Filme do Dia: JFK - A Pergunta que Não Quer Calar (1991), Oliver Stone



 JFK – A Pergunta que Não Quer Calar (JFK, EUA/França, 1991). Direção Oliver Stone. Rot. Adaptado Oliver Stone & Zachary Sklar, baseado nos livros On the Trial of the Assassins, de Jim Garrison e Crossfire: The Plot That Kill Kennedy, de Jim Marrs. Fotografia Robert Richardson. Música John Williams. Montagem Joe Hutshing & Pietro Scalia. Dir. de Arte Viktor Kempster, Derek R. Hill & Alan Tomkins. Cenografia Crispian Sallis. Figurinos Marlene Stewart. Com Kevin Costner, Tommy Lee Jones, Kevin Bacon, Sissy Spacek, Laurie Metcalf, Gary Oldman, Michael Rooker, Joe Pesci, Jack Lemmon, Walter Matthau, Donald Sutherland, Ed Asner, John Candy, Sally Kirkland, Vincent D’Onofrio, Brian Doyle-Murray, Peter Maloney, Ellen McElduff.

1963. O promotor Jim Garrison (Costner) tenta iniciar uma investigação sobre o assassinato de Kennedy, mas as autoridades federais tomam conta rapidamente do caso e ele encerra os trabalhos. Três anos após, tendo descoberto uma série de inconsistência no Relatório Warren, que traz as investigações e conclusões sobre o caso, Garrison decide reabrir suas investigações. Ele se encontra com Willie O’Keefe (Bacon), um prostituto que cumpre pena de prisão, Jean Hill (McElduff), uma professora que testemunhou ter visto atiradores perto de onde ela se encontrava, ao mesmo nível do comboio presidencial, tendo sido alertada pelos agentes federais a não mais comentar o assunto, o homem de negócios Clay Shaw (Jones), David Ferrie (Pesci), todos aparentemente com algum grau de vinculação ou conhecimento de Lee Oswald (Oldman), tido como assassino isolado pela Comissão Warren. Antes de sua morte suspeita, uma aparente overdose, Ferrie havia confidenciado a Garrison que estava sendo perseguido e que existira um complô para matar Kennedy. Muitas das testemunhas se recusam a testemunhar, temendo algum fim misterioso como o de Jack Ruby (Doyle-Murray), assassino de Oswald, que morre na prisão, apenas quatro anos após o crime. E também o de um ex-agente federal, que se identifica apenas como Sr. X (Sutherland), que apresenta para Garrison uma situação de golpe de estado que envolve o FBI, a CIA, a Máfia, o complexo militar, o Serviço Secreto e o vice-presidente Lyndon Johnson. A motivação maior seria o desejo anunciado do presidente de não se envolver com a Guerra do Vietnã para além do apoio logístico, assim como o de desmantelar a CIA e buscar uma aproximação com a União Soviética, e tampouco liberar o exército americano para a mal sucedida invasão mercenária a Baía dos Porcos, em Cuba. Da equipe de doze assessores que Garrison possui na investigação, um resolve sair por achar que é um desrespeito às instituições americanas e outro, seu rival, é demitido por Garrison. Este vivencia igualmente um drama conjugal, com sua mulher, Liz (Spacek), anunciando que o abandonará, por não aguentar mais o descaso dele com ela e os filhos, tão absorvido se encontra pelo caso. A mídia ridiculariza Garrison como paranoico. Este, no entanto, apenas observa que os mesmos interessados na morte do presidente foram responsáveis pelos atentados fatais contra seu irmão Robert, franco-favorito à presidência, e Martin Luther King. Em 1969, Garrison consegue levar Clay Shaw a júri, como pontapé inicial para outros casos, motivado que foi pelo único encontro com X e os recentes assassinatos. Garrison pela primeira vez apresenta uma visão panorâmica sobre o atentado.  Shaw é absolvido.

Difícil ser solidário a tanto conspiracionismo – basicamente o mesmo que norteará seu documentário de vinte anos após, JFK Revisited Through the Looking Glass, quando uma de suas acusações, e talvez a mais empedernidamente demonstrativa da fabricação do atentado, diga respeito a presença da notícia, inclusive já ressaltando que Lee Harvey Oswald agira sozinho, sendo recebida em um jornal próximo ao Polo Sul, por um agente federal deslocado justamente para não ser um eventual obstáculo ao mesmo, quatro horas antes do ocorrido. É o tipo de alegação que não voltará posteriormente a ingressar no documentário. Seria uma licença ficcional? Ou apenas porque se mudou as fontes dos livros que se armam contra o que foi oficialmente estabelecido sobre o caso, a Comissão Warren? Mudam-se as fontes, mas as premissas continuam próximas, praticamente idênticas, assim como muito das imagens de arquivo utilizadas em ambos os filmes -e uma paradigmática é a do chefão da CIA cuja mão não encontra a de Kennedy, por este se encontrar distraído ou porque voluntariamente não quis apertar sua mão; com a moldura de ambos os filmes de Stone, não sobra ambiguidade possível para a interpretação do gesto. É o que também reverbera dos dois gigantescos monólogos que o filme traz, de tornarem modesto – em termos estritamente de tempo, bem entendido -  o que Nastassja Kinski efetua em Paris, Texas e quase um manifesto involuntário de não se prezar exatamente o dialogismo.  Ainda que Garrison possa ser o alter-ego de um hipotético Stone, que possuía não mais que 20 a 23 anos então, é o personagem de Sutherland que vomita em rapidez o que será a tônica do documentário, uma imensidão de informações que desconstroem qualquer possibilidade de não ser uma conspiração. E o faz, inclusive, trazendo um dos motes que provocará maior efeito retórico na produção não ficcional posterior; algo como “importa menos saber quem e como, mas por que Kennedy foi assassinado”. E se é um alívio observarmos a presença de Sutherland, após quase duas horas de filme em que vários outros nomes famosos (ou que se tornariam) tentavam incorporar suas personagens, e cuja melhor exemplificação é o  gay vivido por Tommy Lee Jones, apenas aumenta a sensação de que Costner passa o filme inteiro com a mesma cara de apatetado virginal e psicoticamente ético. A própria virgem em um lupanar. Realizando o seu ...E O Vento Levou, em termos de grandiloquência adaptada ao tema e época e extensão, Stone trafega entre diversos mundos cinematográficos da tradição americana, sem que o filme se torne uma colcha de retalhos mal ajambrada. Pode-se desgostar de muito da fatura final, como é o caso das reconstituições de época em seu alto teor de encenação, incluindo as já referidas interpretações do elenco, da música triunfalista (não por acaso de Williams, associado sobretudo a Spielberg) e da falta de concisão, ainda mais nessa que é a versão do diretor, acrescida de uns tantos minutos, mas há algo de distinto no modo que o realizador empreende seu filme, com momentos dramáticos mais convencionais em forte interação com imagens de arquivo, assim como reconstituições encenadas deste passado. É como se o filme mudasse de chave e saísse do dramático para uma outra, que não saberia se identificar ao certo (épica?).  Não deixa de existir o magnânimo discurso final no julgamento, um tanto longevo (provavelmente foi um dos vitimados na versão que chegou às telas quando do lançamento), temperado nos acordes de Williams, e herdeiro de tantos outros similares – como é o caso do célebre O Sol é para Todos. O maior trunfo que Garrison pretende provocar no júri são as imagens de Zapruder, até então não tornadas públicas e que Stone consegue o feito quase inacreditável (dado ser uma das imagens mais reproduzidas da história) de serem observadas com um nível de crueza inédito, inclusive quando Garrison retorna a fita e observamos com nitidez mais que razoável a cabeça de Kennedy explodindo de um tiro que não parece ser outra coisa que frontal, desarmando a tese da Comissão Warren. O próprio Garrison surge numa ponta, interpretando justamente Earl Warren e é de se indagar se as emoções geradas por esta produção não se encontrariam vinculadas ao seu esgotamento cardíaco fatal no ano seguinte a seu lançamento. Desnecessário dizer que Costner foi escolhido por sua atuação em papel de similar envergadura moral em Os Intocáveis, poucos anos antes. Jack Lemmon e Walter Matthau curiosamente foram escalados mas não contracenam, único caso das várias produções em que a dupla esteve. Ixtlan/Camelot para Warner Bros. 206 minutos.

 


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