O Dicionário Biográfico de Cinema#3: Clint Eastwood

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Clint Eastwood (Clinton Eastwood Jr.). n. San Francisco, 1930.

1971: Perversa Paixão/Play Misty for Me; 1973: O Estranho Sem Nome/High Plains Drifter; Interlúdio de Amor/Breezy; 1975: Escalado para Morrer/The Eiger Sanction; 1976: Josey Wales. o Fora-da-Lei/The Outlaw Josey Wales; 1977: Rota Suicida/The Gauntlet; 1980: Bronco Billy; 1982:  Raposa de Fogo/Firefox; 1983: Impacto Fulminante/Sudden Impact; 1985: O Cavaleiro Solitário/Pale Rider; 1986: O Destemido Senhor da Guerra/Heartbreak Ridge; 1988: Bird; 1989: Cadillac Cor-de-Rosa/Pink Cadillac; 1990: Coração de Caçador/White Hunter, Black Heart; Rookie, Um Profissional do Perigo/ The Rookie; 1992: Os Imperdoáveis/Unforgiven; 1993: Um Mundo Perfeito/A Perfect World; 1995: As Pontes de Madison; The Bridges of Madison County; 1997: Poder Absoluto/Absolute Power; Meia-Noite no Jardim do Bem e do Mal/Midnight in the Garden of Good and Evil; Crime Verdadeiro/True Crime; 2000: Cowboys do Espaço/Space Cowboys; 2002: Dívida de Sangue/Blood Work; 2003: Sobre Meninos e Lobos/Mystic River; 2004: Menina de Ouro/Million Dollar Baby; 2006: A Conquista da Honra/Flags of Our Fathers; Cartas de Iwo Jima/Letters from Iwo Jima; 2008: A Troca/Chageling; Gran Torino; 2009: Invictus.

Em setembro de 1993, no National Film Theatre, de Londres, o Príncipe Charles presenteou Clint Eastwood como membro do British Film Institute. O breve momento que compartilharam no palco foi um estudo fascinante sobre a celebridade e divindade da fama. Um visitante de outro planeta, alertado sobre como reconhecer a realeza moderna - sua eminência natural, sua graça e autoridade, seu senso de divino transformado agnosticamente em simples glamour - não teria dúvidas sobre qual o homem seria o príncipe. Trajando smoking, barbeado, cabelos grisalhos, uma cabeça esguia e um sorriso de rapaz tranquilo, Clint parecia tão bem quanto alguém aos 63 poderia aparentar. Cerca de um mês antes de sua chegada a Londres, havia tido uma criança com a atriz Frances Fisher (de Os Imperdoáveis). Não houve escândalo ou gozações. Praticamente tudo que vem de Eastwood se torna rentável por sua majestade. Enquanto Charles Windsor (que soa como um vendedor de carros usados em South Circular Road) mal pode pegar o telefone sem ser motivo de chacota, não poderia se sentar ao lado de Eastwood sem se tornar apreensivo, uma triste inquietação, um manequim de alfaiate destituído de vida ou glória.

Já lhe ocorreu que, por volta de 1994, Clint Eastwood se encontrava entre os poucos americanos admirados e respeitados em casa e no estrangeiro, sem reservas ou ironias? Quando o uma vez prefeito de Carmel insiste não estar concorrendo para nada, sentimos pesar. Temos tido atores tão desonestos cuidando de nós - não merecemos Clint? Ele tornou-se uma verdadeira imagem de herói, um homem esculpido na rocha de Gary Cooper, ainda que seus olhos sejam ainda mais autossatisfeitos que os de Cooper. É um magnífico homem de negócios, patrão da Malpaso Productions, e a galinha dos ovos de ouro para os estúdios que tiverem a sorte de ter seus filmes, um modelo de economia empresarial e frutífera independência. Já houve algum realizador tão destituído de neurose, tão constante ou constantemente se superando? Enquanto diretor, orquestra sua própria obra de ator: bastante consciente de suas limitações, sabe como se apresentar bem, como se servir e transmitir sua própria imagem, enquanto realiza um trabalho comercial interessante e honesto. Não há nada modesto, fanfarrão ou instável, nada que destoe do equilíbrio e da autenticidade. Como disse no National Film Theatre - e nos deixou sentindo-nos afortunados de estarmos diante de sua presença (um verdadeiro atributo do estrelato). Não há ninguém em Hollywood hoje que possa suportar tal sucesso sem o riso selvagem e contorcido do lucro, vingança ou absurdo. Ele é nosso cavaleiro - de alguma forma - e envergonha os astrólogos,  alquimistas, cortesões, e os barões ladrões que, de outra maneira, governam a corte.

Por volta do final dos anos 70, Eastwood já havia se provado em três áreas distintas: na televisão, no western italiano e como herói de Don Siegel. Sua própria companhia, Malpaso (batizada por conta de um riacho em Carmel, onde teve sua primeira moradia), permitiu-lhe dirigir seu primeiro filme, Perversa Paixão, aceno generoso em relação à direção de Siegel e um intrigante estudo da segurança masculina, destruída pela paranoia feminina. Até aqui Eastwood tem sagacidade e humor suficientes de debilitar a forte supremacia masculina que o tornou célebre. E é na área do autodidatismo que Eastwood é mais liberal.

Seus pais não eram bem situados. Clint trabalhou como lenhador e serviu o exército, antes de ser contratado enquanto alto e belo atleta pela Universal. Interpretou pontas em Francis na Marinha/Francis in the Navy (51, Arthur Lubin); O Suplício de Lady Godiva/Lady Godiva (55, Lubin); Nunca Deixei de Te Amar/Never Say Goodbye (56, Jerry Hopper); Mulheres, Sempre Mulheres/The First Travelling Saleslady (Lubin, 56); Emboscada em Cimarron Pass/Ambusch at Cimarron Pass (58, Jodie Copeland), e Lutando Só Pela Glória/Lafayette Escadrille (58, William  Wellman). A fama maior viria com o intervalo de sete anos (1959-1966) interpretando Rowdy Yates na série de TV Rawhide (onde iniciou dando uma mão no roteiro e direção).

Esse status o ajudou a ir para a Itália interpretar o taciturno "homem sem nome" na trilogia da violência mercenária e dos desertos espanhóis de Sergio Leone: Por um Punhado de Dólares/A Fistful of Dollars (64); Por Uns Dólares a Mais/For a Few Dollars More (66) e Três Homens em Conflito/Il Buono, Il Brutto, Il Cattivo (66); e no episódio de As Bruxas/Le Streghe (66, Vittorio De Sica). Incontrolavelmente bem sucedidos e influentes, estes filmes possuem uma atitude kitsch, que Eastwood gradualmente renegou. Porém, retornou aos Estados Unidos para fundar a Malpaso e realizar o primeiro western ítalo-americano, A Marca da Forca/Hang 'em High (68, Ted Post). Duas tentativas caras de estender seu apelo ao filme de guerra e musical não foram bem sucedidas de todo: O Desafio das Águias/Where Eagles Dare (68, Brian G. Hutton) e Os Aventureiros do Ouro/Painted Your Wagon (69, Joshua Logan); e Os Guerreiros Pilantras/Kelly's Heroes (70, Hutton). Ele ainda podia parecer durão e ansioso como ator, como se tivesse sido persuadido por Leone de que bastaria ser um ícone.

Eastwood foi mais feliz de se encontrar a si mesmo, seu humor e alguma tranquilidade nos heróis crescentemente sitiados de Don Siegel. Sua relação demonstrou ser mutuamente benéfica. Siegel ganhou uma nova vida, enquanto Eastwood encontrou um aprendizado - "se existe uma coisa que aprendi de Don Siegel é saber o que você quer filmar e saber o que você está vendo, no momento que o vê." Seus filmes em parceria foram: Meu Nome é Coogan/Coogan's Buff (68); Os Abutres Tem Fome/Two Mules for Sister Sara (69); O Estranho que Nós Amamos/Beguiled (70); Perseguidor Implacável/Dirty Harry; Perversa Paixão (com Siegel interpretando um papel menor) e Alcatraz: Fuga Impossível/Escape from Alcatraz (79).

Como ator, Eastwood floresceu com Siegel, trocando brutalidades arbitrárias em uma impressionante galeria de derrotados embrutecidos. Seu trabalho em Perseguidor Implacável, por exemplo, é mais complexo e sedutor que o extravagantemente elogiado assaltante de Gene Hackman em Operação França/The French Connection. Enquanto Hackman transforma a sequencia do metrô em uma situação de comédia pastelão, em Perseguidor Implacável  Eastwood nos proporciona uma história bastante comovente de um um homem da lei enfurecido, levado a abandonar seu distintivo pelo incontrolável crescimento da desordem e burocracia liberal. Harry foi chamado de fascista em alguns lugares, mas hoje parece claro que Eastwood oferecia uma visão torturada dos ideais conservadores em um momento de ruptura.

Eastwood ainda atirava em diferentes direções - realizando sucessos fáceis ou insistindo em novos territórios e atitudes. Joe Kidd (72, John Sturges), demonstrou que ele podia regressar a uma violência enigmática. Suas segunda direção, O Estranho Sem Nome, devia mais aos filmes de Leone que aos de Siegel. Em Magnun 44/Magnun Force (73, Ted Post) e Sem Medo da Morte/The Enforcer (76, James Fargo), podia-se perceber como o detetive Harry Callaham se tornou uma instituição cínica, completa com depravados cruéis e destruição total. Escalado para Morrer/The Eiger Sanction foi seu filme mais estúpido. Mas Josey Wales (tomado de seu roteirista, Phillip Kaufman) foi um western incomum e picaresco, expondo seu resoluto herói em busca de vingança ao frio humor de um velho índio e um desordeiro grupo de excêntricos.

É notável, como nos anos 80, carreiras mais 'distintas' - digamos Beatty, Hoffman, Redford - minguaram ou pararam - enquanto um Eastwood ostensivamente de "baixa classe" havia aprendido, aperfeiçoado-se, desenvolvido-se e se tornado uma das figuras mais respeitadas e amadas do cinema americano. O Clint muito perigoso de Perseguidor Implacável cedeu a um veterano grisalho, supostamente mais velho, experiente e meigo.

Ainda há discussão sobre o Eastwood diretor - mesmo que ninguém possa disputar os méritos de ter realizado dez filmes entre os anos 1980-90 (poucos alcançaram essa proeza, sem falar que atuou em nove dos dez!). Além do que, o refinamento enquanto ícone afetou sua direção: há mais espaço para o discernimento, a ironia e o pesar que agora coexiste com sua precisão bastante prática e profissional. Até o momento não sinto eloquência, muito menos poesia ou beleza, e devo sublinhar o fracasso de Bird, seu filme mais ambicioso. A música foi domesticada e Parker higienizado com o escalamento do doce Forest Whitaker. O verdadeiro Parker, suponho, era mais grosseiro e agressivo. De fato, Bird nos deixou a sensação que Eastwood era mais próximo do temperamento de um Benny Goodman ou Stan Kenton.


Bronco Billy e Honkytonk Man - A Última Canção/Honkytonk Man foram afastamentos bem vindos da supremacia masculina. Tightrope (84, Richard Tuggle) deu um impressionante tratamento a disfunção sexual em um policial durão, em um filme não menos impressionante, e mesmo desconcertante. Em viés contrário, Cidade Ardente/City Heat (84, Richard Benjamin), com Clint e Burt Reynolds, Raposa de Fogo, Impacto Fulminante, e O Cavaleiro Solitário estavam livres de riscos, verdadeiros tickets-refeição para entorpecer mentes. Coração de Caçador foi outro honroso fracasso, e que apresentava os limites definidos de Eastwood como ator. Os Imperdoáveis foi sua melhor performance e certamente seu melhor roteiro (por David Webb Peoples). Porém o filme foi sobrevalorizado: por que ou como esse homem deixou suas crianças na pradaria? E como sua compreensível inaptidão enquanto pistoleiro súbita e convenientemente desaparece para revelar o velho anjo da morte leonesco?

Porém esse pode ser um comentário invejoso. Eastwood tornou-se um homem surpreendente e empreendedor: produziu o documentário A Vida e a Música de Thelonius Monk/Thelonius Monk: Straight, No Chaser (88, Charlotte Zwerin); ele foi um amigo para Por Volta da Meia-Noite/Round Midnight (86, Bertrand Tavernier); e patrocinou a estreia como diretora de sua namorada em Ratboy (86, Sondra Locke). Soma-se a isso companhias incomuns: não apenas um orangotango  em Doido para Brigar...Louco para Amar (78, Fargo) e Punhos de Aço: Um Lutar de Rua/Any Which Way You Can (80, Buddy Van Horn) e uma série de interessantes, singulares (e econômicas) atrizes: Sondra Locke, Marsha Mason, Diane Venora, Bernadette Peters e Geneviève Bujold. 

Quando Os Imperdoáveis ganhou melhor filme e melhor diretor (com um Oscar de coadjuvante indo para Gene Hackman), a consagração de Eastwood foi manifesta. Seu filme seguinte, Na Linha de Fogo/In the Line of Fire (93, Wolfgang Petersen) - foi sua prova perfeita: esse foi entretenimento comercial, com um belo elenco e interpretações, cheio de suspense - e ridículo. Deu a Clint seu melhor romance nas telas (com Renée Russo) e um soberbo oponente em John Malkovich (ainda melhor por não terem interpretado cenas juntos, portanto mascarando o choque radical em estilos de atuação). O filme teve tudo - exceto uma dica ou vislumbre que ele desejava ser mais que o melhor e mais suave motor em funcionamento na estrada. Ele é um Cadillac, ainda que prefira uma superestrutura Ford. É honestamente mediano, e dedicado a eficiência. Até Gary Cooper - óbvia comparação - tornou-se uma figura trágica. O teste que aguarda Eastwood é se ele poderá se encontrar a si mesmo na neurose e no fracasso. 

Ainda não. Nos anos de glória e respeito, Eastwood dirigiu mais sete filmes (de As Pontes de Madison a Sobre Meninos e Lobos). Sejamos sinceros: Dívida de Sangue foi diversão moderada e geriátrica, Poder Absoluto foi estúpido, Crime Verdadeiro foi preguiçoso, As Pontes de Madison foi por admiração a Meryl Streep e Meia-Noite no Jardim do Bem e do Mal foi atroz. Porém Sobre Meninos e Lobos foi um filme real, e uma visão impotente da maldade humana. Senti que seu enredo é fabricado, e que foi indulgente com seus atores. Mas alguns sentiram que esteve próximo da grandeza. Caso sim, é claro quão frequente tem margeado essa grandeza.

Na mais recente atualização desse livro, Clint dirigiu mais seis filmes, dois deles complexos filmes de guerra! Na faixa dos setenta anos! Uma façanha extraordinária. Aliás, gostei somente de um dos filmes, Menina de Ouro, mas gostei bastante. Os filmes sobre as guerras do Pacífico me parecem  demasiado banais. A Troca é simplesmente horrível. E Gran Torino demonstrou o quão conservador ele é. Mas Garota de Ouro foi um doce golaço de diversão. Após Gran Torino, disse que abandonaria a interpretação - para poder se concentrar no trabalho.

Texto: Thomson, David. A Biographical Dictionary of Film. N.York: A. Knopf, 2010, pp. 2979-3001. 

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