarramente ingênua. 

Foi com Rebelião no Presídio, produzido por Walter Wanger, que Siegel começou a desenvolver seu próprio tema de uma figura estranha olhando maliciosamente a sociedade. Dinheiro Maldito apresentava o tipo de inconsistência, que ainda estava prejudicando todos os seus filmes, mas Vampiros de Almas possuía uma concepção engenhosa e simples, cumprida ao menos em 3/4 adequadamente. Possui um senso verídico da atmosfera rural, um talento para adentrar no personagem rapidamente, e uma relutância em permitir que o melodrama sufocasse a inteligência. Vampiros de Almas é uma ficção científica exemplar porque não necessita de truques visuais e sabe que zumbis e pessoas com vida são assemelhados.

Nos anos seguintes não conseguiu evitar vagar no mercado de trabalho, mas sempre que um bom material cruzou seu caminho, Siegel explorou-o com a assertividade de um esportista profissional. Rua do Crime foi um de seus primeiros tratamentos da cidade moderna. Assassino Público Número Um foi uma obra-prima menor dos filmes de gangster, desviando a figura bizarra de Mickey Rooney com excepcional vantagem; O Sádico Selvagem foi uma análise bastante influente de dois assassinos contratados, crescentemente perdidos em uma cidade estranha.

Nos anos 60, Siegel conquistou uma reputação profissional tão grande que foi chamado para diversos pilotos de séries de TV. No cinema, salvou Uma Dívida de Amor contra vastas disparidades e certificou que Estrela de Fogo fosse o melhor filme de Elvis Presley. Então vieram dois sucessos mais substanciais - O Inferno é para os Heróis e Os Assassinos, o primeiro uma análise lúcida de uma guerra psicopata, o segundo uma reorganização de um conto duplamente cruzado de Hemingway, que possui uma intrigante relação romântica fracassada entre John Cassavetes e Angie Dickinson. The Hanged Man e A Caçada foram filmes para televisão acima da média, com duração de oitenta minutos, enquanto Os Impiedosos foi o primeiro de uma sequencia de filmes que lidam com um agressivo policial-herói que pragmaticamente se sobrepunham à lei. Steve McQueen em O Inferno é para os Hérois, Lee Marvin em Os Assassinos, e Richard Widmark em Os Impiedosos foram todos acéscimos para a galeria de heróis durões e solitários de Siegel.

Esta figura foi então apossada por Clint Eastwood em uma incomum relação fértil de ator-diretor. O Estranho Que Nós Amamos foi uma divertida excursão às planícies áridas do Sul durante a Guerra Civil, com o mentiroso e lascivo Clint Eatwood destruído por uma vigorosa dama neurótica; Os Abutres Tem Fome foi demasiado lento; mas Meu Nome é Coogan e Perseguidor Implacável se encontram entre os melhores filmes do realizador. Eastwood foi uma personalidade forte e comercial, que poderia ter ofuscado Siegel. Mas Siegel foi tão adepto às manobras e tão destituído de esforço em relação ao seu objetivo, quanto o personagem de Marvin de Os Assassinos. Com ao menos uma meia-dúzia de filmes a serem contados nos registros do cinema americano do pós-guerra, passou a ser considerado como um dos mais inesperadamente notáveis alunos do Jesus College.

Ainda que casado brevemente com a atriz Viveca Lindfors (a quem dirigiu em Night Unto Night e Adorável Tentação), o cinema de Siegel possuía pouco tempo para mulheres, à parte a estufa de O Estranho Que Nós Amamos.

Perseguidor Implacável, por exemplo, possui mulheres apenas como vítimas do assassino, e Harry menciona brevemente sobre sua mulher morta, e enquanto lúgubres strippers na noite urbana. O policial solitário neste filme é emocionalmente escasso, preocupado com as impossíveis demandas da sociedade o transformarem e por seu independentemente desarticulado código de honra. Dirty Harry - Perseguidor Implacável é claramente um personagem que possui uma visão próxima da de Siegel: um sobrevivente maltratado que vive em uma floresta criminosa e psicopática e que eventualmente joga fora seu distintivo, frustrado pelos compromissos da lei e da política.

O final de Perseguidor Implacável é mais doloroso que toda a violência física do filme, pois é uma imagem da grosseira decência se desesperando com a intratabilidade. Poucos filmes sugerem tão sutilmente como um policial pode se trasnsformar em um criminoso. Ironicamente, Siegel teve dificuldade em persuadir Eastwood a ir adiante com esta cena (do mesmo modo que alguns diretores algumas vezes tem que bajular atrizes para que tirem suas roupas). Talvez isso fale da seriedade proba alcançada por Siegel na superfície dura do filme de crime.

Em seus últimos anos, Siegel vacilou. O Último Pistoleiro foi um veículo sólido e respeitável, e O Homem Que Burlou a Máfia é um exemplo surpreendente da ironia de Siegel. Sua influência sobre Eastwood tem se demonstrado duradoura, e tocante. Após a morte de Siegel, Eastwood afirmou: "Se existe uma coisa que aprendi de Don Siegel, é saber o porque você deseja atirar, e saber o que você está vendo, quando o vê." Um credo bastante americano.

Texto: Thomson, David. The New Biographical Dictionary of Film. Nova York: Alfred A. Knopf, 2014, pp. 2455-58. 

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