Filme do Dia: Camila: O Símbolo de uma Mulher Apaixonada (1984), María Luisa Bemberg
Camila: O Símbolo de uma Mulher Apaixonada (Camila, Argentina, 1984). Direção: Maria Luisa Bemberg. Rot. Original: María Luisa Bemberg, Beda Docampo Feijóo &
Juan Batista Stagnaro. Fotografia: Fernando Arribas. Música: Luis María Serra.
Montagem: Luis Cesar D’Angiolillo. Dir. de arte: Esmeralda Amonacid, Abel
Facello & Miguel Rodríguez. Figurinos: Graciela Galán. Com: Susú Pecoraro,
Imanol Arias, Héctor Alterio, Elena Tasisto, Carlos Muñoz, Héctor Pellegrini,
Juan Leyrado, Cecilio Madanes, Claudio Gallardou.
A filha do governador Adolfo O’Gorman
(Alterio), o homem mais poderoso da província, Camila (Pecoraro), interessa-se
crescentemente pelo novo padre recém-chegado, Ladislao Gutiérrez (Arias).
Inicialmente, de forma devota, ouvindo o que diz de suas confissões, trazendo
oferendas à igreja. Depois de forma abertamente apaixonada e carnal. Os dois
decidem fugir, provocando um escândalo de enormes proporções em uma situação já
não muito pacífica entre Igreja e Estado. O casal passa a viver com identidades
falsas em um pequeno povoado, onde se
tornam benquistos e assimilados à elite local. Certa noite, no entanto,
Ladislao é reconhecido. Em pouco tempo, ambos são capturados. Porém, após
semanas de cativeiro, descobre-se que Camila se encontra grávida, e que a lei
proíbe a execução de mulheres grávidas.
Sem muita pressa o filme “apresenta”
seus personagens imersos em seu cotidiano ao longo de créditos que ultrapassam
os 7 minutos iniciais. Sua fotografia vaporosa, seus valores de produção de
reconstituição de época e suas interpretações nada sutis não seriam descabidas
em uma minissérie televisiva – não por acaso a maior parte de seu elenco de
carreira mais extensa na TV. Um exemplo que sintetiza bem essa ausência de
sutileza, bem conforme as exigências do melodrama comezinho, é o momento em que
Camila vai se confessar com o objeto de amor que ainda não reconhece enquanto
tal, e se observa o sorriso paternalista, cúmplíce e autosatisfeito de
Ladislao. Mesmo se assemelhando a um romance de fundação nacional, o filme é
menos uma adaptação da literatura que uma versão de uma personagem histórica.
Dito isso, também reserva uns poucos
encantos a quem persistir em vê-lo. Assim, a própria sequência de cenas
posterior que lida com o confessionário traz talvez a cena mais bonita de
todas, com Camila observada como se da perspectiva do confessor, quase uma
máscara do sofrimento em meio a escuridão. Ou ainda as imagens do funeral da
avó de Camila. Ao contrário dos romances de fundação nacional, no entanto, o
filme ultrapassa qualquer evocação romântica mais exaltada e representa o amor
plenamente carnal como libertação de
todas as grades das convenções sociais de sua época. E, tal como nas infidelidades clássicas que
resultaram em morte, o peso da decisão tomada por ambos e o que deixaram para
trás parece ser sentido, sobretudo para Ladislao, e se volta ocasionalmente contra a
felicidade do casal, antes mesmo da reação externa da sociedade. Essa não tarda
a vir. Porém, as tormentas do casal são bem menores que as de seus semelhantes
envolvidos em dramas e traição e morte, o que igualmente assegura uma valoração
do desejo sobre os impedimentos sociais. Os momentos em que há um regurgitar do
refluxo da tradição melodramática, com direito a tempestade e tudo, são dos
mais canhestros, como é o caso do patético momento em que Ladislao tem sua
catarse particular diante da igreja, decorada pela iluminação e acolchoada
pelos ruídos da tempestade. E o equivalente por parte de Camila, quando grita
para Ladislao na prisão que está grávida, com o patético tendendo a se acentuar
pela trilha sonora. O fato de ser dirigido por uma realizadora acentua talvez a
sua conformação de uma integridade maior à personalidade de Camila, nunca
pesarosa da decisão tomada ou dividida como Ladislao, para quem seus laços com
a Igreja longe se encontram de resolvidos. E se em tudo e por tudo parece se
encontrar a anos luz das propostas estéticas do posterior Nuevo Cine Argentino,
ao menos um elemento os vincula, em termos de produção, sua produtora, Lisa
Stantic é a mesma da mais talentosa e de maior projeção internacional da
geração que lhes sucede: Lucrecia Martel.
Dedicado à memória dos amantes mortos. Indicado ao Oscar de filme
estrangeiro, prêmio ganho no ano seguinte com o bem mais interessante A História Oficial. Há uma versão de
1909. GEA Producciones/Impala. 103 minutos.
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