Filme do Dia: Women Make Film: A New Road Movie Through Cinema - 3 (2018), Mark Cousins
Women
Make Film: A New Road Movie Through Cinema - 3 (Reino Unido, 2018). Direção Mark Cousins. Montagem Timo
Langer.
6. Conversas. Dois jovens
conversam encostados em um carro em Places in the Cities (1998), de Angela
Schanelac. A câmera se posiciona por trás deles. Há uma declaração de
sentimentos não recíproca. E acompanhamos o rosto somente do homem, que é quem
assume o risco, como a própria Tilda Swinton nos esclarece. É o suficiente,
portanto. Cena de plano único, com câmera fixa. Uma conversa no parlatório de
uma cadeia. A mulher vai visitar o marido. Uma simples mudança de eixo em um
jogo de planos x contraplanos bastante convencional antecipa o anúncio da
separação em Middle of Nowhere (2012), de Ava Duvernay. Um grupo de
garotas caminhando e conversando com a câmera em movimento em Garotas,
de Céline Sciamma (já observado no episódio anterior). Primeiro, as vemos de
frente. Depois de costas. Em um borburinho intenso. Que, no entanto, é
silenciado quando cruzam com rapazes. Duas amigas conversando em Uma Canta,
a Outra Não (1977), de Agnès Varda. Um verdadeiro balé de movimentos de
câmera e alternância de focos entre as duas amigas que conversam. Sem um único
corte, retornando a primeira amiga outra vez. Em Casais Amorosos (1964),
de Mai Zetterling. Mais uma conversa sem cortes. Dessa vez, de um casal em
trajes belle époque, circulando uma árvore (e a câmera também). Uma
mulher ao fundo se dirige a que se encontra em primeiro plano, provocando um
ligeiro desequilíbrio no que parecia fluir como a câmera (que também para!),
para depois voltar à situação anterior. Um terceiro elemento entre dois que
conversam pode ser fundamental. Caso do grilo em O Arco (1968), de Shu
Shuen Tong. Motivo para tergiversar da tensão sexual entre um homem e uma
mulher. E que acaba, inversamente, proporcionando o primeiro toque de mãos,
ambas tentando capturar o inseto. Em Garota Sombria Caminha pela Noite,
com outro trecho também observado no episódio anterior, esse terceiro elemento
são ovos. Em que as intensidades da conversa são contrapostas a um garfo
deslizando sobre o ovo, indeciso se perfurará ou não sua gema. Em um terceiro
exemplo dessa artimanha o terceiro elemento a provocar a conexão dialógica são
discos postos para tocar através do telefone entre um grupo de garotos de um
lado e garotas do outro lado da linha, em As Virgens Suicidas (1999), de
Sofia Coppola. Para Angelina Jolie e Brad Pitt, o terceiro elemento é o casal
que transa no quarto de hotel ao lado em À Beira Mar. Em Together (1956),
de Lorenza Mazzetti, não há um intérprete interno ou externo à diegese para
traduzir a linguagem de sinais com a qual os dois personagens se comunicam –
com a câmera entre eles. No indiano Sparsh (1980), é a comunicação entre
as pessoas cegas que se torna o foco. No caso, um professor, que descobre um
aluno acordado plena meia-noite. Trata-se da estreia de Sai Paranjape na
direção, que é um tributo ao ato da escuta. Em Encontros ao Acaso (2006),
de Joey Lauren Adams, enquanto a filha pretende conversar, o pai alcóolatra não
larga sua guitarra e o som estridente que dela obtém. Ao contrário do filme de
Coppola, lembra a narradora, a música aqui não é a ponte para a comunicação. Em
Alemanha, Mãe Pálida, o surpreendente diálogo entre a protagonista e uma
criança das imagens de arquivo. Já em The Attached Balloon (1967), de
Binka Zhelyazkova, homens se escondem por trás de girassóis. E a conversa deles
é com um balão no céu. Seria censurado por seu libertarismo. Uma garota entra
em uma casa, observa sua mãe se revirando em seu quarto, na cama, e se dirige
diretamente a nós em O Caramanchão (2010), de Clio Barnard. Só que agora
são imagens aparentemente documentais, em textura de imagem bem diversa dos
segmentos ficcionais. E nem mesmo fisicamente similar a atriz. Logo
perceberemos as duas mulheres juntas e que ambas são atrizes. Ambas falam, em
uma postura monocordiamente desdramatizada, no sentido naturalista do termo,
mas não sem intensidade, o texto de uma mulher que passou pela situação de
terror envolvendo um incêndio (vemos fogo ao fundo do quarto de onde falam).
Swindon nos fala que se trata da comunicação mais impossível de ser feita. A da
perda pela morte. Um policial e um minerador em greve a conversar numa rua de
Nova York no documentário Harlam County sobre suas condições
trabalhistas. É estranha a forma como
estabelecem seu diálogo, como se a meio caminho entre o espontâneo e o encenado
(e a sonorização foi posterior?). Segue-se a visita de uma assistente social a
uma família chechena em The 3 Rooms of Melancholia (2004), de Pirjo
Honkasalo. Embora suas imagens sejam documentais, há uma decupagem que o
aproxima da ficção. A indagação vem de como se teriam treinado crianças de tão
tenra idade para agirem de forma tão realista. Tomboy (2011), de Céline
Sciamma, traz uma menina que decide ser Mikael, numa conversa com uma garota de
idade próxima. 7. Enquadramento. Volta-se a Uma Canta, a Outra Não.
Enquadra-se três personagens em um jantar. Aproxima-se e se fecha no pai e na
filha. E depois planos fechados dos três. Em Lourdes (2009), Jessica
Hausner nos traz uma composição geométrica, pessoas em círculo para uma oração.
Já em A Menina Santa (2004), Lucrecia Martel satura a composição com
rostos de meninas. A caminhada solitária de Wanda em meio a um ambiente de
exploração dos recursos naturais, no filme homônimo de Barbara Loden; uma das
cenas mais significativas de um filme significativo, são aqui resgatadas; uma
exploração que se espelha nas próprias vidas que lá permanecem. A exibição de
uma bailarina do alto no longa de estreia de Vera Chytilová, Algo Diferente
(1963). Em Diário para Minhas Crianças (1984), de Márta Mészaros, duas
mulheres cada vez mais preenchem o enquadrado. A mais velha pretende adotar a
jovem. Uma mudança de eixo transforma a composição em algo incomum, com as duas
postas de formas rígida (como um clipe do ABBA bem lembra Swindon), uma
perfilada, a outra mais frontalmente à câmera. Os dois homens no carro saindo
para um final de semana de pesca em O Mundo Odeia-me (1953), de Ida Lupino. Mal se percebe uma figura na penumbra no banco traseiro. Um caronista.
E o plano seguinte, apresenta o seu fálico revólver apontado aos dois. E o maravilhoso plano para adiante e
iluminação sobre seu rosto, apresentam-no para os homens (e para nós!) de forma
brilhante. Voltamos a O Arco e, segundo a narradora, uma tranquilidade
doméstica a la Vermeer. Em The Cave of the Yellow Dog (2005),
Byambasuren Davaa faz uso de planos líricos como pinturas. Já em Jogo
Perverso (1990), transidos da tensão provocada pela violência e iminente
morte, habitual nos filmes de Kathryn Bigelow (uma atualizadora de Lupino?). As
mulheres se encontram no campo de concentração em A Última Etapa (1948), já observado no primeiro episódio. Um
guarda nazi se aproxima. E o plano que é destacado no meio da sequencia. Os
rostos que comunicam mais que palavras, sobre o fato de estarem justamente se
despindo no momento. E agora diante de um olhar masculino, estrangeiro,
opressor da situação de humilhação que vivenciam. Também poderiam remeter à
história da pintura, mais pelas expressões que propriamente o enquadramento em
si. E flores de uma intensidade de cores extrema, mescladas no que veremos ser um
arranjo e que logo descobriremos que se encontram sobre uma mesa, pois a tomada
inicial é observada de cima, em Stefan Zweig: Adeus Europa (2016), de
Maria Schrader. Em Laços de Sangue (1951), novamente de Lupino. A
protagonista discute com um homem e é consolada por sua mãe em uma recepção
social. E temos um inaudito final, com a câmera recuando para trás de uma
cerca, que emoldura o final da cena. A
risada pantagruélica de um homem parece mastigar Walter Matthau em O Caçador
de Dotes, de Elaine May. A bailarina observada anteriormente em Algo
Diferente, continua a executar impressionantes movimentos, após termos
vistos movimentos meio sincronizados dos dois lados do para-brisas de um carro,
em um estúdio, ao som de um piano, só que de ponta cabeça. E no meio de suas
evoluções a câmera muda para o ângulo convencional, tal e qual uma cena
clássica de 2001, ainda que meia década antes. Ellen, no telefilme
homônimo de 2016, de Makhalia Belo, é uma adolescente de 14 anos, perturbada
por vivenciar sua primeira experiência sexual. Alguns ângulos observam o mundo
de cabeça para baixo, e mais um plano giratório da câmera, como o observado no
filme anterior. A cena escolhida do terceiro filme de Ida Lupino a ser
referido, O Mundo é Culpado (1950), é ao menos parcialmente a mesma que foi
utilizada em Uma Viagem Pessoal pelo Cinema Americano – Parte 2, de
Scorsese. Uma jovem, em desespero, aciona a buzina de um caminhão. A clássica
cena das sombras da esgrima em Olympia Parte II – Festa da Beleza, que
traz os mais inusitados ângulos das Olímpiadas nazistas por Leni Riefensthal. E
o arsenal estilístico que se utiliza para descrever expressionisticamente uma
corrida, na primeira parte. A cena do café em As Duas Faces da Felicidade.
A modernidade do que filma, não necessariamente vinculada somente aos dois
personagens em questão, um homem e sua amante, podem servir como expressão da
intensidade de sensações que vivenciam no momento do encontro. O enquadramento
que não muda para seguir a ação da chegada de mais uma detenta, e sua troca de
roupa pelo uniforme penitenciário em Marseille (2004), de Angela
Schanelec. Ocasionalmente o quadro ficando vazio. A forma de enquadrar pouco usual de Trinh T.
Minh-ha. Vem então imagens do primeiro longa de Vardà, La Pointe-Courte
(1955). Um casal anda por um bairro pobre. A câmera está sujeita não apenas aos
dois, mas também em observar o que há ao redor, detendo-se ou dando destaque,
por vezes, em “não personagens”. Um precursor um tanto esquecido da Nouvelle
Vague – para a maioria, seu primeiro longa vem ser somente Cleo. 8. Tracking.
O primeiro exemplo advém de O Padre (1994), de Antonia Bird, em seus
créditos iniciais, que mistura grua com tracking, em um virtuoso
plano-sequencia. Novamente La Point-Courte e os malabarismos da câmera
enquanto o casal caminha pela praia. A câmera seguindo rasteira as pernas de
ambos, próximos da água do mar. Apresentando os convivas de uma celebração, uma
vez mais em O Mundo é Culpado. E a câmera observa a protagonista, recém-estuprada,
através de casais que rodopiam alegremente. No sueco Home (2008), de
Ursula Meier, 0s carros desfocados servindo aqui, como os mesmos intermediários
que foram os casais dançando no filme de Lupino ou a cesta em Varda. Eles se
encontram entre nós e o garoto que foge desembaladamente, em roupa de banho, à
margem da estrada. O uso cômico do efeito “flutuação”, com o ator acima da
superfície, sendo transportado tal como a câmera, significando o efeito que lhe
provocou uma mulher na festa em Quanto Mais Idiota Melhor. O movimento
de câmera se encontra associado à imaginação e ao passado em Anna’s Summer
(2001), de Jeanine Meerapfel. Em Le Lit (1982), Marion Hänsel faz com
que a câmera passeie sobre o quarto onde se encontra um homem em estado grave de
saúde. Seguido por um movimento idêntico no plano seguinte, agora com flores
pelo chão – terá ele morrido? A função do tracking enquanto suspense.
Concede-se que alguns dos melhores exemplares do gênero foram realizados em
filmes de Welles, Sokurov e Ophüls (Resnais foi esquecido), mas também se
destaca um exemplo luminoso em um filme de Chantal Akerman, Do Leste
(1993). E um grupo de pessoas é observada em meio a atmosfera azulada. É
inverno. De certa forma, não deixa de ser uma atualização de alguns panoramas
similares dos idos do cinema. Só que aqui com mais destaque a cada figura, como
o garoto que mascla chicletes.| Hopscotch Films para Dogwoof. 60
minutos.
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