O Dicionário Biográfico de Cinema#140: Stanley Kubrick

 

Stanley Kubrick (1928-99), n. Bronx, Nova York

1953: Fear and Desire [Medo e Desejo]. 1955: Killer's Kiss [A Morte Passou por Perto]. 1956: The Killing [O Grande Golpe]. 1957: Pahts of Glory [Glória Feita de Sangue]. 1960: Spartacus. 1962: Lolita. 1964: Dr. Strangelove, or How I Learned to Stop Worrying and Love the Bomb [Dr. Fantástico]. 1968: 2001: A Space Odissey [2001: Uma Odisséia no Espaço]. 1971: A Clockwork Orange [Laranja Mecânica]. 1975: Barry Lyndon. 1980: The Shining [O Iluminado]. 1987: Full Metal Jacket [Nascido para Matar]. 1999: Eyes Wide Shut [De Olhos Bem Fechados]

Muito antes de O Iluminado, Kubrick já havia se retirado para seu Hotel Overlook. Não era apenas a propriedade Buckinghamshire, nem simplesmente a Inglaterra - em oposição à América. Seu verdadeiro nicho era se retirar para lugares mais elevados, espirituais, uma morada de paranóia, reinado, e a astuta sugestão de ser maior que os outros poderiam sonhar. Sua reclusão foi como os tamboretes de abertura em uma overture de Wagner. A Warner Brothers aparentemente tolerou sua visão de si próprio (financiaram filmes após Barry Lyndon), anunciando a si próprios com antecedência, como privilegiados para financiar o que ele decidisse. Pode não ter sido uma fé lucrativa, o que é uma enorme prova da autoridade fria e destituída de humor de Kubrick.

Agora que ir ao cinema não mais se tornou um hábito, temos supostamente um público que é mais seletivo. Tudo isto parece aparentar, na prática, que enqunto as pessoas iam ao cinema como se fossem à padaria, agora fazem decisões específicas de ver filmes que foram feitos para corresponder as suas expectativas supostamente mais elevadas. Evidentemente, o sistema atual permite que as plateias façam escolhas erradas, assim como as certas, enquanto não pensaram na escolha. E também encorajou certos diretores em um "pacote noturno" extraordinariamente inteligente como Laranja Mecânica. Kubrick assinalou sua própria gravidade com anos de preparação, filmagens interminavelmente meticulosas, o flerte com tópicos sérios e alcovitando o apetite do público por sensação e vulgaridade a despeito da importância.

Após 1961, Kubrick se baseou na Inglaterra, com algo do decoro preciosista do escritor em Laranja Mecânica que é inutilizado por Alex e os Droogs. Cinco filmes foram passados ao mundo deste retiro, que levam uma visão crescentemente sentenciosa e nilística de nossa ética social e moral, mas que são tão destituídos de personalidade artística quanto os mundos que Kubrick elegantemente extrapola. 

A laboriosidade do processo precisa ser enfatizada porque ela afeta diretamente o tédio raramente admitido dos filmes. Preparação e filmagens para Kubrick são uma operação extensa, com especial ênfase na direção de arte e na engenharia das lentes, mas com atenção superficial ao personagem ou a narrativa. O ponto é crucial: a inventividade cinemática  deve crescer a partir de uma atitude para com as pessoas, e na forma de uma preocupação com o meio. Reconhece-se que Hitchcock era um homem arrepiante; seu estilo se encaixava nele perfeitamente. O estilo de Kubrick, no entanto, é meretrício, exigente e destacável. 

O ridículo trabalho de 2001, os cenários cavernosos, e as lentes especiais se sustentam em uma noção incompleta das origens e do propósito da vida que um estudante de primeiro ano se envergonharia. Mas esta mensagem numa garrafa dura mais de três horas, e o filme possui longas sequencias de auto-indulgência autoral. Pode-se maravilhar com as sensibilidades banais agradadas pelo uso dos dois Strauss - tão bobo quanto os efeitos de algum programa de TV qualquer - em meio a tanto filosofar e tantos lances intermináveis de máquinas inteligentes.

Kubrick trata os computadadores da forma que Sternberg tratou Dietrich. A comparação que compreensivelmente diminui 2001 é com Metropolis. 2001 é incomensuravelmente mais culto, não apenas em termos dos segredos da existência, mas porque Metropolis é uma espécie de filme infantil. Mas toda a inventividade de Metropolis - tão surpreendente em seus dias quanto o orçamento de 2001 - é subordinada ao aspecto humano do filme. Metropolis é sobre a sociedade e ainda ressoa com o confronto de raiva da autoridade e esperança para o futuro. Ao lado dele, 2001 se assemelha com um brinquedo elaborado e acadêmico, tornado lento para parecer importante e distrair a atenção de sua vacuidade. 

2001 também tornou claro as falhas de Kubrick como narrador. Foi uma perda efetiva, resultado de um instinto narrativo submetido às pretensões intelectuais. Inicialmente, em A Morte Passou por Perto e O Grande Golpe, Kubrick era suficientemente capaz de contar histórias, mesmo que repletas de ímpetos melodramáticos e conexões escorregadias. Mas Lolita e Dr. Fantástico ilustram a gradual depreciação da narrativa em um esforço para conquistar a mistura de esplendor visual e carga temática a que Kubrick aspira. 2001 é todo implicações e nenhuma história, aonde Lolita de Kubrick havia sido todo história e nenhum traço de estilo, atmosfera ou gosto. Esta história de amor aos Estados Unidos foi  ruidosamente ferida na Inglaterra.

Porém a mais impressionantemente evidente hesitante narrativa de Kubrick é Laranja Mecânica. Apesar de seus ultrajantes cenários, este filme é incerto de como desenvolver sua narrativa e pusilânime em sua atitude à violência. O romance de Anthony Bugess é de longe mais espinhoso, porque evita a digressão de Kubrick na inócua tarefa de inventar o futuro com lentes grandes angulares e direção de arte. Aonde Alphaville é sonoramente baseado no mundo  já futuro na mente de um visionário, Kubrick se empolga com seus temíveis cenários inteligentes e seus planos de grande angular descaradamente surrupiados. De fato, ele tem sido eclético, dado particularmente a imitar Welles. Mas enquanto as grandes angulares de Kane são distorções da alma de um homem, em Laranja Mecânica ajudam a beleza obscena de cenário após cenário. O barroco vulgar de Kubrick está em sua relutância de deixar passar um único plano sob sua assinatura. As consequencias de um cinema de direção de arte são excessivas em Laranja Mecânica, como testemunham a condescendência no desenho da casa dos pais de Alex.

Quanto a filosofia de Laranja Mecânica, é jornalística e superficial. Sua hesitante sugestão que há uma relação entre uma violência assistida nos filmes e chegar a um acordo com ela é derrisória, ao lado dos quarenta anos de análise do voyeurismo de Hitchcock. E deve ser observado que Laranja Mecânica é o retrato de um futuro infundido com medo reacionário, covarde sobre a violência de bandidos ou uma análise séria de suas causas, e esquizofrenicamente capaz de embelezá-lo como um meio de condenação desejável. (Evidentemente, Kubrick possui sentimentos mistos sobre Laranja Mecânica. Na Inglaterra, onde controla o filme, proibiu exibições após o que parecia ser um assasinato imitando-o.)

O Iluminado, para mim, é o único grande filme de Kubrick, tão rico e cômico, que compensa suas diversas falhas. Os elementos da história de horror se tornam um estudo do isolamento, do espaço, e da imaginação suscetível de um homem que não tem as habilidades para ser um escritor. O Iluminado é sobre intimidades intuitivas, boas ou ruins, e possui uma intrigantemente destacada visão da aparente situação moral de sua história. Talvez Jack Torrance seja um monstro, um pai enlouquecido; talvez a família seja o sufocamento que qualquer um deve temer. O filme é particularmente divertido (especialmente quando Nicholson vai além de seu limite), serenamente assustador, e infinitamente interessante. O Hotel Overlook não é somente  um grande cenário, mas um museu do cinema, esperando por seus habitantes espectrais.

Nascido para Matar, no entanto, foi uma abominação, obsessivamente disciplinado, e se esforçando em fazer o Vietnã em locações inglesas. É o tipo de filme que o Sr. Torrance poderia ter feito. 

Kubrick morreu com De Olhos Bem Fechados finalizado, mas ainda não estreado (*), então foi poupado das críticas terríveis, consternação pública e até mesmo dos sentimentos dolorosos de Cruise e Kidman.  Para mim,  é uma paródia, mas Kubrick foi sempre um "mestre" que sabia demasiado sobre cinema e demasiado pouco sobre a vida - e o filme o demonstra. 

Texto: Thomson, David. The New Biographical Dictionary of Film. N. York: Alfred A. Knopf, 2014, pp. 1465-68. 

(*) Thomson faz um trocadilho espirituoso intraduzível, com fechado (shut) do título do filme e estreia (opening)

Comentários

  1. Este comentário foi removido pelo autor.

    ResponderExcluir
  2. Cara, acho que o Kubrick comeu a mulher do cara que escreveu esse texto. E faz todo sentido, o cara que termina todo parágrafo com um adjetivo ou advérbio e utiliza "meretrício" e "alcovitando" só pode ser broxa.loja virtual

    ResponderExcluir

Postar um comentário

Postagens mais visitadas deste blog

Filme do Dia: Der Traum des Bildhauers (1907), Johann Schwarzer

Filme do Dia: Quem é a Bruxa? (1949), Friz Freleng

Filme do Dia: El Despojo (1960), Antonio Reynoso