Filme do Dia: Um Rosto de Mulher (1941), George Cukor
Um Rosto de Mulher (A Woman’s Face,
EUA, 1941). Direção George Cukor. Rot.
Adaptado Donald Ogden Stewart & Elliot Paul, a partir da peça de Francis de
Croisset. Fotografia Robert H. Planck. Música Bronislau Kaper. Montagem Frank
Sullivan. Dir. de arte Cedric Gibbons. Cenografia Edwin B. Willis. Figurinos
Adrian. Com: Joan Crawford, Melvyn Douglas, Conrad Veidt, Osa
Massen, Reginald Owen, Albert Bassermann, Marjorie Main, Donald Meek, Richard
Nichols.
A
inescrupulosa Anna Holm (Crawford), mantém-se a partir de chantagens que
provoca, em associação com o oportunista Torsten (Veidt). Uma das vítimas que
Anna busca chantagear, é a infiel esposa do Dr. Gustaf Segert (Douglas), Vera
(Massen). Ela é flagrada por Gustaf, no momento que pressiona Vera e lhe chama
a atenção de Gustaf a forte cicatriz que carrega consigo. Como exímio cirurgião
plástico, Gustaf se oferece a restituir o rosto original de Anna, e o consegue.
Os planos de Anna agora, através da mentoria do inescrupuloso Torsten, são de
se infiltrar na mansão do rico tio de Torsten,
o cônsul Magnus (Bassermann), como governanta, para matar seu neto e
herdeiro Lars-Erik (Nichols), beneficiando Torsten.
Mesmo não
sendo o melhor que Cukor fez à época, trata-se de uma pouco comum versão
hollywoodiana melhor que sua adaptação sueca na qual se inspira (A Mulher
Que Vendeu Sua Alma, no qual Ingrid Bergman vive a personagem de Crawford),
trazendo alguns poucos momentos verdadeiramente dignos de nota – em um deles,
após Anna conseguir salvar o pequeno e imaginar que poderia ter lhe deixado
cicatrizes pelo resto da vida, em um só momento muita coisa é evocada: ao mesmo
tempo que ela leva a mão ao rosto, marca de seu pecado original, desaparecido
fisicamente mas não de sua constituição moral por completo, o seu parceiro do
sugerido crime se incomoda com o “resto da vida” que assume uma traição do
propósito para o qual lá se encontra. A história-moldura que situa os flashbacks
a partir das memórias das testemunhas de um julgamento é um tanto anêmica, e
por vezes felizmente esquecemo-la. São mais incômodos que a permanência dos
personagens e ambientes “europeus”, mas falando em inglês como de praxe então.
Anna mais parece uma matéria plástica que pode ser moldada ao sabor do homem
que se sente sobre influência. Se de Torsten sente um vínculo de dependência
emocional, por ter sido o único a lhe ter demonstrado interesse, ainda enquanto
desfigurada sua face, seria sob influência do Dr. Gustaf, que o próprio Torsten
lhe joga na sua cara a transformação para uma humanista apiedada de seus
semelhantes, numa cena em um sótão sombrio – evocação do passado do ator que
encarna Gustav, o mesmo Veidt de O Gabinete do Dr. Caligari? O cenário
de tal cena também, é claro, acena para aqueles que expressam tudo que é
submerso pela superfície da civilidade humana, tal como os trastes e teias de
aranha o fazem em relação aos muito limpos ambientes restantes da casa.
Engenhosamente, o que é mérito de sua fonte original, não se cai no lugar-comum
de partir do princípio de quem é o assassino, mas sim de qual crime que foi
verdadeiramente cometido. Já a figura da empregada Emma, cumpre o papel dos
serviçais que desconfiam “por instinto” de figuras de má índole (como, noutra
medida, observa-se no hilário Susana, de Buñuel, ao mesmo tempo
melodrama e sátira do gênero). O melhor diálogo do filme, provavelmente, é o
que Gustaf se antecipa ao pedido de desculpas de sua “nova Galatea ou
Frankenstein”, afirmando que era melhor que não proferisse nada sentimental,
pois não se coadunaria à personalidade dela – que, claro, será relida
posteriormente como um veio forte de humanidade represada da personagem, que
pode ser posto na conta dos anos em que foi discriminada pela cicatriz em seu
rosto. E, é claro, não tem como a narrativa ser fidedigna em termos de pontos
de vistas, aos que prestam testemunho, como aliás nunca são. Só que aqui com
muita ênfase, como é o caso do depoimento do cônsul que nos traz a revelação de Anna para o dr. Gustaf de suas reais
intenções iniciais por lá! Interessante como o melodrama já não se encontra no
nível de simplicidade de Griffith, mas continua a reproduzir seus valores, ou
seja, em última instância o rosto belo e a riqueza e estabilidade social se encontram
no eixo do bem, enquanto o rosto maculado pela cicatriz (o mesmo) e a falta de
estabilidade social ou riqueza no eixo do mal. E também suas facilidades, como
é o caso não apenas de Gustaf ser do mesmo círculo social do cônsul, como se
encontrar presente na recepção social em que Anna recebe o ultimato de dar cabo
da criança. O cinema mexicano retornaria aos motivos da peça, com algumas
modificações em seu A Mulher Marcada.
MGM. 147 minutos.
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