Filme do Dia: A Aldeia do Pecado (1927), Ivan Pravov & Olga Preobrazhenskaya

 


Aldeia do Pecado (Baby Ryazanskie, URSS, 1927). Direção: Ivan Pravov & Olga Preobrazhenskaya. Rot. Original: Boris Altshuler &  Olga Vishnevskaya. Fotografia: Konstantin Kuznetsov. Música: Sergei Dreznin. Dir. de arte: Dmitri Kolupayev. Com: Kuzma Yastrebitski, Raisa  Puzhnaya, Olga Narbekova, Yelena Maksimova, Georgi Bobynin, Emma Tsesarskaya, Ivan Savelyev, E. Safonova.

1914. Anna (Puzhnaya) é uma garota órfã que vive com a tia Alena (Safonova). Wassillij (Yastrebitski) pretende casar o filho Ivan (Bobynin) em um casamento arranjado, ao qual tanto um como outro são contrários. Porém quando Anna percebe que se trata de Ivan, e esse dela,  as resistências caem. Porém a escolha de Wassillij igualmente teve interesse próprio, já que também se sente atraído pela garota desde o primeiro momemto que a viu. Agosto. A I Guerra Mundial se inicia. Autoridades convocam Ivan. As mulheres choram. Anna vai com o pai e Ivan deixa-lo. À rotina pesada dos dias que se seguem sem Ivan, Anna ainda tem que suportar o assédio de Wassillij e os boatos crescentes das outras mulheres. O tempo passa e não há notícias de Ivan. Wassillij assedia Anna sem chances que essa consiga se esquivar. Ela tem um filho do próprio sogro e, com a guerra finda, chega uma carta de Ivan, anunciando seu retorno. Inicialmente feliz, Anna imediatamente se dá conta, a partir da provocação das outras mulheres da família, que ela terá que ajustar suas contas com o esposo pela infidelidade praticada. Uma mansão está sendo reformada e limpa para servir de orfanato. Wassillissa (Tsesarskaya) afirma que Anna puderá viver lá quando tudo estiver pornto, mas ele deve retornar à fazenda até que isso ocorra. Anna segue seu conselho. É época do Festival da Primavera. Toda a comunidade festeja com brinquedos em um parque. Ivan retorna. Ao chegar em casa, após a acolhida dos parentes, indaga sobre Anna. Ao encontra-la no quarto o primeiro impulso de felicidade é vencido pela visão da criança no berço. Ivan empurra Anna que, desesperada, corre rumo à morte. Seu corpo é trazido a casa. Wassillissa pega o bebê para si e abandona a casa, indicando que Ivan deve saber do pai o que houve.

Com sua narrativa circular, iniciando com imagens da vida na primavera, numa celebração semipanteísta em que animais e homens parecem partilhar e retornando a essa nas imagens finais do Festival da Primavera, esse filme é uma gema rara e hoje pouco lembrada. Afastando-se quase que por completo de uma retórica revolucionária no estilo da que os cineastas contemporâneos-conterrâneos mais célebres efetivavam, seja em termos de estilo visual, seja em termos de trama – uma exceção parcial sendo o seu final, que parece sinalizar uma utopia que se abre em meio a  uma sociedade fortemente patriarcal e conivente com os abusos perpetrados, o filme se constrói numa chave próxima da fábula moral com proeminência rara dada às personagens femininas, o que pode ser explicado, em grande parte, pela co-direção de Preobrazhenskaya. Mesmo que longe de seguir uma estética padrão qual seja, sendo esse um dos maiores de seus trunfos,  pode-se afirmar sem medo que essa produção deve menos aos filmes de montagem vanguardista conterrâneos que à sensibilidade pictórica desenvolvida pelos filmes expressionistas alemães – sobretudo no momento em que a sombra de Wassillij já é um prenúncio do estupro que se seguirá, mas igualmente no momento em que a câmera se desloca no ritmo do divertimento das pessoas no parque, evoando retrospectivamente Nosferatu e Varieté. E não apenas no plano pictórico, mas igualmente do gestual dos atores. Porém, existem muitos outros momentos de surpreendente beleza das sobreimpressões que demarcam a mistura que existe entre o contato com o ambiente que nos circunda e nossas vidas interiores, tão poucas vezes expresso de forma tão significativa quanto na travessia da carroça em que pai e filho, embora observando a paisagem, não deixam de pensar na mesma garota. Ou ainda os grandiosos planos em que se observa a ceifa dos campos de trigo em meio ao vento, onde movimento da natureza e dos corpos humanos ocorre. Se não existe uma retórica explícita pro-revolucionária no filme, fica patente – e certamente ainda mais para o público soviético da época – que Wassillissa se destaca, dentro do ambiente feminino que culpabiliza a vítima pelo ocorrido, enquanto exemplo de acolhimento e solidariedade feminina, ainda que o faça mais incisivamente somente com a chegada do irmão e já depois de Anna se encontrar morta. A própria figura de Anna, em última instância, não difere da figura passiva e vitimada de mulher do melodrama convencional, ainda que a moldura em que tal tratamento se dá construa uma situação pungente muito mais que clichê. Um dos poucos momentos em que o filme traz uma montagem mais dinâmica, evocativa dos filmes vanguardistas, ao menos de meramente se aproximar do ritmo frenético daqueles, é o que descreve os festejos das bodas de Anna e Ivan.  A trilha sonora, criada especialmente para o filme, é um elemento importantíssimo no sucesso do projeto como um todo. Sovkino. 88 minutos.

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