Dicionário Histórico de Cinema Sul-Americano#76: Tita Merello




 MERELLO, TITA (Argentina, 1904-2002). Nascida Laura Ana Merello em San Telmo, Buenos Aires, de uma família bastante humilde, Tita foi uma estrela dos filmes de tango argentinos por oito décadas. Seu pai morreu quando possuía apenas sete meses de idade, e quando sua mãe, que passava roupas, teve que sair de casa para trabalhar ela, com cinco anos, foi enviada a uma creche. Suspeita de portar tuberculose, foi enviada então a uma fazenda. Nunca frequentou uma escola, mas aprendeu a ler e escrever através de amigos. Por volta de 1917, começou a trabalhar como corista em um teatro próximo das docas de Buenos Aires.

Em 1923 Merello cantou seu primeiro tango, e em 1927 gravou suas primeiras canções para a Odeon. Em 1929, gravou 20 faixas para a RCA Victor, e em 1933 apareceu em seu primeiro filme, Tango!, filmando apenas durante dois dias, tendo seu nome em terceiro destaque nos créditos. Após uma série de papéis como cantora de tango, Merello emergiu como atriz dramática em La Fuga (1937), dirigido por Luis Saslavsky. Voltou sua atenção ao teatro nos anos 40, aparecendo em Filomena Marturano, de Eduardo De Filippo (posteriormente feito filme, ao qual estrelaria, em 1950), e em 1942 iniciou um caso com o amor de sua vida, Luis Sandrini, viajando com ele para a Espanha e México, onde apareceu em um filme, Cinco Rostros de Mujer (5 Rostos de Mulher, 1947), pelo qual foi agraciada com o prêmio mexicano Ariel como Melhor Atriz em Papel de Menor Destaque. Ao retornar à Argentina, recebeu o  destaque principal nos créditos pela primeira vez em 27 Millones (1947)*. Ao final de seu relacionamento, ela e Sandrini co-estrelaram Don Juan Tenorio (1949), dirigido por Luis César Amadori. Por então, era uma estrela maior do cinema argentino e recebeu o destaque principal nos créditos dos seus próximos seis filmes, incluindo Morir in su Ley (1949), dirigido por Manuel Romero; Los Isleros (1951), dirigido por Lucas Demare, pelo qual ganhou um Condor de Bronze de Melhor Atriz; e Pasó in mi Barrio (1951), de Mario Soffici. Merello ganhou seu segundo Condor de Bronze da Associação dos Críticos de Cinema Argentinos, por seu papel principal em Guacho [O Bastardo], de Demare, ao qual se seguiu uma performance dinâmica em outro filme de Lucas Demare, Mercado de Abasto (1955). Mesmo não sendo a sua melhor interpretação, a descrição de Merello de uma comerciante, Paulina, no Mercado de Abasto, de Buenos Aires, é típica dos papéis de "mãe coragem" (também associados com a atriz italiana Anna Magnani) que interpretou no final dos anos 40 e primórdios dos 50. Paulina é o coração e a alma do mercado e erroneamente se apaixona por um gigolô, com quem se casa (não sabendo ser ele já casado). Ela tem uma criança, e para protegê-la e seu filho financeiramente, o velho e gentil verdureiro (Pepe Arias), que sempre a amara, casa-se com ela em seu leito de morte. Mas ele não morre e quando o polígamo amante retorna, fugindo da lei por ter matado um homem, ela oferece dinheiro, mas não consolo.



Como outros filmes da Artistas Argentinos Asociados (AAA), mistura comédia e a indispensável canção, uma milonga, "Se Dice de Mí", cantada por Merello, com melodrama; como outros filmes de Demare, este mescla entretenimento com comentário social. O que é particularmente notável é o foco em pessoas comuns, trabalhando juntas em um mercado, ajudando umas as outras em seus problemas financeiros e sociais. Nunca se encontraria um tratamento honesto de uma criança ilegítima sendo cuidada por uma família extendida de tias e tios em um filme hollywoodiano da época.

Como muitos de seus compatriotas, Merello partiu para o exílio, após a queda de Juan Perón. Retornou em 1958, iniciando uma relação profissional com Hugo del Carril, culminando em dirigi-la na versão cinematográfica de Amorina (1961). Em 1964, interpretou o papel título na série de TV Acacia Montero, e continou a estrelar filmes nos anos 70, tais como La Madre Maria, e oitenta. Durante os últimos anos de sua vida, tornou-se uma devota católica romana, mas ainda aparecia regularmente no rádio, e fez sua última aparição na televisão em 1994. Cega de um olho, morreu em Buenos Aires, na noite de natal, aos 98 anos.

Texto: Rist, Peter H. Historical Dictionary of South American Film. Plymouth: Rowman & Littlefield, 2014, pp. 403-4. 


(*) N. do E: no IMDb consta como sendo de 1942. 

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Filme do Dia: Der Traum des Bildhauers (1907), Johann Schwarzer

Filme do Dia: Quem é a Bruxa? (1949), Friz Freleng

A Thousand Days for Mokhtar