Filme do Dia: As Montanhas se Separam (2015), Jia Zhang-ke

 


As Montanhas se Separam (Shan He Gu Ren, China/França/Japão, 2015). Direção e Rot. Original: Jia Zhang-ke. Fotografia: Nelson Lik-wai Yu. Montagem: Matthieu Laclau. Dir. de arte: Quiang Liu.  Figurinos: Li Hua. Com: Zhao Tao, Zhang Yi, Liang Jing Dong, Dong Zijian, Sylvia Chang, Patrick Harvey, Rong Zishan.

1999. Shen Tao (Tao) tem sua amizade com Zhang  Jinsheng (Yi) e Liangzi (Zijian) posto à prova a partir do momento que o enriquecimento de Jisheng provoca um abismo entre eles, assim como por ambos se encontrarem apaixonados por Tao.  O que era amizade e amor se torna progressivamente uma disputa pela atenção de Tao, que finda por escolher Jinsheng. Quando ela vai entregar o convite de casamento a Liangzi, esse se encontra de partida para trabalhar em outro local.  2014. Tao visita um adoentado Liangzi, por intermédio de sua esposa, e lhe deixa dinheiro. Com a morte de seu pai, ela volta ter contato com o filho, Zhang “Dollar” Daole (Zishan), porém acredita que ele terá um futuro mais promissor com o pai, que o matriculou em uma escola internacional. 2025. Dollar vive uma relação tensa com o pai na Austrália, assim como uma história de amor com sua professora, Mia (Chang). Ao mesmo tempo planeja viajar e reencontrar a mãe, que não mais viu desde então.

Zhang-ke permanece fiel as suas preocupações apresentadas na maior parte, senão todas, produções anteriores. Aqui  consegue efetuar um difícil equilíbrio entre história coletiva e história pessoal, e em termos de estilo entre melodrama e pastiche irônico, sendo tudo entretecido ao mesmo tempo sem ser didático, mas ocasionalemente propositalmente caricato De fato ocorre uma contraposição radical entre a figura de Jinsheng, observado como ganancioso, arrogante e consumista – algo que fica demarcado já a partir dos primeiros momentos do filme quando chega em seu carro novo de fabricação alemã -  e a de Liangzi, observado como uma reserva de dignidade em um mundo crescentemente corrompido pelo capital, resistência que não tardará a se manifestar, no caso dele, não apenas em um crescente amargor, como na própria decrepitude física provocada pelo trabalho insalubre nas minas. Quando se espera adentrar no drama pessoal dos personagens, o filme traz golpes súbitos que provocam um efeito de distanciamento irônico, que chega a ser mesmo cômico, mas de uma comicidade marcada pela dor. Ou ainda, tal como em Godard, trazendo subitamente os créditos com o título já quando se encontra por volta de sua metade. Infelizmente, o frescor, vivacidade e equilíbrio entre o drama agridoce e a reflexão sobre o mundo globalizado de suas duas primeiras partes se encontram longe de conseguirem similar efeito em sua terça parte final, um desnecessário apêndice prolongado de exercício de imaginação futura, muito mais contemporânea que propriamente futura, em que o jovem Dollar busca demarcar seu ingresso no mundo adulto. Mesmo visualmente essa parte final, que desenvolve a evidente paixão edipiana do jovem por uma sensual Mia – em contraposição a feminilidade bem mais tradicional e mesmo maternal de sua mãe – soa mais como a de belos (e inócuos)  cartões-postais que não possuem, nem de longe, a densidade com que Zhang-ke observa seu próprio país. O incômodo de Tao ao perceber seu filho como um estranho em seu próprio país, da relação entre “cosmopolitismo” e “raízes”, sendo que ao primeiro termo cabem aqui todas as aspas possíveis, pois ocorre apenas em um plano superficial e voltado para o acesso a dinheiro fácil e consumo desenfreado, remete  uma longa tradição desde antes do cinema; e que nesse surge em filmes tão distintos como Primero Soy Mexicano (1950) ou muitos dos filmes do egípcio Youssef Chahine, sendo ela própria uma figura (alter-ego do realizador, seu marido, e para quem representa em sua filmografia o equivalente a que Gong Li o foi para Zhang Yimou?) que consegue dosar o acesso aos bens materiais com a sua cultura e seu passado. Destaque para o belo aproveitamento que é feito da canção de Pet Shop Boys, Go West, de título mais uma vez irônico e retrospectivamente melancólico – o gesto de alegria coletiva que acompanha a cena inicial é evocado ao final, de forma solitária, melancólica e algo patética. Talvez paralelos possam ser traçados nessa visada apaixonada, e ao mesmo tempo irônica e agressiva da realidade e sua relação com o amor romântico e a amizade com o que foi efetuado em umas poucas obras (como Os Guarda-Chuvas do Amor) por Jacques Demy. Arte France Cinema/Beijing Runjin Investment/Office Kitano/Xstream Pictures. 131 minutos.

 

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