Filme do Dia: O Homem dos Olhos Tortos (1918), José Leitão de Barros

 


O Homem dos Olhos Tortos (Portugal, 1918). Direção: José Leitão de Barros. Rot. Adaptado: Reinaldo Ferreira, a partir de sua própria obra, O Mistério da Rua Saraiva de Carvalho. Fotografia: Manuel Maria da Costa Veiga. Dir. de arte: Reinaldo Ferreira. Com: António Sarmento, Raul de Oliveira, Raquel Barros, Álvaro Pereira, Casimiro Tristão, Humberto Miranda, Alda de Aguiar.

Goés (Sarmento) se encontra na cola, com seu assistente Gafanhoto (Oliveira), do desmascaramento do espião de guerra, conhecido como Homem dos Olhos Tortos (Pereira), que enganou uma fina dama da sociedade, Margarida (Aguiar) e pretende entregar informações secretas à Alemanha.

Jamais saberemos se possuiria a mesma eficácia narrativa dos thrillers pioneiros envolvendo situações rocambolescas, espionagem e crimes como as contemporâneas alemãs (a exemplo de Lang), no qual esse filme provavelmente se inspirou. Provavelmente não. Mas o que restou desse material de filmagem de uma produção não concluída, arranjado posteriormente a partir do folhetim que o inspirara, acrescentando cartelas que não foram produzidas originalmente para o mesmo, mas extraídas igualmente do folhetim, trazem como resultado a perspicácia de alguém que sabe construir elementos atmosféricos, a partir de interiores e exteriores filmados em locações e tirando grande partido da profundidade de campo, como habitual, assim como dos atores em vários momentos passando rasantes à câmera, assim como dos efeitos de contraste entre claro e escuro nos corredores e túneis que a narrativa faz uso. Se é verdade que o vilão-título porta uma capa e uma luva, os bandidos se encontram mascarados, e uma mulher se encontra coberta por escuras vestes e véu,  na cartilha do que estava se instituindo como o gênero de aventura, de grande sucesso na Alemanha e França, o bigodinho do herói e o fato do vilão se chamar Waldemar o aproximam mais das referências culturais locais, numa curiosa mescla que ainda se encontra mais marcadas nas produções da década seguinte do brasileiro Humberto Mauro. A estratégia de apresentar grandes nacos da história, a partir da transcriação literal do texto do folhetim, mesmo tendo o mérito duvidoso de torna-la mais compreensível, também já antecipa todos os eventos a serem observados nos minutos que se seguem. Mesmo em se tratando de um filme inacabado,  apresenta um material bem finalizado e, aparentemente, destituído de quase qualquer presença da continuidade enquanto contiguidade que se observa como maior herança de Griffith para o cinema narrativo clássico. Por outro lado, surpreende pela escolha ocasionalmente inesperada de algum ângulo, como quando observa de um outro ângulo a mesma cena a se suceder, provocando uma mudança de eixo ou ainda quando posiciona a câmera embaixo do cimo da torre em que se encontra o vilão com a heroína. Que a maior parte do trajeto habitualmente rocambolesco da história, que inclui desde a descoberta de Gafanhoto que Waldemar era, na verdade, seu pai, libertando-o, que Goes se travestira como sua amada para engana-lo e a licença bélica (piscadela de propaganda de guerra) do alistamento de Magda, aliás Margarida na Cruz Vermelha, assim como Gafanhoto no exército, sobrando apenas Goés em continuado combate ao crime de Lisboa, não seja encenado, talvez se deva aos custos exorbitantes para a companhia que o produziu, mesmo motivo que deve ter asseverado a produção não ter sido finalizada.  Lusitânia Film. 92 minutos.

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