Filme do Dia: A Queda da Dinastia Romanov (1927), Esfir Shub

 


A Queda da Dinastia Romanov (Padenie Dinastii Romanovykh, União Soviética, 1927). Direção: Esfir Shub. Rot. Adaptado: Esfir Shub, a partir de Lênin. Montagem: Esfir Shub.

Tratando-se aparentemente do primeiro filme de compilação de imagens de arquivo da história do cinema, ou ao menos do primeiro a de fato provocar ressonância, demonstrando uma vez mais a criatividade quase infinita dos soviéticos em relação ao universo da montagem e aos princípios da colagem (presente também na arte construtivista contemporânea e, de forma bem mais complexa, no posterior O Homem com a Câmera, de Vertov), faz uso da ironia seja a partir de contraposição de imagens – mulheres e homens da aristocracia gastando sua energia em um baile em contraposição a trabalhadores rurais semeando o campo, de forma a ressaltar ainda mais, inclusive em termos alegóricos, a esterilidade do regime em queda. E ainda o fausto da mesa e a cerimônia no compartimento dos oficiais que segue as imagens de grumetes lavando o chão do navio, numa espécie de reprodução em menor escala ou mais focada da contraposição de classes anterior. Ou, no caso da banda sonora, ao menos dessa cópia em questão, por exemplo, ao apresentar os acordes dos hinos das potencias europeias reunidas (Áustria, Alemanha, Reino Unido e França) quando da chegada de seus representantes, a grandiloquência apenas fazendo ressaltar o ridículo de toda a pompa, para a celebração do tricentenário da Dinastia Romanov. Alguns dos alvos que o filme visa, como a produção de armamentos bélicos pela Rússia após o ingresso na I Guerra Mundial, associados com a tecnologia (fábricas onde homens dão retoques em obuses, aviões e dirigíveis, navios de proporções gigantescas ou “barcos da morte” como se refere a cartela) certamente valeriam para o próprio regime soviético que sucedeu à monarquia, algo que ganharia proporções talvez impensáveis nesse período, quando da Guerra Fria. É extraordinária a quantidade de material filmado que Shub tem acesso, sobretudo se se leva em conta que boa parte do que foi produzido no período ao qual se refere se perdeu na Guerra Mundial e na própria Revolução Soviética seguida de guerra civil. Assim, quase todas as personalidades do mundo civil, militar e político que se refere são apresentadas, como é o caso de um importante proprietário, que posa diretamente à câmera. Por vezes seu tom é menos irônico e mais direto como quando apresenta trabalhadores ocupados nas indústrias de armas seguidos por uma cartela que suas mãos estão preparando a morte de seus irmãos, numa clara alusão a um nacionalismo cego à solidariedade entre classes de orientação marxista. O documentário apresenta em um crescendo a fabricação de armamentos bélicos, cenas de guerra – inclusive de um navio de bandeira americana afundando vertiginosamente – e o saldo que uma cartela contabiliza em 35 milhões de vítimas entre mortos e feridos seguido por uma imagem de diversos cadáveres insepultos. Embora o livro de Lênin seja tido por alguns créditos como fonte de adaptação, provavelmente deve ter guiado algo fluidamente a execução do mesmo, sendo mais presente em seus trechos finais, quando cartelas que fazem referência direta ao livro surgem. E justamente talvez o trecho mais aborrecido e algo previsível do filme. Porém ao contrário de cenas esganiçadas de conflitos violentos de rua (tal como observados no contemporâneo Outubro) o filme faz questão de enfatizar através de longos planos (e uma cartela) quão pacífica é a marcha dos trabalhadores por Petrogrado (futura Leningrado). Só próximo ao final é que observamos Lenin discursando e conversando com alguém que se aproxima. Sua pose no discurso é evocativa de todo uma construção visual em monumentos, ainda que evidentemente menos grandiosa que nesses e ouve-se os acordes da Internacional Comunista.  Enquanto peça de propaganda demonstra ser bem menos complexa que o referido filme de Vertov, em que críticas precoces já surgem ao novo regime. Obviamente que o filme se encerra com o momento da queda da dinastia ao qual se refere o título, sem ter que se deparar com a continuidade da guerra civil que se sucedeu ou mesmo com a execução sumária da família real que sela não apenas sua queda, mas eliminação física. Cópia aparentemente de uma versão de 1991 provavelmente para vídeo.  Sovkino. 87 minutos.

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