Filme do Dia: Camicia Nera (1933), Giovacchino Forzano
Camicia Nera (Itália, 1933). Direção e
Rot. Original: Giovacchino Forzano. Fotografia: Mauro Albertelli, Eugenio Bava, Mario Craveri, Ercole Granata
& Giulio Rufini. Música: Gian Lucca Tocchi. Montagem: Mario Bonotti &
Giovacchino Forzano. Dir. de arte: Antonio Valente. Com: Enrico Marroni, Antonietta
Mecale, Enrico Da Rosa, Guido Petri, Lamberto Patacconi, Pino Locchi, Vinicio
Sofia, Renato Tofoni.
Membros de uma comunidade, e o povo
italiano como um todo, sentem a eclosão da I Guerra Mundial, com os socialistas
defendendo a neutralidade mas sendo rapidamente subjugados pelo patriotismo
fascista, influenciado pelos artigos escritos por Mussolini. Um ferreiro (Da
Rosa) parte para a guerra, mesmo contra a vontade de seu pai. Porém, se retorna
feliz para reencontrar o filho (Locchi) já mais crescido e, inclusive, sabendo
ler, a sorte não se repete é ferido gravemente, em 1918, na frente francesa,
vítima de uma granada e permanece em estado de choque. Sua família vai
pessoalmente a prefeitura receber a notícia de seu desaparecimento e chora
tendo-o como morto. Seu avô, no entanto, após certo tempo e finda a guerra,
decide partir em busca do filho, para a alegria do neto e de sua nora (Mecale).
Catatônico, o ferreiro somente esboçará alguma reação emocional quando a equipe
médica que trata dele desconfia ser italiano e não francês. A balbúrdia toma
conta do país com os movimentos grevistas e operários. O reestabelecimento da
ordem com o Fascismo. Um período “fictício” de bem-estar econômico, ao menos
para alguns que se beneficiaram rápida – e artificialmente dele. A família do
ferreiro, outrora pobre, agora é afluente, mas uma afluência fincada firmemente
no solo e não na especulação. Os que haviam emigrado para outros países, por
falta de oportunidades, retornam.
Ao menos esteticamente, boa parte dos
filmes de propaganda fascistas pareciam atentar para a busca de um estilo, se
não ao menos coeso como havia sido o da montagem soviética da década anterior,
diverso da absoluta falta de criatividade que se encontrava presente nos dramas
históricos e de costumes contemporâneos, de longe mais populares e numerosos. O
filme de Forzano, um tanto patético em sua explícita propaganda fascista e
anticomunista, por exemplo, inicia com imagens de cadência e soturna beleza
pouco habitual na produção italiana do período e, tal como o 1860, de Blasetti, fazendo uso de
atores não-profissionais. Mesmo precariamente utilizando do som, não dispensa o
uso de cartelas para lhe auxiliar na apresentação dos seus personagens ou
comentar sobre aspectos da guerra e da história italiana ao longo dos anos.
Porém, o patético ganha prevalência sobre o que eventualmente poderá ser
percebido como bons achados e se, tal como no próprio Blasetti e,
posteriormente, Rossellini (La Nave Bianca) se observa influências epiteliais do cinema soviético, seu momento
de montagem que, com sinal ideológico invertido, traz a comparação visual entre
o orador socialista e o sapo coachando no pântano se encontra longe do que
Eisenstein realiza em A Greve. Ou
ainda a tentativa de mimetizar o uso criativo da palavra escrita na imagem,
como quando a palavra “audácia” surge como expressão de uma vitalidade viril
fascista se sobrepondo a deboleza esquerdista.
Um dos alvos que o filme bate já em seu início é contra o
internacionalismo presente no discurso esquerdista, observado de forma idêntica
em diversos países e culturas, que tem como contraponto o nacionalismo fincado à
terra madre, não por acaso título de
um filme de Blasetti do período, quando a exaltação dos motivos associados ao
campo e aos camponeses ganham prevalência. Uma influência soviética talvez
menos epidérmica do filme será o seu eixo não antenado somente com os
personagens de maior destaque, numa dimensão coral que também será seguida por
Rossellini, De Robertis e outros posteriormente, ainda que esses personangens
não se diluam diante do coletivo como em boa parte dos filmes soviéticos. Seu
aspecto algo improvisado, mesmo que com ares de épica super-produção, podem ser
percebidos, nos olhares lançados algo desconfiadamente para a câmera em uma
cena de multidão por um dos extra. Como bom herói fascista, o ferreiro morre ao
início do segundo terço do filme. Não é muito difícil se imaginar que seu filho
faria papel similar na guerra mundial sucedânea, caso essa fosse mais próxima
temporalmente e pudesse se encontra no escopo histórico descrito pelo filme.
Embora seja difícil a escolha, as duas cenas mais pavoramente piegas e que
menos poupam seu elenco amador é a do ferreiro se emocionando ao som da música
italiana e após a exibição de um filme italiano se levantando, sendo que o
primeiro nome que ele exclama é justamente Itália. O filme expressa, ao início
de sua terceira parte, de forma para-didática, o que seria o fim da política e
de todos os “vícios” do sistema liberal, com um novo sistema político,
educacional, de saúde, de culto aos esportes e a raça etc. Imagens documentais
passam a ter maior presença nessa última parte, como a impressionante cena de
centenas de homens trajando uniformes esportivos brancos fazendo atividades
esportivas conjuntamente. E as mulheres, por sua vez, efetivando as suas. O
apoio da Igreja Católica não é esquecido e é retribuído com uma menção. A
crítica às elites liberais as apresentam, tal como nos filmes de esquerda, como
perdulárias e algo promíscuas, em um mundo fútil, movido pelo hedonismo vazio.
Em sua terça parte final, perde-se de vez qualquer senso de ridículo e se faz,
de forma contabilística como no mais vulgar dos cinejornais igualmente
produzidos pelo LUCE, uma “prestação de serviços” fascista com dados numéricos
dos feitos do regime. E o que se percebe, de um modo geral, é o gradativo
descolamento (e deslocamento para segundo plano) da história ficcional,
prejudicando o relativamente bem sucedido (e original) equilíbrios entre
ficcional e documental. Ironicamente o filme planeja dados estatísticos para as
ferrovias em 1944, quando o regime de Mussolini já agonizava na República de
Salò. Se o seu todo está longe de ser estimulante sua terça parte final é
intragável em seu tom apologético que culmina com um longo e não menos
fastidioso discurso do Duce – a determinado instante “assistido” pela família
do ferreiro, à guisa da impossivel reconciliação entre coletivo e privado,
documental e ficcional, fazendo uso de plano mais fechado para simular a
interação entre filmagens realizadas em locais e momentos distintos, recurso
que se tornará clichê com o tempo –
seria utilizado igualmente pela trilogia realizada por Rossellini durante o
fascismo (notadamente em La Nave Bianca).
Já livre do fechamento do ciclo iniciado com uma terra miserável e pantanosa
que se transforma em fértil e rica, assim como seus moradores (no caso a
família do ferreiro), em nada discreta alegoria para a própria nação italiana
durante os dez anos recém-completos do regime, o filme pode ter como arremate
final imagens laudatórias do regime em sua personificação mais absoluta,
Mussolini. Difícil é acreditar que o filme possui apenas a duração em questão.
Istituto LUCE. 91 minutos.
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