O Dicionário Biográfico de Cinema#96: Jean-Pierre Léaud

 

Jean-Pierre Léaud, n. Paris, 1944

Léaud olhou para fora do final paralisado de Les Quatre Cents Coups [Os Incompreendidos] (59, François Truffaut), um adolescente de cara redonda, cabelos curtos, dividido entre inibição e humor atrevido, como o próprio Truffaut. A espontaneidade desse filme, e sua comovente nostalgia por uma infância quase brutalizada advém, em grande parte, da cumplicidade entre Truffaut e Léaud. Mas foi Truffaut bem aconselhado de persistir com o vínculo emocional e autobiográfico? Foi Léaud capaz de sustentar um filme?

Cresceu como um jovem esguio e furtivo; o cabelo solto sobre o nariz afiado de raposa. Não há dúvidas que Léaud estava alerta, atraente, mas parecia astuto, vivendo de eventos em filmes, não realmente tocado por eles. Seu Antoine Doinel foi demasiado indiferente ao sutil devaneio de Baisers Volés [Beijos Roubados] (68, Truffaut), particularmente do prodigioso pacto que Delphine Seyrig faz com ele. Parecia o caso de Truffaut racionalizando sua escolha, mas que sentindo-a. Era alguém demasiado convicto na avaliação dos atores para aceitar a mesquinhez de espírito de Léaud, mas Léaud era um símbolo que sentia-se incapaz de descartar. O potencial para uma narrativa terna de educação sentimental em Beijos Roubados afundou na privacidade gélida de Léaud. Domicile Conjugal [Domicílio Conjugal] (70, Truffaut), com Doinel casado, foi o mais pobre dos filmes do realizador, o lirismo improvisado transformou-se em errante irrelevância. Léaud estava muito mais íntegro em Les Deux Anglaisies et le Continent [As Duas Inglesas e o Amor] (71, Truffaut), ainda que dificilmente antenado com a ressonância literária e sutilezas emocionais do filme. Mal podemos aceitá-lo como romancista, mesmo que se o final, com seu repentino reconhecimento de si mesmo como um invernal solitário, fosse adequado para seu egoísmo ligeiro. 

O Léaud adulto é uma personalidade esforçada e paranóica, apto para os desenhos animados de strip-tease político do Godard posterior. Quando Godard abandonou violentamente a ternura em Pierrot le Fou [O Demônio das Onze Horas], fez de Léaud seu personagem principal em Masculin-Feminin [Msaculino-Feminino] (66), onde a tendência do ator a negações abruptas de solidão são contrariadas por sua auto-insistente postura curvada. De acordo com suas capacidades, Léaud foi o mensageiro do sketch de Godard para Le Plus Vieux Métier du Monde [O Amor Através dos Séculos] (67); "Donald Siegel" em Made in USA (66, Godard); em La Chinoise [A Chinesa] (67, Godard); a figura de Saint-Just demolidor, para se tornar um outro viajante em Week-end [Week-End à Francesa] (67, Godard); o bisneto de Rosseau em Le Gai Savoir [A Gaia Ciência] (68, Godard).

Noutros lugares, apareceu em Le Testament d'Orphée [O Testamento de Orfeu] (60, Jean Cocteau); no episódio de Truffaut de L'Amour à Vingt Ans [O Amor aos 20], como Doinel novamente; ensaiando seu charme brusco em La Père Noel A les Yeux Bleues (65, Jean Eustache); realmente envolvente em Le Départ [67, Jerzy Skolimowski); em um episódio de Dialog (*) (68, Skolimowski); em Porcile [Pocilga] (69, Pier Paolo Pasolini); Os Herdeiros (69, Carlos Diegues); Le Lion à Sept Têtes [O Leão de Sete Cabeças] (70, Gláuber Rocha); Une Aventure de Billy le Kid [Uma Aventura de Billy the Kid] (70, Luc Moullet); brincando de realizador em Last Tango in Paris [O Último Tango em Paris] (72, Bernardo Bertolucci); como figura central em La Maman et la Putain [A Mãe e a Puta] (73, Eustache), desmontado gradualmente pela angústia mais amadurecida das mulheres; como o ator cegamente vaidoso de La Nuit Américaine [A Noite Americana] (73, Truffaut), que faz com que a plateia arqueje de desgosto quando telefona ao marido de Jacqueline Bisset.

O único filme que faz uso completo da solidão maníaca de Léaud é Out 1:Spectre (73, Jacques Rivette), no qual é a vítima mais obecada com a ideia do "13".

Em 1979, está novamente de volta como Doinel em L'Amour en Fuite [O Amor em Fuga], aos 35, como se ainda fossem 17, mas envergonhado como ator pela vitalidade e candura que possuía em Os Incompreendidos.

Desde então, o que se houve é que tem tido dificuldades pessoais. Mas trabalha, obstinadamente, o rosto cada vez mais assombrado: On A Pas Fini d'en Parler (79, Bernard Dubois); Parano (81, Dubois); Aiutami a Sognare (81, Pupi Avati); La Cassure (83, Ramón Muñoz); Rebelote (83, Jacques Richard); no episódio da Rua Fontaine em Paris Vu Par...20 Ans Aprés (84, Philippe (sic) Garel); L'Herbe Rouge (84, Pierre Kast); Csak Egy Mozi (84, Pal Sandor); L'Ile au Tresor (85, Raul Ruiz); Detective [Detetive] (85, Godard); Grandeur et Decadence d'un Petit Commerce de Cinema (86, Godard); 36 Filette (88, Catherine Breillat); La Femme de Paille (88, Suzanne Schiffman); Jane B. par Agnès V. [Jane B. por Agnès V.] (88, Agnès Varda); Les Ministères de l'Art (88, André Techiné); I Hired a Contract Killer [Contratei um Matador Profissional] (90, AKi Kaurismaki); La Vie de Bohème [A Vida da Boêmia] (90, Kaurismaki) e J'Embrasse Pas [Não Dou Beijos] (91, Techiné).

Quando chegou aos 60, trabalhava tão arduamente quanto se fosse um ator. Ainda que para muitos de nós parecesse alguém amedrontado, flagrado em uma casa assombrada, onde não encontrasse a saída: Paris S'Eveille (91, Olivier Assayas); Missä on Musette? (92, Veiko Nieminen e Jarmo Vesteri); La Naissance de l'Amour (93, Philippe Garrel); Personne Ne M'Aime (94, Marion Vernoux); Mon Homme (96, Bertrand Blier); Le Journal du Séducteur (96, Danièle Dubroux); Irma Vep (96, Assayas); Pour Rire! (96, Lucas Belvaux); não creditado em Elizabeth (98, Shakhar Kapur); Une Affaire de Gôut [Uma Questão de Gosto] (99, Bernard Rapp); o protagonista de L' Affaire Marcorelle (00, Serge Le Peron); Ni Neibian Jidian [Que Horas São Aí?] (01, Tsai Ming-liang); Le Pornographe [O Pornógrafo] (01, Betrand Bonello); La Guerre à Paris (02, Yolande Zauberman); Folle Embellie (03, Dominique Cabrera); como Georges Franju em J'Ai Vu Tuer Ben Barka (05, Le Péron e Saïd Smihi); Visage (09, Ming-liang); Le Havre [O Porto] (11, Aki Kaurismäki); Camille Redouble [Camille Outra Vez] (12, Noémie Lvovsky)

Texto: Thomson, David. The New Biographical Dictionary of Cinema. Nova York: Alfred A. Knopf, 2014, pp. 1532-34. 


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